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Para ser possível um sistema de avaliação em larga escala nas escolas é preciso padronizar aquilo que será avaliado, ou seja, os conteúdos. Daí a estreita relação entre padronização, responsabilização e estreitamento curricular – este último sendo a garimpagem que prioriza as disciplinas avaliadas, que a avaliação por resultados institui e controla (FREITAS, 2014).

Temos aqui uma mediação pouco trabalhada no Procentro em função de seu caráter de experimento e de alguns outros fatores, sendo eles: a) a ausência de uma avaliação sistêmica estadual [SAEPE], do estabelecimento de uma política fundada em índices [IDEPE] e de um sistema de monitoramento e controle de indicadores [Pacto] para toda a rede estadual de

ensino; b) o projeto pedagógico dos CEE que envolvia, na fase original, ênfase num currículo pautado “[...] na integração de conteúdos acadêmicos, profissionalizantes e práticas educativas” voltadas à elaboração dos projetos de vida dos(as) estudantes (MAGALHÃES, 2008, p. 48). Conforme um dos documentos: a ideia inicial “[...] baseava-se numa rejeição aos conteúdos organizados por disciplinas e aos métodos didáticos, e postulava um ensino de projetos baseado em centros de interesse e em materiais a ser desenvolvidos pelos professores” (MAGALHÃES, 2008, p. 49).

Todavia, isso não impediu a criação dos Guias de Aprendizagem que apontavam a tentativa de padronização dos conteúdos a serem ensinados no eixo “acadêmico”. Os guias buscavam “[...] profundidade teórica e prática de todos os conteúdos do Ensino Médio, de modo a maximizar as chances de acesso a universidades de primeira linha”. A priorização destes conteúdos era fundamental para sustentar a alcunha dos CEE como ilhas de excelência a partir destes resultados, conforme confirma trecho retirado de um dos documentos: “As escolas do Procentro, ao adotar expectativas claras de aprendizagem e apoio prático ao professor, conseguiram construir um padrão de qualidade presente em todas as unidades”

(DIAS; GUEDES, 2010, p. 48).

Em outro documento analisado, os guias de aprendizagem são apresentados como ferramentas que oferecem “[...] ao professor sugestões para a abordagem dos diversos temas, bem como lhe permitem explorar aspectos interdisciplinares sem perder o foco de suas disciplinas”. Com base nisso, inferimos que os guias funcionavam como mecanismos de

“reforço” para que determinadas competências e habilidades consideradas básicas no Procentro fossem garantidas nas práticas de ensino. Isso compõe o processo de manualização da rotina de trabalho examinado no capítulo 4.

Como o PMGP-ME e o PPE, a padronização, já esboçada no Procentro, mas, tensionada pelo modelo de currículo “interdimensional”, foi sendo qualitativamente ampliada na rede estadual de ensino. Isso implicou num gradativo abandono de qualquer perspectiva

“interdimensional” que pode ser atestada, inclusive com a separação das escolas de ensino propedêutico-acadêmico [as EREMs] das técnico-profissionalizante [as ETEs].

Se por um lado foi criado em cada uma destas ofertas formativas um tipo de currículo especializado em determinadas competências e habilidades unilaterais, formação geral nas EREMs e formação técnica-profissionalizante nas ETEs, por outro, as exigências postas pelo IPEE em torno das metas que estavam assentadas em indicadores que não iam além do desempenho em Português e Matemática demandou processos de padronização dos

conteúdos, habilidades, competências, atividades e procedimentos não apenas destas disciplinas, mas, de todas as outras.

Dessa maneira, mecanismos de padronização nos mais diversos sentidos passaram a ser aspectos muito presentes na organização da rotina de trabalho dos(das) professores(as), justamente para garantir que o que será avaliado, será ensinado.

Para pressionar que os(as) docentes exerçam suas atividades pedagógicas pautadas nos conteúdos, habilidades e competências previstas dos indicadores do IPPE, páginas webs vinculadas à Secretaria de Educação do Estado intituladas “Espaço Professor – Leis e Orientações135” e “Parâmetros Curriculares136” foram criadas e disponibilizadas aos docentes.

Além disso, um conjunto de documentos de caráter normativo foi sendo criado ao longo dos governos de Eduardo Campos e Paulo Câmara que expressam uma política de padronização [entendida aqui como automatização do trabalho] não só dos conteúdos, habilidades e competências que precisam ser garantidas, mas, também de atividades e de procedimentos técnicos que fazem parte da rotina do trabalho docente. Segue um levantamento dos documentos e fontes encontradas que apontam esse fenômeno da padronização operacionalizada pelo estado de Pernambuco:

QUADRO 9 – Material normativo e pedagógico utilizado na padronização curricular

DOCUMENTO ASSUNTO

Instrução normativa N° 04/2008 (PERNAMBUCO, 2008j)

Dispõe sobre as diretrizes e procedimentos para im-plantação do Sistema de Avaliação das aprendiza-gens nas Escolas da Rede Estadual de Ensino a par-tir do ano letivo de 2008

Orientação para preenchimento dos diários de classe (Ensino Fundamental e Médio)

(PERNAMBUCO, 2009)

Material contendo instruções para preenchimento dos diários de classe

Orientações Teórico-Metodológicas (Língua Portuguesa) (PERNAMBUCO, 2011).

Contém as Orientações Teórico-Metodológicas nas áreas de língua portuguesa, de matemática, de

Material contendo os Parâmetros Curriculares da Educação Básica e os Padrões de Desempenho Estudantil, voltados para o estabelecimento das expectativas de aprendizagem dos estudantes, com o intuito de auxiliar o professor em sua prática docente e assegurar o direito de todo estudante a aprender

135 http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=56. Acesso em: 13 dez. 2019.

136 http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=1047. Acesso em: 13 dez. 2019.

Parâmetros para a Educação Curriculares do Estado, possibilitando ao professor conhecer e analisar propostas de atividades que

Apresenta os Parâmetros Curriculares da Educação Básica e os Padrões de Desempenho Estudantil, voltados para o estabelecimento das expectativas de aprendizagem dos estudantes em todas as etapas da Educação Básica, com o intuito de auxiliar o

Material contendo atividades selecionadas que dialogam com os Descritores da Matriz do Saepe e visam ao alcance das expectativas de aprendizagem (Português) contidas nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental e Médio do Estado de

Conteúdos a serem trabalhados nos componentes curriculares referentes ao Ensino Fundamental e Médio, em consonância com os Parâmetros Curriculares para a Educação Básica de Pernambuco Instrução normativa Nº 04/2014

(PERNAMBUCO, 2014) Dispõe sobre as diretrizes e procedimentos do Sistema de Avaliação das Aprendizagens nas Escolas de Rede Estadual de Ensino

Elaboração própria. Fonte: SEE.

Como podemos observar pelo assunto tratado em cada documento, que demonstra a participação direta do estado de Pernambuco na produção de materiais com orientações pedagógicas, normativas e administrativas, essa padronização envolve tanto conteúdos/expectativas de aprendizagem, como também a padronização de atividades e procedimentos, até mesmos os mais simples e técnicos, que fazem parte da rotina do trabalho docente. Exemplo disso é o documento intitulado Ações de Fortalecimento da Aprendizagem (PERNAMBUCO, 2015) que propõe uma série de atividades coordenadas “[...] com os Descritores da Matriz do SAEPE e visam ao alcance das expectativas de aprendizagem contidas nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio do Estado de Pernambuco” (PERNAMBUCO, 2015, p. 3).

No material o currículo escolar é reduzido a descritores que dizem respeito às habilidades e competências que deverão ser aprendidas ao longo do ano e cobrados nas avaliações externas.

O material apresenta quais serão avaliados e ainda explicita a função e importância de cada um deles no processo avaliativo, como podemos observar na imagem abaixo extraída do documento:

IMAGEM 14 – Descritores e explicitação de suas funções nas avaliações de Língua Portuguesa (Ensino Médio)

Fonte: Pernambuco (2015)

Em outra parte do documento, são apresentadas as sugestões de atividades com instruções procedimentais e comportamentais que dispensam maiores reflexões por parte dos professores, provocando um processo de tecnificação de sua prática. Vejamos abaixo:

IMAGEM 15 – Sugestões de Atividades para trabalhar os descritores de Língua Portuguesa

Fonte: Pernambuco (2015)

A padronização (conteúdos, atividades e procedimentos) é um outro aspecto de racionalização da rotina de trabalho docente que possui profundos nexos com a automatização das tarefas realizadas nas fábricas/empresas. Levado às últimas consequências permite eliminar os movimentos falhos, lentos e inúteis. Isso porque segundo Taylor (2006, p. 42),

“[...] cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios para realizá-la”. Isso facilita

“[...] o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato concebido para a execução” (2006, p. 42).

Não é nenhuma novidade no campo educacional o processo de padronização da rotina de trabalho docente. Na década de 1970 sob as influências da teoria do capital humano observamos um intenso processo de tecnificação educacional com base nos postulados do taylorismo. No contexto do século passado, no entanto, a ênfase dos processos de racionalização do trabalho pedagógico se dava a partir da programação e padronização dos planos didáticos, isto é, do fazer propriamente dito. Nesse rumo, buscava-se o caminho mais barato (eficiência) de atingir os objetivos de aprendizagem propostos pelos especialistas (eficácia).

Com a entrada das políticas de responsabilização do trabalho docente na década de 1990, além da ênfase nos processos de racionalização dos meios [como fazer], a disputa pelo controle da escola também se irradiou para os fins [onde chegar]. É aqui onde entram a importância da padronização e a lógica dos descritores como metas de aprendizagem.

Importante estudo nesse sentido é a pesquisa de Benittes (2014) que mostrou como a política do ensino médio de Pernambuco inverte os fins pedagógicos de uma educação interdimensional, que passam a ser meios, pelos meios da gestão gerencial focada em resultados, que passa a ser um fim e si mesmo. Essa contradição, no plano da aparência, tem como nexo o rebaixamento da formação da juventude para o trabalho simples e desqualificado, “[...] mediante uma reestruturação administrativa centrada no gerencialismo e no accountability e de uma proposta curricular baseada na pedagogia das competências para a empregabilidade” (BENITTES, 2014, p. 8).

5.5 OS NOVOS SOFTWARES QUE SIMPLIFICAM AS TAREFAS E OTIMIZAM O