• Nenhum resultado encontrado

Como já discutimos em seções anteriores, a unidade psicofísica, além de possuir um substrato ideológico que reflete determinada concepção filosófica de mundo, não está dissociada de métodos de gestão do trabalho que busca adquirir e adequar as habilidades e aptidões necessárias ao tipo de trabalho exigido e articulá-las a elementos de ordem psíquico-emocional.

Nosso estudo revelou que, além de sua concepção filosófica de mundo pragmatista, o método de gestão utilizado pela TESE para adequar a rotina de trabalho dos(as) professores(as) é o Ciclo PDCA [Plan/Do/Check/Act]. Na tradução para o português que dizer, respectivamente: planejar, executar, verificar e agir.

Importante situar que o ciclo foi formulado 1930 pelo físico e engenheiro Walter A.

Shewhart122 e difundido pelo estatístico estadunidense William Edwards Deming123. Um e

122 Físico, engenheiro e estatístico norteamericano, celebrado como o criador de instrumentos de verificação e controle estatístico de qualidade. Formou-se na universidade de Illinois. Já seu Ph.D. em Física foi obtido na Universidade da Califórnia em 1917.

outro estavam engajados em desenvolver processos de controle estatístico da qualidade dos processos produtivos.

As quatro (4) etapas que estruturam o ciclo são definidas nos documentos da seguinte maneira:

Planejamento – Esta fase é um momento de reflexão de líderes e liderados. É a oportunidade de traçar e definir rumos, corrigir falhas, aprimorar métodos e processos.

Execução – Fazer acontecer. É pôr em prática o que foi definido nos vários instrumentos de planejamento. Envolve a parceria entre educadores e educandos.

Acompanhamento e Avaliação – Ocorrem simultaneamente e possibilitam verificar se as estratégias estão conduzindo aos resultados pretendidos. Os instrumentos mais eficazes são: a Educação pelo Trabalho e a Pedagogia da Presença.

Ajuste – Ao final de um período, geralmente anual, é imprescindível proceder à correção do Plano de Ação, ajustando estratégias, metas, indicadores e outras variáveis em função da vivência de cada um e dos resultados alcançados. Daí recomeça todo o processo retratado pelo ciclo PDCA (Plan/Do/Check/Act) (ICE, s/d, p. 12).

É impossível não enxergar relações entre o ciclo PDCA e as teorias sistêmicas, discutidas na seção anterior. A linguagem do ciclo (que começa no planejamento e retorna a ele ao fim de cada processo) é bastante semelhante às características de circularidade, globalidade e a estrutura input/output (entrada e saída de dados para a tomada de decisão), apropriada principalmente pela cibernética, que constituem o paradigma sistêmico. No caso do Ciclo PDCA, o controle informacional e estatístico buscado nas quatro fases é o que a racionalidade empresarial entende como qualidade total e a marca registrada do neotecnicismo na educação. Sua missão, portanto, é que nada fique fora do ciclo (ideias ou ações) e nada fora dele possa interferir na rede de relações programadas, como explicitado no trecho abaixo extraído de um dos documentos analisados nesta seção:

Trata-se de um instrumento de gestão eficaz à medida que o ciclo de planejamento é simples e a projeção dos resultados esperados e respectivos indicadores geram relatórios inteligentes, permitindo o acompanhamento por todos os parceiros internos e externos (MAGALHÃES, 2008, p. 31, destaques nossos).

Os destaques acima nos permitem inferir que o principal objetivo do ciclo é o monitoramento dos resultados, a partir de instrumentos “artesanais” e de controle como é o caso do “relatório inteligente”. Essa questão do controle, no entanto, expõe uma contradição

123 Estatístico norteamericano. Largamente conhecido pela atuação no aprimoramento dos processos produtivos

nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

in termos entre a metodologia do Ciclo e os conceitos do paradigma sistêmico, considerando um dos pilares deste último é a aceitação da instabilidade, como uma característica de qualquer sistema, seja físico, biológico ou social. Entende-se que as interações que organizam o sistema carregam um “[...] processo de constante transformação, no qual há a indeterminação e, por isso, alguns fenômenos são imprevisíveis e irreversíveis, e, portanto, incontroláveis” (GOMES et al., 2014, p. 11, grifos nossos). Conforme tese de Apple (2008) já aludida nesse trabalho, trata-se de se reconstruir o discurso científico da teoria para uma lógica de uso epistemologicamente contrária aos fundamentos da fonte.

O método PDCA parece buscar no plano ideológico contornar essa contradição epistemológica, quando apresenta as quatros etapas do Ciclo [Plan/Do/Check/Act] a partir de relações e interações horizontais. De tal modo, a fase do planejamento, por exemplo, aparece como uma construção horizontal e que leva em conta as demandas de cada contexto.

Conforme os documentos, é dito que a sistemática do ciclo “[...] se ajusta à realidade de cada Centro, respeitando suas peculiaridades. Por essa razão, o Plano de Ação de um Centro não pode ser a cópia de outro” (ICE, s/d, p. 8).

Mais evidências dessa aparência de gestão democrática podem ser observadas no trecho abaixo extraído de outro documento analisado:

[...] Em cada Centro, esse ciclo se inicia com uma semana de planejamento em regime de imersão, da qual participam todos os integrantes da equipe.

Nesse período, são revistos os principais conceitos e princípios da Tese e as diretrizes do PROCENTRO. O Plano de Ação da Escola é elaborado em equipe (MAGALHÃES, 2008, p. 33, destaques nossos).

Analisando o trecho acima, identificamos que os documentos buscam tingir os métodos de controle do Ciclo PDCA com postulados da gestão democrática, mas, essa articulação se apresenta de maneira vaga, rasa e contraditória. É dito que “todos” participam do planejamento, todavia, não é definido o que é planejado ou sobre o que incide esse planejamento.

A resposta a essa questão, todavia, pode ser observada em outro documento analisado, no qual é mencionado que esse planejamento que cada centro realiza e a construção de seus planos de ação deve estar alinhado ao “[...] Plano de Ação Político-Estratégico, no qual se encontram as premissas, objetivos, resultados previstos e seus indicadores (MAGALHÃES, 2008, p. 33)”. Vale lembrar que o Plano de Ação Político-Estratégico é definido pelos gestores do Procentro, isto é, em sua maioria consultores e representantes de fundações empresariais juntamente com alguns poucos técnicos da secretaria de educação. Expressam o

caráter verticalizado da estrutura de gestão do Procentro em sua divisão sociotécnica do trabalho administrativo-pedagógico; no Plano Político-estratégico se encontram

[...] diretrizes gerais que norteiam a formação, a definição da missão e as prioridades de cada Centro. Essas diretrizes constituem a “espinha dorsal”

que caracteriza cada Centro. O PROCENTRO também define os limites da autonomia financeira e administrativa do Centro, assim como da alocação orçamentária (MAGALHÃES, 2008, p. 32, destaques nossos).

A figura a seguir nos fornece uma ilustração interessante acerca da estrutura hierárquica de organização do trabalho pedagógico e a divisão bem definida das tarefas nos CEE:

IMAGEM 5 – Estrutura hierárquica de gestão e organização dos CEE

Fonte: Magalhães (2008, p. 32).

Como está apresentado na imagem, no nível político-estratégico que funciona como centro máximo de deliberação e controle administrativo-pedagógico não estão incluídos os(as) docentes e gestores das escolas. Estes, passam a “participar” dos níveis decisórios inferiores, já determinados em termos de direção moral e intelectual pelo nível superior.

Logo, o hibridismo discursivo entre Ciclo PDCA e gestão democrática se mostra falso na prática, sendo mais um artifício ideológico para amenizar a tônica centralizada e vertical do Procentro e do modelo da TESE.

Portanto, se o planejamento coletivo nos CEEs realizado por gestores(as) e professores(as) não contempla o controle da concepção, do conteúdo e dos fins do trabalho pedagógico e docente por aqueles(as) que fazem a escola, que função cumpre?

Retomando uma parte do trecho: “[...] são revistos os principais conceitos e princípios da Tese e as diretrizes do PROCENTRO”, podemos concluir que tal momento de planejamento utilizado para rever “conceitos” e “princípios” da TESE, representa na verdade, os espaços de “absorção” dos fundamentos morais-intelectuais da filosofia pragmatista. Dito de outra forma: os processos de “conscientização” e “mudança de postura” que levam a novos nexos psicofísicos, visando a adequação à cultura e linguagem gerencial. Essa difusão da

linguagem e da visão de mundo é algo essencial na construção dos nexos psicofísicos empresariais e gerenciais, como podemos observar no trecho a seguir:

A Tese, também, constitui um excelente instrumento para desenvolver o protagonismo, sobretudo pela ênfase em princípios e valores, a visão correta de uma empresa e o papel educativo do empresário. [...] educandos, educadores e gestores utilizam-se da mesma linguagem e dos mesmos instrumentos para planejar, gerenciar e avaliar suas atividades (MAGALHÃES, 2008, pgs. 31-32, destaques nossos).

O trecho acima nos permite concluir que o Ciclo PDCA é um instrumento do modelo de gestão da TESE que busca garantir o controle não apenas do processo e dos resultados.

Mas, garantir que a visão de mundo pragmatista que embasa o modelo de gestão estruture a linguagem utilizada, as referências simbólicas e morais, as ideias, comportamentos, ou seja, se torne o senso-comum na rotina de trabalho. É nesse sentido que o uso do método PDCA está associado à produção dos nexos psicofísicos exigidos pelo modelo da TESE. Analisamos as características ideológicas e os perfis docentes existentes nesses nexos na seção seguinte.

Por ora, cabe sublinhar a unidade orgânica presente no modelo da TESE entre estrutura e superestrutura com a articulação entre a filosofia pragmatista como visão de mundo, de um lado, e o paradigma sistêmico como base epistemológica do método de gestão e organização do trabalho Ciclo PDCA de outro. Apesar das diferenças teóricas entre um e outro, ambos são expressões das concepções de mundo burguês. Se harmonizam, portanto, nas críticas romantizadas que fazem à tradição filosófica e de cientificidade, principalmente, moderna e nos diagnósticos relativistas e abstratos que fazem da sociabilidade burguesa sem questionar sua principal característica: a estrutura de classes.

Tanto no relativismo pragmatista quanto no holismo do paradigma sistêmico, as contradições de classe são esquecidas como se não existissem. Isso permite que suas elaborações teóricas sobre temas sociais importantes, tais como democracia, organização social, conhecimento e verdade, sejam feitas sem tensões e sequer ranhuras nas bases da estrutura social do capitalismo. São, inclusive, expressões de renovações, revisionismos e reformismos da estrutura intelectual e moral burguesa. É o caso das noções de democracia, verdade e conhecimento, sempre relativas e utilitárias presentes no liberal Dewey, ou das teses românticas de que tudo se complementa em relações recíprocas, circulares e complexas [no sentido da impossibilidade de apreensão de seu sentido] presente no paradigma sistêmico, principalmente, na teoria da complexidade.

A citação abaixo resume bem as características de miséria da razão burguesa dessa aproximação ideológica entre o pragmatismo e o paradigma sistêmico para dar substancialidade e unidade à racionalidade [de classe] empresarial-gerencial:

Não há conhecimento possível da coisa em si. O mundo é um existencial. É a existência do ser-no-mundo que promove o recorte, na realidade, daquilo que vem a ser o seu mundo, o mundo do para-si. A ideia de um mundo único, fixo, unívoco, comum a todos os seres, não condiz com a teoria pragmática do conhecimento. Na realidade, tal mundo não existe. Há tantos mundos possíveis quantos modos de existir e, consequentemente, tantos mundos possíveis quantos modos de ser-no-mundo (BOUYER, 2010, p.

173).

4.3 AS CARACTERÍSTICAS ORGANIZACIONAIS DA ROTINA DE TRABALHO