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No âmbito da organização do trabalho pedagógico, uma das grandes novidades trazidas para a política com o Programa de Modernização da Gestão Pública – Metas para a Educação foi a criação do Pacto pela Educação que conforme site do governo126

[...] é uma política voltada para a qualidade da educação, para todos e com equidade, com foco na melhoria do ensino, das aprendizagens dos estudantes e dos ambientes pedagógicos, ampliando o acesso à educação e contribuindo para avanços educacionais em nosso estado. O pacto pressupõe a participação da sociedade e incorpora as diversas demandas e sugestões apresentadas nos seminários Todos Por Pernambuco (destaques nossos).

Localizamos o conjunto destas demandas que expressam a agenda dos subalternos em torno de uma educação pública, laica, gratuita, inclusiva, de qualidade social e articulada ao desenvolvimento econômico nos centros e interior do estado; pode ser resumida nos seguintes pontos: a) expansão do número de matrículas e escolas públicas; b) ampliação de infraestrutura; c) limitação do número de alunos por sala de aula; d) investimentos em políticas de formação de professores com foco nas áreas mais deficitárias [físicas, matemática, química e biologia]; e) bolsas de incentivos à redução da evasão para estudantes;

f) ampliação da educação tecnológica e profissional; g) atenção especial à educação de jovens e adultos – EJA; g) ações de interiorização da ciência e tecnologia (PERNAMBUCO, 2006, pp. 23-29).

126 Consultar em:

http://www.educacao.pe.gov.br/educar/upload/galeria/689/Site%20PPE%20-%20Banco%20Mundial.pdf. Acesso em: 10 dez. 2019.

O pacto, a despeito de anunciar que pressupõe “mecanismo de participação” e

“incorporar” as demandas, está estruturado numa lógica de gestão altamente hierárquica, centralizada e vertical. Os postos mais altos são ocupados pelos setores que definem o planejamento educacional (metas de desempenho, parâmetros de ensino e o sistema de avaliação) e os mais baixos (sendo a última instância a escola) os que “participam” da execução, como expressa a imagem a seguir:

IMAGEM 11 – Estrutura da gestão educacional pernambucana

Fonte: SEE-PE. Elaboração própria.

Como podemos observar a estrutura de separação entre concepção e execução do trabalho docente com o núcleo de gestão/formulação centralizada na Seplag reedita a mesma estrutura hierárquica e setorizada de gestão do Procentro, analisada no capítulo 4. Arquitetada sob os níveis político-estratégico [concepção], estratégico-educacional [intermediário] e educacional-operacional [execução], incorpora novos aspectos que a complexificam internamente e tornam sua estrutura mais robusta.

A função das gerências regionais, por exemplo, como unidades de gestão intermediárias entre a SEE/Seplag e as escolas em todo o estado, não era vista com bons olhos pelos setores empresariais que estavam à frente do Procentro, como observamos no trecho a seguir:

Outro elemento nocivo à gestão eficiente das escolas são as Gerências Regionais de Educação (GRE), visto que, via de regra, atendem a indicações políticas e transformam-se em centros de exercício de poder e tutela das escolas (MAGALHÃES, 2008, p. 8).

No Procentro, sob o modelo da gestão compartilhada, optou-se por canais de gestão e comunicação dos resultados mais diretos e estreitos entre gestão escolar e os gestores do nível político-estratégico. A comunidade, entendida como os clientes, e os empresários e instituições sociais que entravam como investidores do programa, também possuíam influências e acesso mais estreitos, principalmente, nas cobranças por resultados e produtividade do ensino. Essa ambiência de “prestação de contas”, acima de tudo com a sociedade e a comunidade externa, espelhava a tentativa de transformação das escolas que se tornaram CEEs em verdadeiras empresas e o ensino em “negócio” que buscava sempre a satisfação do cliente, como já vimos na seção 4.

Na nova divisão técnica da organização do trabalho pedagógico escolar posto pelo PPE, as relações de prestação de contas, desempenho e resultado ganha mais mediações do aparato institucional [gestão escolar, gerência regional, secretaria de educação, secretaria de planejamento e governo] que correspondem à nova concepção de Estado e governança do governo de Eduardo Campos.

Por outro lado, nessa nova estrutura foi possível avançar nas estratégias de monitoramento do desempenho dos professores(as) a partir da participação do Estado na compra de tecnologias de informação e comunicação, algo que no Procentro era realizado a partir de instrumentos artesanais e menos eficientes ao controle, como era o caso dos relatórios inteligentes examinados na quarta seção.

Isso também vale para os sistemas de comunicação e fluxo de informações entre o Estado e a escola acerca da rotina de trabalho docente, bem como os instrumentos de divulgação e publicização do desempenho da rede por escola e gerência regional. A imagem abaixo ilustra o conjunto de informações que podem ser divulgadas e acessadas a partir desses sistemas governamentais:

IMAGEM 12 – Mapa de desempenho escolar da GRE Vale do Capibaribe em 2011

Fonte: Pacto pela Educação (2011). Disponível em:

http://www.educacao.pe.gov.br/educar/upload/galeria/689/Site%20PPE%20-%20Banco%20Mundial.pdf Acesso em: 14 out. 2020

Como podemos observar na imagem, avançou-se na sofisticação e detalhamento das informações que permite mensurar, além dos resultados, padrões de evolução ou retrocessos durante o processo. Essa sistemática de monitoramento processual do desempenho a partir de indicadores também é outra novidade do PPE. É realizado através do Índice Pacto pela Educação – IPPE que é resultado da multiplicação de três fatores: 1) média das notas dos(as) alunos(as) [MA] em português e Matemática [0 a 10], 2) média do percentual de estudantes acima da média [AM], ou seja, acima de 6 nas disciplinas de Português e Matemática, 3) média do percentual de cumprimento dos conteúdos curriculares [CC] em português e matemática. O cálculo final é expresso pela fórmula: IPPE = MA x AM x CC. Como sua finalidade é acompanhar o processo em função das metas pactuadas, essa sistemática é realizada bimestralmente e semestralmente. No Procentro, os parâmetros de mensuração da qualidade do trabalho estavam presos ao desempenho dos alunos(as) nas avaliações externas, vestibulares, olímpiadas escolares, dentre outros [no máximo anualmente] e a instrumentos menos sofisticados, artesanais e informais de acompanhamento, como podemos observar no trecho abaixo:

Em todos os Centros, havia rotinas de trabalho claras para cada profissional, incluindo o gestor. As observações diárias nas salas e corredores, conversas com alunos, análise de exames e cadernos dos estudantes davam subsídios para as conversas informais e reuniões semanais de supervisão do gestor com seus coordenadores e professores (DIAS; GUEDES, 2010, p. 37).

Com isso, o monitoramento assumia muitos traços personalistas que colocavam às claras excessos de poder, autoritarismos e outras ingerências comuns no mundo empresarial.

O trecho abaixo ilustra esses traços:

O professor sabe que está sendo observado. Minha ‘pesquisa’ é feita de forma transparente, olhando no olho e dizendo a verdade, mas sem ferir (DIAS; GUEDES, 2010, p. 37).

Eu tive que chamá-lo, olhar no olho e dizer: ‘colega, não estou questionando a sua formação dentro da disciplina, mas a metodologia utilizada. Você tem que mudar a sua metodologia’ (DIAS; GUEDES, 2010, p. 38).

Se você não acompanhar e cobrar dos seus professores, quando perceber, acabou o ano e pouco foi feito. Tem que ter cuidado mesmo, chamar a atenção, ajudá-los quando eles não sabem o que fazer para melhorar (DIAS;

GUEDES, 2010, p. 37).

Como base no exame realizado acerca das formas de supervisão da execução, podemos concluir que o PPE e seus instrumentos de monitoramento via tecnologias digitais-moleculares aprimoram lacunas do Procentro em termos de controle da rotina de trabalho dos(as) professores(as), diminuindo os intervalos de tempo de trabalho não-monitorados pelo controle de qualidade [acompanhamento bimestral e semestral], sofisticando os sistemas de comunicação e circulação das informações da rotina de trabalho dos(as) professores(as) entre escola e supervisão e possibilitando uma supervisão sem supervisor aparente, isto é, despersonificada, quebrando velhos nexos personalistas e arbitrários da relação supervisão x execução e aumentando o clima de avaliação permanente.

Nesse espectro, o uso do termo “pacto” busca ideologicamente aliviar o caráter de vigilância e coerção inerente a estes sistemas e apresentá-lo como algo consensual, necessário, resultado de um acordo em que pese mais a “confiança”, gerada no pacto.

Essas características remetem ao ideário da delegação planejada [objeto de análise do capítulo 6], sendo esta uma insígnia ideológica extraída da Odebrecht e que se refere aos princípios que devem reger relações empresariais, tais como: confiança, parceria, comunicação, contrato, dentre outros chavões próprios da linguagem do mercado. Na prática, prevalecem, pelo contrário, as inúmeras pressões psicológicas e condicionamentos coercitivos provocados pela cultura de auditoria, responsabilização e intensa vigilância presentes nessa estrutura de gestão.

Fazendo um paralelo com o trabalho produtivo capitalista, principalmente a sua necessidade imanente de eliminação dos gestos improdutivos [que geram mais-valia ou não a valorizam], acreditamos que o pacto possa avançar na eliminação dos gestos, tarefas e tempo

gasto na rotina do trabalho docente com aquilo que não se relaciona com os indicadores e metas acordadas pelo pacto. Eliminar a “cera” na escola seria excluir as ações, pensamentos e comportamentos que não participam do processo de avaliação das metas. Para tanto, “[...]

atualmente, o PPE envolve um total de 768 escolas de todas as regiões do estado, monitoradas por meio de um sistema mensal de metas por Painel de Avaliação de Resultados estabelecido para todos os anos do Ensino Médio” (SOUZA, 2017, p. 62).