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1.2 Governação e regulação baseada em resultados

1.2.1 A avaliação como controlo e/ou promoção do mercado educacional

A avaliação está muitas das vezes associada a um ato de provação que associamos a ansiedades, receios, inseguranças e raramente a encaramos como uma atividade incluída no desenvolvimento dos atos de aprendizagem.

21 Consultar o documento, Ministério da Educação. 2002. Abandono e Insucesso Escolar (on line) disponível em: www.min-edu.pt. Também o Conselho Nacional de Educação

tem publicados diversos relatórios que dão conta desta realidade, o último foi sobre o Estado da Educação 2012 - Autonomia e Descentralização (on line) disponível em: www.cnedu.pt

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No entanto, e estranhamente, não reconhecemos esse ambiente agressivo quando avaliamos o outro e até chegamos a entender a avaliação como uma meta e não como parte de um processo complexo que é a aprendizagem.

Ao ignorar-se o ambiente artificial em que decorrem as provas de avaliação estandardizadas e ao atribuir-se a estas uma dimensão meta pedagógica e não de aferição de um processo, longo e inconstante; ao atribuir a este modelo uma centralidade na avaliação dos alunos, o Estado afasta-se dos pressupostos da avaliação formativa que defende como sendo mais justa.

Então, qual a dimensão atribuída, pelo Estado, à avaliação? Parece uma pergunta de resposta óbvia, mas não é assim tão evidente o motivo da avaliação. “O papel atribuído à avaliação num sistema de formação está forçosamente ligado às finalidades do próprio sistema.” (Allal, 1986, p 175). Estas finalidades nem sempre são claras e os discursos servem mais para camuflar práticas que as contrariam do que para as definir.

O pressuposto de partida será de avaliar para regular as características individuais de cada um para promover uma aprendizagem adaptada e única. No entanto, avalia-se para aferir da quantidade de conhecimentos que o processo de ensino produziu. Esquecendo, assim, a influência que a avaliação pode gerar no processo de aprendizagem, no qual se incluem avaliado e avaliador. Neste pressuposto fica, também, escondido o caráter seletivo da avaliação com base no produto.

Almerindo Afonso (2000, pp. 34-35) identifica algumas modalidades avaliativas de caráter predominantemente seletivo e caracteriza-as da seguinte forma. “Avaliação normativa” usa testes estandardizados para comparar as realizações entre indivíduos de um grupo, sendo assim predominantemente seletiva e competitiva. Os dados desta avaliação são frequentemente usados nos sistemas com o chamado “mercado educacional”. “Avaliação criterial” é usada para definir objetivos e medir o seu grau de consecução. Esta é também a que dá mais garantias de que são realizadas quer a transmissão quer a aprendizagem das chamadas competências mínimas necessárias ao mundo do trabalho e permite um maior controlo por parte de Estado.

Também Linda Allal (1986, p. 176-177) menciona que qualquer modalidade de avaliação visa a regulação, articulando as características das pessoas em formação ao sistema de formação. Apresenta-nos, então, as seguintes modalidades: prognóstica, para controlar o acesso ao patamar seguinte; sumativa, no final de um ciclo, muitas das vezes associada à função certificadora.

O teste estandardizado é o meio mais conhecido destas modalidades de avaliação, que foram surgindo na prática docente como um instrumento naturalizado de avaliação, sem que alguma vez se questionasse sobre a sua origem e as suas intenções, que “…transcenderam os valores educativos e derivaram para subtis, embora poderosos, instrumentos de exclusão e de marginalização” (Álvarez Méndez, 2001, p. 35). Tão fácil será selecionar para “formar uma elite” sem “educar um povo” (Stoer, 2008) que não cabe nestes preceitos, deturpando empiricamente todos os discursos de uma escola inclusiva. A simplificação da avaliação por teste estandardizado também contribui fortemente

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para a sua ampla aplicação e divulgação generalizadas, transformando os resultados em objetos comparáveis e publicáveis, como o solicitado na prestação de contas dos organismos centrais do estado para a educação, e mesmo organismos internacionais que estabelecem estudos comparativos com base em resultados de testes estandardizados.

Nos últimos anos temos assistido a uma forte intenção de implementar lógicas e mecanismos concorrenciais favoráveis ao desenvolvimento do mercado educativo. Para isso muito contribui a avaliação simplificada e estandardizada. Porém, “De exercício natural e espontâneo, a avaliação desnaturaliza-se, isto é, falseia-se, quando em contextos académicos.” (Álvarez Méndez, 2001, p. 48).

Com o simples objetivo de testar os conhecimentos acumulados cria-se um ambiente de tão grande tensão emocional que testar a resistência e resiliência dos indivíduos face a um obstáculo (cf. Alves, 2013, p. 156). No entanto, a avaliação estandardizada é aceite pelas comunidades educativas como um instrumento técnico de um apuramento tão rigoroso que os seus resultados não são contestados. São instrumentos centralizadores e simplistas da ação educativa que potenciam a comparação com outras escolas e/ou alunos, sem que partilhem o mesmo contexto/processo de aprendizagem. A avaliação que devia estar ao serviço de avaliador e avaliado, para que reflitam sobre as consequências dessa avaliação nas suas práticas, surge como instrumento de regulação externa, para adaptar a pessoa em formação ao sistema de formação e para fomentar o caráter competitivo entre os avaliados, implicando os avaliadores (cf. Allal, 1986 pp. 175-177).

Tem sido, por vezes, sugerida uma relação direta entre resultados da avaliação e os avaliadores, responsabilizando-se os professores e escolas pelos resultados. “Esta prática acaba, assim, por contribuir para a divulgação de uma associação entre conceitos que são diferenciados: se a prestação de contas pelos resultados obtidos pressupõe a avaliação, esta última não implica necessariamente a prestação de contas.” (Afonso, 2000, p. 44). Parece, então, verificar-se uma avaliação condicionada ao produto, a uma nota comparativa, e não às implicações que esta pode induzir nas práticas entre avaliador e avaliado.

Álvarez Méndez (2001, p. 133) refere que os testes foram criados para selecionar, classificar e excluir quando a escola era de minorias, algo que tem renascido, pois a centralidade da avaliação tem-se apresentado na aplicação dos testes estandardizados com vista a obtenção de uma nota. Estas “…notas vêm a ser o último artifício que evidenciam de um modo empobrecido tanta artificialidade.” (Álvarez Méndez, 2001, p. 49), mas, que são promotoras da competição entre estudantes no acesso ao ensino superior e que por vezes se verifica já no acesso ao ensino secundário22.

22 Sobre o efeito dos testes estandardizados (exames nacionais) ver o trabalho de ALVES, J. (2008). Os exames do ensino secundário como dispositivos de regulação das

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Sendo esta avaliação fomentadora de desigualdades, os alunos tentarão esconder os pontos fracos e não superá-los, pois sabem que quanto melhor for o resultado da sua avaliação, mais fácil acesso terão às vagas mais cobiçadas nas universidades. Também estes exames não parecem pretender aferir os conhecimentos dos alunos, de tão distantes que são estes testes das práticas educativas; pretendem sim, averiguar o que os alunos não sabem (cf. Alves, 2013. p.156).

As escolas são, assim, reféns da avaliação que aplicam, pois o seu prestígio e imagem estão em grande parte associados aos resultados dos seus alunos, que são expostos no famoso ranking das escolas secundárias, agora também das escolas do ensino básico com a publicação das classificações destas com base nos resultados dos alunos nos exames nacionais de 4º, 6º e 9º anos.

A avaliação usando métodos estandardizados tem favorecido o produto em detrimento do processo; isto não só condiciona a autonomia das escolas que veem a sua atividade mensurável e perscrutada com base em avaliações simplificadas ao cúmulo da artificialidade, como também implementa a ideologia de que o trabalho dos alunos pode ser entendido como produto mercantil. O aluno é premiado com uma nota final, mesmo que todo o processo de aprendizagem possa ser adulterado ao não ser levado em conta o ponto de partida de cada um, o nível socioeconómico, o acesso a explicações entre outros mecanismos. Senão, vejamos os resultados dos exames em Portugal que sucessivamente apresentam um país a duas velocidades. O interior e ilhas apresentam resultados abaixo do padrão nacional, enquanto que, as zonas dos centros urbanos estão entre aquelas com melhor média (cf. Alves, 2013, p. 156). No entanto, a intervenção nestas regiões limita-se àquilo que está consagrado para o resto do país, menos ainda se tivermos em atenção que aqueles que obtiverem melhores resultados terão acesso a mais recursos disponibilizados pelo ministério da educação e ciência.

Com o objetivo de avaliar a escola pública, inserem-se modelos de responsabilização da lógica de mercado e de controlo administrativo que convocam predominantemente avaliações quantitativas que, por mais redutoras que sejam, são centrais. Nada melhor para este modelo avaliativo que os testes objetivos ou estandardizados que facilitam a medição e comparação dos resultados académicos com a alocação de poucos recursos, em comparação com o pretende avaliar, logo pouco oneroso para os cofres do estado.

Na construção dos exames é relativamente fácil deparar-nos com a alusão a uma situação do quotidiano, no entanto, só será quotidiano para uma parte da população examinada, por exemplo disto temos as referências a visitas a museus ou outras atividades culturais. A própria linguagem nem sempre está confinada àquilo que é a usual em meio escolar; o uso de artigos jornalísticos será outro caso paradigmático. Assim, uma classe média de meio urbano poderá tirar vantagem das suas vivências na altura de ver os seus filhos em situação de exame.

Igualmente o examinador está inserido numa determinada classe social com valores que lhe são caraterísticos e, porque deles não os poderá abdicar, favorecer os alunos examinados pertencentes ao mesmo meio social, por com

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estes facilmente se identificar. A própria caligrafia do aluno, o momento em que o avaliador corrige as provas, a ordem porque as corrige, influenciam a nota final (cf. Alves, 2013, p. 162-163).

Mesmo que estes exames apresentem uma grande quantidade de dados que devamos olhar com atenção, ocorrem no final de um processo, sem que o contexto em que se desenvolve seja considerado. A impossibilidade de intervir durante o processo, com os dados da avaliação quantitativa já referida, leva as escolas a intervir no processo seguinte. Isto é, com base nos resultados obtidos no final de um determinado ano escolar, planeia-se o seguinte, mesmo quando se alteram os atores educativos ou os programas das disciplinas (cf. Afonso, 2000, pp. 43-49).

Eventualmente as escolas avançarão com aquilo que chamaremos de regulação prognóstica, utilizando modelos de seleção da população estudantil com o objetivo de atingirem melhores resultados nos exames nacionais e assim aparecerem melhor classificadas no ranking de escolas secundárias23, todos os anos publicados nos diferentes

meios de comunicação social.

As escolas tenderão, também, a incorporar nas suas metas educativas os resultados dos testes estandardizados, assim como os professores a alterarem as suas abordagens do currículo. “Dado o poder condicionador do exame, cede-se, por vezes, à tentação de fazer da prova o elemento que obriga a mudar as práticas.” (Alves, 2013, p. 158). Os conteúdos que consecutivamente não são avaliados nos exames tendem a não ser abordados, assim como tudo o que não é possível avaliar por meio de exame. Toda uma escola pensada nos valores de democratização do acesso à educação pode ruir por necessitar de fornecer mais e melhores recursos aos alunos com potencial académico para que a média dos exames suba, excluindo os restantes. Relegar alunos para cursos que não estão sujeitos a exames nacionais ou levá-los a abandonar a escola anulando a matrícula podem ser processos que necessitem da devida atenção quando o valor do produto supera os processos educativos.

Com demasiada facilidade encontraremos exames que

“Avaliam o que não foi ensinado. Sobrevalorizam determinados conteúdos e subvalorizam outros sem que isso seja coerente com o programa que serve de referência. Não tem em conta as condições de ensino (para não falar nas condições de aprendizagem, nem sequer dos contextos escolares e socioeconómicos).” (Alves, 2013, p. 163)

Podemos afirmar que os exames produzem efeitos de aprofundamento das desigualdades ao classificar os estudantes com notas que os impedem de aceder aos cursos de maior procura, sabendo-se que os alunos cujas famílias detêm maiores recursos estarão em melhor posição de obter as classificações mais elevadas. O efeito de uma nota “é mais determinante do que um julgamento (que admite vários recursos), do que um casamento (que pode desfazer-se).” (Alves, 2013, p. 164). A ideia de competência e mérito que está associada aos resultados dos exames, também poderá contribuir para a inibição de novas tentativas de sucesso, desviando os alunos para outros cursos menos disputados.

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Efetivamente os exames parecem ter um efeito pernicioso na construção do indivíduo sem que com ele sejam feitas avaliações de caráter pessoal ou social. As competências de solidariedade, cooperação, entreajuda, argumentação, criatividade, comunicação, entre tantas outras não são possíveis de quantificar ou avaliar sem que exista um envolvimento do avaliador em todo o processo de aprendizagem. E isso só se consegue com a avaliação efetuada pelos professores que se fundamentam numa observação longa e contínua. Conseguem considerar diversos fatores na sua avaliação e utilizar um maior número de informações recolhidas por diferentes métodos e instrumentos. E talvez a maior vantagem de todas, considera o ponto de partida e de chegada (cf. Alves, 2013, p. 164-165). No entanto, esta avaliação é encarada como algo de pessoal, subjetiva, em contraponto com a objetividade científica do exame.

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