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Nas sociedades modernas a família deixou de constituir a instituição onde têm lugar as aprendizagens necessárias aos indivíduos para assumir um papel social adaptado às novas funções sociais. Cabe à escola todo um processo de desenvolvimento das aprendizagens, e sua certificação, para que cada indivíduo seja capaz de desempenhar determinadas tarefas.

Mais recentemente, a par da escola, também os meios de comunicação social assumem um papel importante na divulgação e consolidação da reflexividade científica. São estes dois elementos que mais contribuem para quebrar as tradições arrancando em definitivo para uma reflexividade moderna assente na descontextualização e confiança nos sistemas periciais. São mesmo estes que nos induzem a uma determinada reflexividade, com o contributo especialmente dos media, pois são capazes de invocar temas a que não éramos sensíveis e passam a assumir grande centralidade no nosso pensamento.

A reflexividade científica é muitas das vezes apresentada como algo exato, inegável e absoluto. Para este modelo muito têm contribuído os avanços tecnológicos que permitem reduzir fenómenos e argumentos complexos e ideologias, a um gráfico simplificado com valores impossíveis de contradizer. Os números são apresentados como a justificação de si mesmos.

Na área da educação isto é principalmente conseguido também por meio da simplificação dos meios de regulação, baseada nos resultados. Os testes estandardizados são o instrumento predileto na busca destes valores absolutos que rapidamente são comparáveis. Os dados são de tal forma descontextualizados que um bom aluno num qualquer sistema de ensino parece ser capaz do mesmo em qualquer um dos outros e em quaisquer circunstâncias sociais, económicas e culturais.

Na verdade, esta simplificação dos processos de regulação através da avaliação por testes estandardizados não valoriza mais do que o produto independentemente do contexto. Este fenómeno valoriza um produto mais facilmente demonstrável para as classes sociais favorecidas, dado serem estas também são as mais despertas para estes fenómenos e com mais capacidade de investir em suplementos que reforcem a sua vantagem competitiva.

O principal investimento das famílias para manter ou adquirir vantagens competitivas é jogado no plano das escolhas de percursos académicos oferecidos pela escola e no mercado das explicações. A disputa num mercado concorrencial joga-se principalmente no acesso ao ensino superior, em que alguns cursos são de tal modo seletivos que só os alunos com resultados de excelência podem aspirar à sua frequência. O caso mais paradigmático deste acesso restrito é o curso de medicina que encerra em si um status social e económico como mais nenhum outro, isto,

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como nós o entendemos, pelo seu difícil acesso que prestigía o curso e pelo emprego garantido e respeitabilidade social da classe profissional dos médicos.

Outro fenómeno que terá contribuído para o aprofundamento do mercado das explicações e para alimentar a adesão e tolerância das escolas e professores, será o ranking das escolas secundárias e agora também das escolas básicas, seguindo a expansão dos exames para outros ciclos de ensino. Sendo reconhecida a influência das explicações nas notas de exame e a importância destas no acesso ao ensino superior e também para a imagem da escola, poderá ter colaborado na consolidação da procura das famílias pelo mercado das explicações e no “consentimento” ou, em certos casos, fomento da mesma por parte das escolas.

Na impossibilidade de garantir a formação de alunos de excelência, as escolas desenvolvem processos de captação dos “bons alunos” obrigando os outros a deslocarem-se para outras escolas. Estes processos só são possíveis quando a procura é superior à oferta, caso contrário as escolas desenvolvem processos de captação de alunos, independentemente do seu desempenho académico ou status social, para garantirem a manutenção dos seus recursos humanos e económicos. A procura de uma escola pode ser devido a muitos fatores que se manifestam numa regulação social e mercantil independente da regulação central.

Há fatores que podem ser controlados pela escola para potenciar a sua procura, horários das turmas, distribuição dos professores, entre outros, mas parece que a procura se deve mais a fatores externos que internos. O prestígio e qualidade da escola é algo que se manifesta mais naquilo que é a perceção dos encarregados de educação e os alunos sobre a escola do que nos resultados expressos nos exames nacionais ou rankings.

Ainda antes que a “livre escolha” tenha sido uma possibilidade formal, já as famílias adotavam processos para contrariar as cartas educativas, através da alteração das moradas de residência ou emprego ou da influência junto da escola para que fosse possível a matrícula, por exemplo, provocando uma maior procura de algumas escolas em detrimento de outras. No entanto, os defensores da “livre escolha” continuam a considerar que esta não só devolve a liberdade às famílias quanto às escolhas educativas como impele as escolas para a melhoria da resposta educativa. Algo que não se tem verificado, isto porque quando a procura de uma escola é grande, é a escola que desenvolve métodos de escolha dos alunos e não o oposto. As escolas com menor procura ficam sujeitas na maior parte dos casos a acolher os alunos com piores desempenhos académicos dificultando o seu trabalho e penhorando a possibilidade de atingir os mesmos resultados que as escolas das preferências das famílias.

Assim, a “livre escolha” parece mais um contributo para a perpetuidade da classe social de origem dos alunos do que para a mobilização das escolas na busca da qualidade educativa. A seleção do fluxo de alunos tende a criar escolas de excelência que não serão permeáveis às classes sociais mais desfavorecidas por daí não surgirem, habitualmente, os alunos com melhores resultados. Esta elitização das escolas só poderá contribuir para o incremento das desigualdades sociais aumentando o fosso entre os priveligiados e desfavorecidos.

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No capítulo seguinte iremos esclarecer o desenho da investigação que desenvolvemos. Foi nossa intenção explorar dados quantitativos e qualitativos, principalmente por considerarmos que estes se complementam na interpretação do campo de estudo. Se uma investigação quantitativa tem a capacidade de analisar uma quantidade de dados impensáveis com o uso de métodos qualitativos, estes dão-nos a possibilidade de interpretar além dos números ou padrões. Mas também consideramos que o uso destes dois métodos será importante na nossa formação inicial como investigadores, pois permite-nos adquirir conhecimentos e experiências sobre estes, de modo a formarmos uma opinião sobre os mesmos quanto às suas valências e aplicabilidades.

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2. Enquadramento metodológico

2.1. O quadro de referência teórico-metodológico da pesquisa: um estudo qualitativo-

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