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O fenómeno das explicações para aquisição de vantagens competitivas no acesso ao ensino

1.3 As lógicas de ação como enquadramento analítico da liberdade de escolha

1.3.2 O fenómeno das explicações para aquisição de vantagens competitivas no acesso ao ensino

O fenómeno das explicações tem merecido a atenção de diversos investigadores e nos mais dissemelhantes países, não se restringindo este fenómeno a um mercado europeu ou ocidentalizado, mas passando por locais tão distantes como sejam Cambodja, Egipto, Sri Lanka ou Azerbaijão29.

As manifestações deste mercado podem ser mais ou menos ocultas30, essencialmente devido à regulação que

cada país exerce sobre a atividade das explicações. Podemos encontrar países que ignoram a atividade, outros que a proíbem e mesmo os que a tentam controlar e cativar para se aliar esta ao sistema formal promovendo a melhoria de resultados (cf. Antunes & Sá, 2010, p. 167). De entre os países que proíbem as explicações podemos encontrar o Egipto, mas não que isto impeça a sua existência31, simplesmente condiciona e empurra estas para um sistema na

sombra32 ainda mais ao alcance das famílias com capacidade económica ou cultural sem que depois o sistema de

ensino formal possa estar alerta para este fenómeno ilegítimo.

Em Portugal a regulação desta atividade só tem como preocupação a atividade docente e não a vantagem que os explicandos podem retirar da frequência das explicações. Exige-se um conjunto de requisitos para que um professor que exerça a sua atividade docente no sistema formal possa acumular com a atividade de explicador33. No entanto, por

muito que o sistema formal possa ser condicionado por este mercado das explicações, estas são cada vez mais um sistema na sombra de importância e influência crescentes, que não parece ser sensível às condicionantes provocadas, pelo menos pelas entidades públicas. As organizações políticas não se têm manifestado quanto ao mercado das explicações, podemos mesmo concordar com Almerindo Afonso (cf. 2008, p. 28) quando afirma que “enquanto conjunto de órgãos com funções político-administrativas, coercivas e ideológicas, o Estado tem continuado a assumir-se

29 Jorge Adelino Costa, António Neto-Mendes & Alexandre Ventura, docentes da Universidade de Aveiro têm estudado o mercado das explicações desde o ano 2000. Desses

estudos resultou a seguinte obra: COSTA, J.; NETO-MENDES, A. & VENTURA, A. (2008), Xplika: investigação sobre o mercado das explicações. Aveiro: Universidade de Aveiro, que é o reflexo do trabalho desenvolvido entre 2005 e 2008. Também, dos mesmos autores, resultou de um estudo comparado, de 2010 a 2013, a seguinte publicação: COSTA, J.; NETO-MENDES, A. & VENTURA, A. (2013), Xplika: panorâmica sobre o mercado das explicações. Aveiro: Universidade de Aveiro.

30 Ver a este respeito as diferentes formas de exercício das atividades das explicações em Costa, Neto-Mendes & Ventura, 2008, p. 37.

31 Mark Bray (2008, p. 17) segundo fonte do World Bank, “As famílias com recursos suficientes investem nas explicações para ajudar as suas crianças a passar no exame

preparatório e a seguir para as escolas secundárias gerais. Estas famílias assumem encargos iniciais, mas são beneficiadas mais tarde através dos subsídios atribuídos às universidades públicas e através de melhores salários dos seus filhos ao longo da vida. Assim que os filhos destas famílias chegam à universidade, não necessitam mais de explicações. Na verdade, nessa fase eles próprios podem tornar-se explicadores.”, mantendo-se a ciclicidade da atividade.

32 Expressão usada por Mark Bray (2008, p. 11) que o caracteriza assim: “Em primeiro lugar, este sistema só existe porque o sistema formal de ensino existe. Em segundo lugar,

este sistema imita o sistema formal: à medida que o sistema formal muda em tamanho e orientação, também o sistema na sombra muda. Em terceiro lugar, em quase todos os países é dada muita mais atenção ao sistema formal do que à sua sombra; em quarto lugar, as características do sistema na sombra são muito menos distintas do que as do sistema formal.”

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como forte quando aumenta ou sofistica os seus poderes; mas, ao mesmo tempo e noutras circunstâncias, torna-se ‘voluntariamente’ fraco quando pretende ‘reduzir-se’ e deixar espaço ao próprio mercado (ou à sociedade civil), que esse mesmo Estado regula desregulando.”

A implementação de exames nacionais como condição de acesso ao ensino superior tem mobilizado recursos das famílias para que os jovens possam fazer frente a esta etapa seletiva, jogar as cartas mais altas que possam manifestar uma clara vantagem. As explicações são neste contexto a compensação da “(…) pedagogia barata adotada pelo sistema de ensino, cujas sequência, ritmagem e seleção de conhecimentos, competências e atividades de transmissão/aquisição convocam expressamente o contributo dos recursos diferenciadores mobilizáveis pelas famílias” (Antunes & Sá, 2010, p.190), podemos então verificar que as famílias assumem um papel ativo na mobilização de recursos para sustentar os desempenhos apresentados no final do ensino secundário. Assim, aquilo que é o trabalho pedagógico desenvolvido ao longo de todo o percurso académico dos alunos fica reduzido ao ciclo secundário e aos resultados dos testes estandardizados nacionais; esta “(…) relativa desarticulação entre pedagogia e avaliação é aqui o nó que permite a mobilização de recursos privados e externos ao sistema de ensino e o reconhecimento e certificação, por parte daquele, de desempenhos cujo processo de formação tem lugar para além e apesar das condições institucionais que propicia esse fim” (Antunes & Sá, 2010, p.190).

Então, o espaço de intervenção das explicações surge em estreita ligação com as políticas educativas e com o modelo da avaliação implementado. As implicações que este mercado fomenta podem ter repercussões sociais naquilo que são os valores democráticos de uma sociedade, neste caso específico no acesso ao sucesso escolar das classes sociais mais vulneráveis. Também, como atividade somente sujeita à regulação do mercado, as desigualdades entre os meios urbanos e rurais e a capacidade de compra de explicações ao melhor prestador do serviço aprofundam as desigualdades geográficas e sociais no acesso a este recurso (cf. Neto-Mendes, Martins, Ventura & Costa, 2013, p. 30- 32).

Poderemos então considerar que, num certo sentido, o sistema na sombra surge como reforço ou complemento que colmataria as carências do sistema formal. No entanto, a influência que este exerce sobre a atividade docente não é tão linear nem necessariamente benéfica; se por um lado as classificações dos exames são naturalmente mais elevadas nos alunos que frequentam as explicações, por outro dificultam o trabalho do professor que tem turmas mais heterogéneas por nem todos os alunos frequentarem as explicações e pressionam estes a adaptarem-se à nova realidade. Antunes & Sá (2010, p.164) mencionam ainda que pode “(…) a influência das explicações sobre a escola e os professores materializar-se através de ‘pressão’ que os pais exercem sobre professores, seja contestando a dificuldade do teste, seja reclamando quanto a potenciais desfasamentos no cumprimento do programa”. Também Mark Bray (2008, p. 18) refere que o sistema na sombra provoca grandes desajustamentos no sistema formal: citando Silova e Kazimzade, no Azerbeijão, motiva as faltas à escola e cansaço dos

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alunos e professores; citando Nanayakkara e Ranaweera, no Sri Lanka, motiva o desinteresse pelas aulas e comportamentos negativos dos alunos. Estes desajustamentos provocam a deterioração do ensino formal, logo a necessidade de recurso às explicações aumenta.

De facto a principal motivação para a frequência das explicações prende-se com a procura de melhores resultados académicos e a consequente permanência no sistema. Esta necessidade verifica-se devido a fatores exógenos como sejam: ambientes sociais que promovam a competição para o sucesso académico, ou quando os valores de trabalho e esforço não são bem incorporados, podem também estar relacionados com a falta de disponibilidade da família para acompanhar os seus filhos, a falta de autonomia dos alunos pode ser outro fator e por último o marketing que promove o mercado das explicações pode também motivar as famílias a adotar esta estratégia (cf. Ventura, Costa, Neto-Mendes & Azevedo, 2008, p. 121). A estes fatores podemos associar fatores endógenos aos alunos: atingir as médias que lhes permitam ter acesso ao curso pretendido, ter medo de não conseguir atingir o sucesso sozinhos e o facto de já ter tido insucesso na disciplina. Ainda surgem também razões como sejam a falta de competência do professor ou o elevado número de alunos por turma, mas estes com muito menos relevância que os anteriores (cf. Costa, Neto-Mendes & Ventura, 2008, p. 151).

Destas razões que levam as famílias à procura de explicações podemos encontrar os “explicandos-meta-dez” que tiveram dificuldades na disciplina e pretendem superar essas dificuldades através das explicações e os “explicandos-meta-vinte” que sendo alunos que obtêm altas classificações pretendem atingir os resultados mais elevados possíveis (cf. Costa, Neto-Mendes & Ventura, 2008, p. 151).

Na verdade, são “Os exames que alimentam, assim, a procura de explicações com o objetivo de garantir os melhores resultados pois a estes está associado um elevado potencial de seletividade e de competição por um lugar que é um bem escasso” (Neto-Mendes, Costa, Ventura & Azevedo, 2008, p. 166) e que os alunos estão bastante conscientes das suas consequências, sendo por isso eles a tomar a iniciativa de solicitar as explicações; no entanto, a própria família também induz os seus filhos a beneficiarem desta estratégia (cf. Antunes & Sá, 2010, p. 178). Esta prática induzida pela família está assente no capital de confiança que esta tem para com as explicações34 e assim

investirem valores entre os 75 e os 125 euros por mês, que claramente não estão ao alcance de todas, se a este valor juntarmos as propinas de uma escola privada, pois “(…) as percentagens de alunos das escolas públicas e das escolas privadas que demandam explicações são equivalentes” (Ventura, Costa, Neto-Mendes & Azevedo, 2008, p. 141). Constata-se que o ensino formal, mesmo que privado, não oferece a vantagem concorrencial que garanta o acesso à universidade, ou pelo menos os alunos e famílias assim não o pensam.

O sistema formal surge como legitimador do sistema na sombra, e

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“(…) os princípios da educação democrática e inclusiva, pautada por critérios de equidade e de qualidade para todos, são postos em causa, funcionando as instituições escolares, para muitos destes alunos, como agências de legitimação e de certificação de conhecimentos obtidos ‘à sua margem’, num verdadeiro sistema paralelo que são as explicações” (Costa, Neto-Mendes & Ventura, 2008, p.159).

Não assistimos assim a uma competição, mas a uma complementaridade entre os dois sistemas. O que torna o efeito das explicações ainda mais danoso para as classes sociais com menores recursos, pois associa-se os seus resultados “menos bons” à ausência de trabalho e interesse pela escola. Esta é também uma estratégia adotada pelo mercado das explicações, especialmente as empresas, que publicitam a oferta de um complemento ao ensino formal (cf. Neto-Mendes, Martins, Ventura & Costa, 2013, p. 57). Não o substituindo e passando a ideia que a escola permanece como a instituição detentora da capacidade de fomentar nos alunos as competências necessárias para o acesso aos mais diferenciados percursos educativos, incute ainda mais a ideologia meritocrática de que só os incapazes é que não progridem neste sistema, desviando-os para percursos alternativos.

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