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A origem geográfica como retrato dos recursos socioeconómicos das famílias

Quando um aluno chega ao ensino secundário, já traz consigo um conjunto de experiências escolares e percursos que podem de alguma forma condicionar o sucesso, ou pelo menos, delimitar o percurso a seguir. A escolha de um curso no ensino secundário, presumivelmente, decorre daquilo que foram as vivências anteriores e as apetências que aquelas suscitem. Assim, optamos por inquirir qual a escola básica de origem. Devido ao grande número de respostas diversas, tivemos que criar uma variável compósita com quatro grandes grupos: ‘escolas públicas urbanas’110, escolas ‘públicas de periferia urbana’111, ‘escolas públicas de vila’112 e ‘escolas privadas’.113 A opção de

agrupar as escolas nestas categorias foi também sugerida por informação recolhida através das entrevistas, em que a professora da equipa de constituição de turmas afirma que de acordo com a escola de origem, os alunos apresentam

109 Para fazermos uma caraterização socioeconómica das famílias, com uma leitura adequada, que responderam ao questionário tivemos que reagrupar algumas variáveis em

variáveis compósitas, como explicamos anteriormente, pois a grande dispersão de respostas numa amostra desta dimensão não permitia o tratamento estatístico a que nos propusemos.

110 Estas escolas estão localizadas na mesma cidade onde se encontra a escola secundária do estudo ou em outras cidades sedes de concelho. 111 As escolas públicas de periferia urbana são por nós consideradas as que estão localizadas na periferia das cidades.

112 Consideramos que as escolas públicas de vilas são aquelas que estão localizadas em vilas, e que apresentam um tecido industrial considerável e alguns serviços.

113 Aqui incluímos as escolas privadas, privadas com contratos de associação, privadas cooperativas e escolas profissionais. Estas escolas estão situadas maioritariamente em

meio urbano, somente duas em meio de periferia urbana, mas devido ao pequeno número em que se apresentam decidimos manter um só grupo independentemente da sua localização. E também, porque o facto de estar localizada em meio urbano ou de periferia urbana não é tão significativo como se alguma das escolas se localizasse em meio rural, como poderemos constatar nos quadros apresentados.

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resultados escolares diferenciados, destacando-se pela positiva aqueles que provêm de escolas de meio urbano. A professora esclareceu-nos que privilegiam a continuidade do grupo turma da escola básica de origem, mesmo porque os alunos preferem continuar com os colegas que já conhecem da anterior escola. Este método é também considerado como benéfico para a integração dos alunos na nova escola. Assim:

Mas, por exemplo, há escolas mais afastadas em que só veio meia dúzia, meia dúzia, e tentamos juntar – e também temos cuidado ao juntar as escolas, temos de ter cuidado em ver que tipo de escolas é que vamos juntar. Porque se revela depois também muito complicado, por exemplo, uma escola aqui do centro, juntar com uma escola mais afastada, não é (?!), de um meio mais rural, digamos assim, há choque, há choque. E o que é que vai acontecer?! Esses miúdos mais afastados, eles vão começar a ter... vão-se começar a distinguir dos outros que vêm de um meio mais urbano. (E1, 7)

A integração dos alunos é de tal forma considerada como o fator mais relevante para a constituição das turmas, que se estabelece como prioritário a proximidade cultural dos alunos da turma. No entanto, a professora também foi considerando que os alunos das escolas de meio urbano teriam melhor desempenho académico em comparação com os das ‘escolas de vila’. Quando questionada diretamente quanto a este assunto, afirma que:

A maior parte das vezes têm. Porquê?! Porque têm outras condições económicas, não é?! Porque têm pais que também têm uma formação académica, porque têm pais que têm algum poder económico para os colocar em explicações, não é?! Apesar da escola oferecer aulas de apoio e ter todo o cuidado em que esse apoio seja dado a qualquer aluno, eles muitas vezes optam por apoios exteriores à escola. E os miúdos que vêm dos meios mais rurais não têm essa possibilidade. Portanto, naturalmente eles acabam por se afastar, não é?! (E1, 7)

De facto já outros estudos referem estas desigualdades, mas normalmente são consideradas cidades de grandes dimensões e não tão pequenas como o caso desta, onde se localiza a escola por nós analisada. Marie Duru- Bellat e Agnès Van Zanten (1999, p. 38) referem que: “L’habitat: les petits Parisiens accèdent à une 6e beaucoup plus souvent que les enfants des zones rurales.”

Também Coleman, citado por Ana Matias Diogo (2008, p. 85), publicou em 1996 um estudo que concluía que o efeito escola era minorado pela origem social do aluno. Os resultados variavam mais dentro da mesma escola do que entre escolas diferentes, devido ao fator já avançado. Após várias críticas houve a necessidade de outros investigadores aprofundarem esta temática. Mas, o mesmo autor mostra que a composição social da escola é a variável com mais relevância explicativa, inclusive porque nas escolas com uma população favorecida impulsiona os alunos desfavorecidos para melhores resultados (cf. Diogo, 2008, pp. 87-88).

Assim, Coussin, segundo Ana Matias Diogo (2008, p. 86), “constata a presença de um efeito estabelecimento, na medida em que existem estabelecimentos com um recrutamento social semelhante mas com resultados diferentes, ou seja, existem estabelecimentos próximos do ponto de vista da sua população, mas uns são mais seletivos e outros menos seletivos.” Isto não contraria as afirmações anteriores, pois reafirma as desigualdades de oportunidades. No entanto, nos estabelecimentos de ensino onde os atores se mobilizam por objetivos comuns, beneficiam com mais oportunidades os alunos das classes mais desfavorecidas, desde que não tenham um mau aproveitamento. A escola é

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uma organização que age num nível meso, em comparação com o sistema educativo, macro, ou a sala de aula, micro, mas com uma identidade que lhe permite uma ação distinta (cf. Diogo, 2008, pp. 86-87).

Este efeito estabelecimento será maior quando o mercado permite a seleção de alunos, o que não se verificará nas escolas por nós consideradas de ‘vila’, o que ainda mais aprofundará as discrepâncias destas com as restantes escolas básicas. Convém ainda referir que há uma certa concordância de que “a investigação demonstra que a classe114 e o professor parecem ser mais influentes do que a organização escolar em si.” (Diogo, 2008, p. 87).

Quando agrupámos os alunos quanto à proveniência das escolas básicas obtivemos os seguintes resultados.

Quadro 8- Escola básica de origem.

Frequência % % Válida % Acumulada

Válidos ‘Pública urbana’ 109 43,6 46,8 46.8 ‘Pública periférica’ 55 22,0 23,6 70.4 ‘Pública de vila’ 58 23,2 24,9 95,3 ‘Privada’ 11 4,4 4,7 100,0 Total 233 93,2 100,0

Em falta Não responde 17 6,8

Total 250 100,0

Podemos verificar que quase metade dos alunos é proveniente das escolas de meio urbano e 70.4% de meio urbano e periferia urbana, o que configura esta escola como servindo essencialmente uma população da cidade onde se localiza e a sua periferia. Isto, atendendo ao facto de que a maioria dos alunos efetua deslocações inferiores a 9km, como comprovamos nos dados já apresentados, e são na sua grande maioria provenientes do ‘Concelho Cidade’.

Quando cruzamos a escola básica de origem com a escolaridade da família encontramos, então, uma possível explicação para os melhores resultados dos alunos provenientes de ‘escolas públicas urbanas’. Para o cruzamento destes dados foram considerados 230 casos válidos.

Quadro 9- Escola básica de origem * Escolaridade da família

Escolaridade da família Total

Ensino Básico Ensino Secundário e Superior

Escola básica de origem

‘Pública periférica’ 31 24 55 56,4% 43,6% 100,0% ‘Pública urbana’ 46 61 107 43,0% 57,0% 100,0% ‘Pública de vila’ 48 10 58 82,8% 17,2% 100,0% ‘Privada’ 4 6 10 40,0% 60,0% 100,0% Total 129 101 230 56,1% 43,9% 100,0%

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Quadro 9.1- Teste Qui-Quadrado

Value Df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 25,256a 3 ,000

Likelihood Ratio 27,069 3 ,000

Linear-by-Linear Association 3,927 1 ,048

N of Valid Cases 230

a. 1 cells (12,5%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 4,39.

Há uma associação significativa entre a escola básica de origem frequentada pelos estudantes e a escolaridade da família, X²(1) = 25,256, p = .000. Para os inquiridos provenientes das escolas ‘privadas’115 e ‘públicas urbanas’, as

famílias que concluíram até ao ensino básico representam 40% e 43%, respetivamente, subindo nas escolas de ‘periferia urbana’ para 53,4% e atingindo o valor mais alto nas escolas de ‘vila’, 82,8%.

Aqui verificamos que os alunos provenientes de escolas básicas ‘públicas urbanas’ e escolas ‘privadas’ são também aqueles cujas famílias apresentam uma escolaridade mais elevada. Ao passo que, nas escolas de ‘periferia urbana’ ocorre uma inversão dos valores em relação às anteriores, nas de ‘vila’ é bastante claro que a maioria das famílias, 82,8%, não possui escolaridade superior ao ensino básico. Este pode ser um fator associado a um maior sucesso escolar dos alunos provenientes das primeiras escolas do que daqueles que frequentaram as outras duas categorias de escolas.

Quando cruzamos as variáveis escola básica de origem e segmento profissional da família, agora com 222 casos válidos, confirmamos a situação desfavorável dos alunos provenientes de escolas de ‘vila’, onde predominam as famílias com profissões dos segmentos de nível mais baixo.

Quadro 10- Escola básica de origem * Segmento profissional da família

Segmento profissional da família Total 2 trabalhadores nas

profissões dos grupos 5,6,7,8 e 9

Pelo menos 1 trabalhador nas profissões dos grupos

0,1,2,3 e 4

Escola básica de origem

‘Pública periférica’ 29 22 51 56,9% 43,1% 100,0% ‘Pública urbana’ 48 57 105 45,7% 54,3% 100,0% ‘Pública Vila’ 43 13 56 76,8% 23,2% 100,0% ‘Privada’ 4 6 10 40,0% 60,0% 100,0% Total 124 98 222 55,9% 44,1% 100,0%

115 O número de ocorrências das escolas privadas é muito baixo; não deixamos de o levar em consideração, mas tentaremos ter sempre presente este facto durante as nossas

análises. O valor apresentado é, também, pouco relevante porque aqui estão representadas diversas escolas diferenciadas quanto à sua gestão e mesmo finalidades educativas, bem como com localizações geográficas diferentes.

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Quadro 10.1- Teste Qui-Quadrado

Value Df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 15,369a 3 ,002

Likelihood Ratio 16,032 3 ,001

Linear-by-Linear Association 1,808 1 ,179

N of Valid Cases 222

a. 1 cells (12,5%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 4,41.

Há uma associação significativa entre a escola básica de origem e o segmento profissional da família, X²(1) = 15,369, p = .002. Nas escolas ‘privadas’ e ‘públicas urbanas’ as famílias dos segmentos profissionais mais baixos representam 40% e 45,7%, respetivamente, subindo nas escolas de ‘periferia urbana’ para 56,9% e atingindo o valor mais alto nas escolas de ‘vila’, 76,8%.

Neste quadro encontramos as mesmas correspondências, como seria expectável, que no quadro anterior em que se cruza a escola básica de origem com a escolaridade das famílias. Podemos então afirmar que, os alunos oriundos das escolas ‘privadas’ e ‘públicas urbanas’ beneficiam de melhores condições famíliares socioeconómicas, notando-se uma ligeira diminuição dessa capacidade quanto às famílias dos alunos provenientes das escolas de ‘periferia urbana’. Esta perda de capacidade é então muito evidente nos alunos das escolas básicas de ‘vila’.

A relevância destes dados é acrescida pelo facto de que “…dans une région où, du fait du poids des enfants de cadres, le niveau d’aspiration des jeunes est en moyenne élevé, c’est toute l’image du parcours scolaire «normal» qui s’en trouve affectée, «tirant» vers le haut les projets des enfants des groupes sociaux en général moins ambitieux.” (Duru-Bellat & Van Zanten, 1999, p. 124). Assim, os alunos provenientes das escolas básicas de ‘vila’ serão porventura penalizadas pela falta de recursos das suas famílias e também porque a escola em que estão integrados não apresenta a mesma dinâmica que uma ‘escola urbana’. Não raro, aponta-se para um nível de exigência de acordo com a população que a escola acolhe.

A falta de ambição que uma escola possa apresentar é ainda mais penalizadora para os alunos mais desfavorecidos, pois não podem aceder aos mesmos recursos que os alunos de famílias mais escolarizadas ou com mais recursos económicos. Neste sentido, também, Marie Duru-Bellat e Agnès Van Zanten (1999, p. 124), afirmam que “Les écarts géographiques de scolarisation seraient donc plus forts pour les enfants d’ouvriers que pour les enfants de cadres.” Mesmo quando sabemos que as autoras se referem a comparações entre a população parisiense e a França rural, não deixa de ter sentido, com as devidas reservas, a comparação com o nosso estudo devido aos dados apresentados.

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