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1.5 A regulação social e mercantil e a predominância sobre a regulação central

1.5.2 Mobilização das escolas na seleção do fluxo de alunos

As escolas, a nível europeu, têm manifestado grande preocupação quanto ao controlo que podem exercer sobre o fluxo de alunos em que a competição entre escolas é manifestada na captação de alunos. Esta captação pode ocorrer por duas necessidades distintas, uma porque a escola necessita de um determinado número de alunos para garantir a permanência dos seus quadros de professores e funcionários e outra com o objectivo de captar os alunos com melhores resultados66, esta segunda é a mais frequentemente observada, mesmo num quadro de perda de alunos

a que temos assistido a nível europeu (cf. van Zanten, 2006, p. 195-196).

Embora a concorrência entre escolas que partilhem um território de influência relativamente próximo, ou mesmo sobreposto, seja natural, nem sempre existe a intenção de desenvolver estratégias competitivas. No entanto, a influência da ação de umas escolas sobre o funcionamento das outras é uma consequência comum, por isso, Agnès van Zanten apelando a essa situação refere que:

“A variedade de contextos em que se exerce a regulação de tipo mercado conduziu a que substituíssemos esse conceito pelo de interdependência competitiva67, mais frequentemente utilizado no âmbito da sociologia das organizações. Esta substituição pressupõe que

as escolas, tal como outras organizações, são afectadas não só por directivas nacionais ou locais ou pelos seus processos internos (…)” (van Zanten, 2006, p. 194), mas também pelas acções das outras escolas, como já referimos.

Agnès van Zanten chega mesmo a fazer uma distinção entre estratégia e lógica de ação no sentido em que a primeira pressupõe a intenção racional das acções num determinado contexto, enquanto que a segunda não

66 Esta captação deve-se a que “(…) para as próprias escolas, o desenvolvimento de estratégias relacionadas com o recrutamento social da sua população é de vital importância,

pelas implicações que têm em termos de diferenciação e segregação entre escolas.” (Diogo, 2008, p. 90).

67 “Contudo, nem todas as interdependências são de natureza competitiva, podendo suceder que várias escolas se agrupem no sentido de desenvolver um trabalho conjunto com

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subentende que os atores escolares estejam conscientes dos efeitos das suas escolhas, não agindo por ação da causa- efeito, custo-benefício, mas sim por valores, assumindo-se uma postura mais axiológica que técnica (cf. van Zanten, 2006, p. 196).

A interdependência competitiva é reforçada pela liberdade de escolha da escola a frequentar que tem implícita uma nova configuração de regulação, mesmo em Portugal em que esta liberdade esteve condicionada à carta escolar houve sempre a manifestação deste fenómeno. Apesar disso, podemos constatar que os “(…) mecanismos de regulação institucional existentes, que supostamente garantem a igualdade e equidade no acesso ao serviço público de educação, tornou-se possível identificar diferenças entre escolas nos seus graus de atractividade, o que deixa transparecer uma certa ‘hierarquia’ nas posições relativas que estas ocupam no território.” (Barroso & Viseu, 2006, p. 149). Aqui os mecanismos encontrados para contornar os normativos está fortemente associado às “lógicas de mercado”. Quando a procura é superior à oferta, surgem diversas estratégias de seleção, como sendo a preferência pelos alunos mais novos, deslocando os alunos mais velhos, e habitualmente com piores resultados devido a eventuais retenções, para outras escolas. É comum estas escolas situarem-se nos centros das cidades e próximas de bairros com grande potencial social e cultural, fazendo então questão de não acolher alunos que se situam fora do seu raio de ação pois sabem que este é privilegiado. No limite esta seleção chega a ser feita pelos resultados escolares anteriores, garantindo-se os melhores. Em contraponto, se a procura é inferior à oferta, os critérios são permeáveis, admitindo-se alunos que estariam fora da sua zona de ação (cf. Barroso & Viseu, 2006, p. 149).

Estas dinâmicas têm alterado a regulação institucional, ou central, por uma “regulação pela oferta” e uma “regulação pela procura” (Barroso & Viseu, 2006, p. 149), mas a concepção vertical do sistema de ensino tem entrado em ruptura, aumentando a influência das dinâmicas locais e dos agentes, “(…) significa ainda o abandono de uma visão simplista das lógicas de mercado, em torno das interacções oferta-procura, que não leva em conta que a adaptação aos clientes é sempre mediada pelos comportamentos dos que são envolvidos na competição.” Esta ruptura de um sistema vertical, normativo, burocrático central de ensino pode dever-se ao “(…) resultado não intencional de uma multirregulação ineficiente ou da falta de controlo.” (van Zanten, 2006, p. 197). Nesta linha de ação, têm surgido estratégias de promoção de escolas e cursos, algo que ainda é muito reduzido, mas que tem ganho alguma expressão nos últimos anos, a este facto não será alheia a publicação anual dos rankings das escolas secundárias (cf. Barroso & Viseu, 2006, p. 149-150).

João Barroso e Sofia Viseu (2006, p. 150-156) apresentam diferentes lógicas de ação para influenciar a disputa das escolas num determinado território educativo. As primeiras serão as “lógicas de ação externas” que se manifestam nas apelidadas “reuniões de rede” em que as escolas negoceiam, com as direcções regionais ou de coordenação educativa e as autarquias, a flexibilidade de normas e a oferta educativa fechando uns cursos em deterimento do reforço de outros, no relacionamento com outras escolas assiste-se a uma promoção das escolas nas

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de ciclos de ensino antecedentes, os melhoramentos de instalações para promover a imagem de atractividade e por último uma efectiva promoção da escola através da sua imagem pública que a direcção da escola nem sempre consegue controlar. As segundas são as “lógicas de ação internas” referenciadas como “controlo dos professores sobre os orgãos de gestão”, a participação dos pais na resolução de problemas entre alguns professores e os alunos, a realização de atividades extracurriculares como melhoramento do serviço educativo e por último a organização das turmas quanto ao horário que lhes é atribuido e mesmo quanto ao horário que é distribuido aos professores com mais experiência e que corresponde com determinadas turmas.

Estas lógicas de ação, como refere Agnès van Zanten (2006, p. 197-198), implicam um determinado grau de consenso, entre os atores escolares, para que possam manifestar-se umas em deterimento de outras produzindo assim relações de interdependência competitiva diferentes. A mesma autora menciona que uma lógica de ação implica alguma coerência entre aquilo a que chama de “domínios de ação”. É comum assistir-se à preponderância de uns domínios sobre outros, o que se pode dever a uma questão de cultura da escola, ações de influência externa (pais, rankings, outras escolas) ou mesmo por ação de um agente privilegiado, como seja o director da escola.

Assim, à semelhança das lógicas de ação propostas por João Barroso e Sofia Viseu (2006), também Agnès van Zanten (2006, p. 198-204) apresenta os domínios orientados para um ambiente externo e os domínios orientados para processos internos. Os domínios externos são: “Recrutamento” de alunos que são o recurso mais importante da escola, mas que vê a capacidade de captação condicionada aos normativos; a “Oferta de opções curriculares” para poderem tornar-se mais atrativas, mesmo havendo um grande controlo pelas autoridades centrais e locais e a “Promoção”, este domínio esta fortemente ligado aos anteriores, mesmo quando não se verifica a liberdade de escolha da escola a publicidade surge como convite a que os alunos e famílias solicitem a alteração de normas ou recorram até ao seu incumprimento. Quanto aos domínios internos apresenta-nos: a “Distribuição dos alunos pelas turmas” que se caracteriza por uma grande complexidade, desde os horários distribuídos a professores e alunos, até a idealizações de turmas (homogéneas ou heterogéneas) e que é muito frequente quando a escola pretende ser atrativa para as famílias; o “Apoio a alunos com necessidades educativas especiais” pode ser encarado como fator de vantagem competitiva para cativar algumas famílias que assim veem uma necessidade satisfeita, quando estes alunos integram turmas especiais e também para a escola captar recursos que depois são distribuídos a todos os alunos, pode também acontecer a recusa de alguns destes alunos para que a escola não projete a imagem de “escola problemática” e por último o domínio dos “Problemas disciplinares” que muito condiciona a imagem da escola junto do ambiente local, mas que é influenciado por comportamentos dos alunos e concepções de disciplina dos professores, este domínio é determinante quando os pais podem escolher a escola.

As relações de interdependência competitiva têm moldado a forma de percepcionar a escola pelos diferentes atores educativos, por ventura os directores das escolas serão os melhores informados quanto à imagem que a sua

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escola apresenta em comparação com as outras e serão os que mais se preocupam em melhorar ou conservar essa imagem, por sua vez os professores serão aqueles que mais se preocupam com o funcionamento interno da escola e os pais e encarregados de educação que serão os actores educativos que mais variação apresentam, os pais de classes sociais médias ou altas estão mais conscientes das interrelações competitivas e das vantagens que daí podem adquirir para os seus filhos (cf. van Zanten, 2006, p. 204-210). Estas diferentes percepções da escola e também os diferentes valores defendidos por cada ator ou grupo de atores escolares pode levar a constrangimentos que impeçam consensos, mas só superando divergências é que a escola se pode definir no espaço concorrencial.

A definição da escola é feita segundo princípios orientadores que Agnès van Zanten (2006, p. 211-217) categoriza, quando existe uma hierarquia local das escolas ou um reduzido poder de escolha, como: “empreendedora”, quando tenta cativar novos alunos (“os melhores”), num posicionamento em mercado aberto; “quasi-monopólio”, porque o mercado é fechado e a escola mantém a posição de monopólio da atratividade dos “melhores alunos” (estas duas tipologias de escola ocupam os mais altos posicionamentos na hierarquia local); “tacteantes”, com uma atitude reactiva e que procuram afirmar a sua atratividade, mas que não conseguem competir com as duas tipologias anteriores; “adaptativas”, procuram lidar com a situação existente e prendem-se mais aos valores humanistas que académicos (estas duas tipologias posicionam-se na hierarquia local como escolas médias ou médias baixas).

Os “ideais-tipo” citados anteriormente assentam numa conjugação entre o consenso dos diferentes agentes educativos e a coerência dos domínios, que na sua interrelação podem alterar as escolas quanto à tipologia, assim Agnès van Zanten (2006, p. 217-221) indica as seguintes lógicas de ação: “integrada”, com grande coerência e elevado consenso, são escolas categorizadas pelas famílias com grande consideração; “conflitual”, mesmo com elevada coerência, os consensos não são conseguidos e é normal assistir-se a alianças entre o director e os professores, ou professores e pais e até pais e director, limitando assim as estratégias uns dos outros para garantirem para si um melhor posicionamento na escola; “polarizada”, com baixa coerência devido a dispersar-se na orientação para diferentes domínios, mas que vê esta dispersão encarada como uma necessidade, logo é uma ação consensual; “anómica”, apresenta pouca coerência e baixo consenso, pelo que é comum ser uma escola com populações de classes baixas e com fracos resultados académicos o que faz com que muitas delas abandonem os ideais de excelência e sejam dominantes nos ideais integradores, humanitários.

Ainda sobre a caracterização das diferentes tipologias de escolas, Christian Maroy (2006, p. 237-238) classifica seis modelos diferentes: “ofensiva”, empreendedora e procurando ser mais atractiva; “defensiva”, só pretende manter a posição que já ocupa; “instrumentais”, seletiva quanto aos alunos na busca dos melhores resultados académicos; “expressivas”, muito receptivas de alunos com dificuldades de aprendizagem ou necessidades especiais; “especialização”, podem ser especializadas nos altos resultados académicos como no extremo oposto na

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resposta a alunos com necessidades especiais de aprendizagem e “diversificação”, quando as populações a servir são heterogéneas e com percursos formativos diferenciados.

Quanto às escolas do território português, João Barroso e Sofia Viseu (2006, p. 156-158), referem que estas não manifestam estratégias de influência do meio local, mas sim de adaptação e mesmo defensivas em relação ao meio. No relacionamento com outras escolas, não se desenvolve uma relação concorrencial na procura de cativar os “melhores alunos”, mas sim na procura de excluir os “piores alunos”. Assim, apesar das escolas tentarem melhorar os seus recursos e a qualidade do serviço prestado, preocupam-se mais com o facto de não terem “alunos problemáticos” do que em produzirem um efeito de atração que, no entanto, surge como consequência das medidas enunciadas. Facto que é, em parte, contrariado por Agnés van Zanten (2006, p. 208) ao referir que no caso português “(…) os professores parecem menos interessados com a competição de ‘primeira ordem’ entre estabelecimentos, ainda que tenham maiores preocupações na competição de ‘segunda ordem’, ou seja, pela captação dos ‘melhores’ alunos.”. Confirma-se, assim, que a preocupação central não é a distinção entre as escolas, mas não ter os “piores” alunos.

No entanto, e devido a não termos um mercado concorrencial claro, ou pelo menos maduro, “(…) as turmas tendem a ser mais heterogéneas, mas existe, alguma diferenciação social quando as escolas funcionam em dois turnos: as turmas da manhã são tendencialmente compostas por alunos das classes médias e médias altas (…)”. Esta situação é concordante com a importância que o diretor dá ao mercado concorrencial, pois, as “(…) pressões são praticamente inexistentes, o que conduz a uma fraca preocupação por parte dos diretores pelas interdependências competitivas, focando-se mais no seu papel no interior da escola.” (van Zanten, 2006, pp. 202, 206). Em Portugal o número de alunos tem possibilitado às escolas a permanência dos seus recursos, fenómeno que se tem alterado nos últimos dois anos, quer pela reforma curricular, quer pelo menor número de alunos inscritos. Esta nova realidade poderá configurar as escolas numa outra centralidade. Se a resposta educativa estava confinada à oferta curricular que as direções regionais tentavam impor, agora assistimos a uma disputa pelos cursos profissionais e de formação de adultos e jovens. A captação de alunos começa a sobrepor-se aos discursos de exigência e rigor. A preparação de alunos para a universidade já não é o elemento consensual das práticas docentes.

Permanecendo a tentativa de captar os “melhores alunos”, mas sem que se excluam os “piores alunos”, podendo até tentar-se melhorar a resposta educativa a estes para que o número de alunos não baixe e com isso se percam recursos, como horários para professores e funcionários.

Mesmo não sendo claras as estratégias de criação de “vantagens competitivas”, naturais nas “lógicas de mercado” e concorrenciais, começa a notar-se a preocupação de algumas direções de escolas, tal como de alguns professores e funcionários, em adoptá-las, pois “Apesar desta diversidade quanto à regulação institucional nos diversos

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territórios em análise, as forças de mercado estão sempre presentes ainda que com diferentes graus de intensidade.” (Maroy, 2006, p. 235).

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