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A celebração da Missa do Espírito Santo nas eleições do Império

Capítulo 4 As práticas eleitorais em Minas Gerais (1846-1881)

4.3 As Eleições Primárias

4.3.1 A celebração da Missa do Espírito Santo nas eleições do Império

A Missa do Espírito Santo marcou o ato de abertura das eleições primárias e secundárias realizadas no Império do Brasil até 1881, quando a “Lei Saraiva” dispensou as cerimônias religiosas. Para Manoel Rodrigues Ferreira, o fato de o catolicismo ser a religião oficial da Monarquia Portuguesa e mais tarde do Império explica as missas estabelecidas pelas normas eleitorais desde as instruções de 9 de junho de 1822707. Contudo, a nosso ver, essa explicação não é suficiente. É razoável supor que, por ter permeado as práticas eleitorais durante tanto tempo, a celebração dessa missa em particular tivesse alguma relevância para o processo eleitoral. Com o propósito de esclarecer a mobilização da mesma, buscamos, primeiramente, investigar as origens do costume de celebrá-la na abertura dos pleitos. Em seguida, pretendemos esboçar as linhas gerais de um possível sentido que possa ter orientado a opção pela Missa do Espírito Santo por parte dos legisladores do Império, bem como seu emprego sistemático nas eleições.

A apreciação das normas eleitorais luso-brasileiras permite estabelecer o decreto assinado por D. João VI em 07 de março de 1821 – que convocava o povo brasileiro a eleger os seus representantes às Cortes de Lisboa – como marco inicial da prática de celebrar a Missa do Espírito Santo nas eleições realizadas em terras brasileiras708. As regras eleitorais anteriores à primeira Constituição do Reino de Portugal eram definidas pelas Ordenações – Manuelinas e Filipinas –, que traziam disposições sobre as eleições dos oficiais das Câmaras. Todavia, as Ordenações não previam missas nos procedimentos de escolha desses oficiais, haja vista que, nos seus termos, o processo eleitoral não envolvia a participação da Igreja. As únicas manifestações de cunho religioso existentes eram os juramentos. Segundo as Ordenações do Reino, os eleitores escolhidos pelo Juiz mais velho deviam jurar os Santos Evangelhos antes de darem os

706 Ibid., art. 42.

707 FERREIRA, op. cit., p. 121.

708 Real Decreto de 07 de março de 1821, art. 47. Entretanto, cumpre notar que, segundo o decreto, as

eleições deviam acontecer nas Câmaras. Para assistirem à missa, os envolvidos se dirigiam à igreja, retornando ao local da reunião ao término da celebração. A utilização do espaço da igreja era permitida somente em casos excepcionais.

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seus votos709 e, terminado o processo, os oficiais eleitos deviam realizar o mesmo juramento antes de começarem a servir nos ofícios710. Assim, é razoável presumir que a prática de celebrar a Missa do Espírito Santo nas eleições tenha chegado ao Brasil por influência da Espanha, não de Portugal. Cumpre lembrar que o decreto de D. João VI copiava literalmente as disposições eleitorais da Constituição Espanhola de 1812. O exame da referida prática na Espanha e seus domínios demandaria uma investigação que extrapola nossos objetivos e competências. Há, contudo, uma pista que nos permite contornar essa dificuldade. Temos razões para crer que as respostas para as nossas dúvidas possam ser encontradas em um importante rito da Igreja Católica, a eleição do Pontífice Romano.

O método de eleição do Sumo Pontífice variou consideravelmente ao longo da história da Igreja. Os princípios gerais e procedimentos da escolha são tradicionalmente definidos por meio de bulas e decretos papais. No contexto do nosso objeto de estudo, vigorava o decreto Avendo Noi, elaborado pelo Papa Clemente XII, em 1732711. Esse é um decreto sucinto, que reformou apenas algumas disposições gerais do rito. Todavia, a essência das regras vigentes no período de nosso interesse havia sido estabelecida pela bula papal Aeterni Patris Filius, instituída pelo Papa Gregório XV, em 1621712. O cerimonial da eleição era, por sua vez, delineado pelo decreto Decet Romanum

Pontificem, do mesmo ano713.

O referido processo eleitoral é complexo e não iremos expô-lo integralmente. Porém, grosso modo, nos termos do Decet Romanum Pontificem, o cerimonial era iniciado com a reunião de uma assembleia de Cardeais responsável pela escolha do novo líder da Igreja, o Conclave. Os membros do Conclave deveriam, primeiramente, jurar

709 Em que modo se fará a eleição dos Juizes, Vereadores, Almotaces e outros Oficiais; Ordenações

Filipinas; Livro I; Título 67; p. 154. Disponível em:

<http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm?inp=eleitoral&qop=*&outp=> Acesso em: 26/06/2012.

710 Ibid., t 45, §11, p. 157.

711 CLEMENTE XII. Chirografo della Santità di nostro Signore Papa Clemente XII che contiene diversi

ordini e riforme che riguardano il Conclave ed il tempo della Sede vacante [Avendo Noi], 1732. Disponível em: <http://www.conclave.name/documenti.php?id=avendonoi>. Acesso em: 10/08/2012.

712 GREGORIO XV. Constutiones de electiones bulla Gregorii Papae XV. De electione romani pontificis

gregorius episcopus servus servorum dei ad perpetuam rei memoriam iussu editum, e auctoritatae

confirmatum [Aeterni Patris Filius], 1621. Disponível em:

<http://www.conclave.name/documenti.php?id=aeternipatrisfilius>. Acesso em: 10/08/2012.

713 GREGORIO XV. Caerimoniale. Continens Ritus Electionis Romani Pontificis Gregorii Papae XV

Iussu editum, e auctoritatae confirmatum. Gregorius episcopus servus servorum dei Ad perpetuam rei

memoriam [Decet Romanum Pontificem], 1621. Disponível em:

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observarem a bula Aeterni Patris Filius e, em seguida, levar a efeito o cerimonial fúnebre do Papa falecido714. Feito isso, os Cardeais envolvidos seguiam para a Basílica de São Pedro a fim de presenciarem a celebração de uma Missa do Espírito Santo715. Após a missa, o Conclave entrava processionalmente em um edifício dentro do qual permanecia em claustro durante todo o processo716.

Havia, à época, três métodos de escolha à disposição do Conclave: a eleição por inspiração (per quasi Inspirationem), por compromisso (per compromissum) e, por último, a eleição por escrutínio (per scrutinium)717. A eleição por inspiração acontecia quando, por inspiração direta do Espírito Santo, todos os cardeais proclamavam, unanimemente e em viva voz, o nome do novo Pontífice. Naturalmente, o método era condicionado a uma série de fatores, tais como a inviolabilidade do claustro, a inexistência de acordo prévio, entre outros718. Na votação por compromisso, o nome de um candidato era proposto por um grupo de cardeais. O método se viabilizava caso o Conclave aceitasse unanimemente a indicação719. Já na eleição por escrutínio, realizava- se uma votação por meio de cédulas, as quais eram inseridas em um grande cálice. O critério de apuração dizia que o novo pontífice deveria obter dois terços votos. Ao término do escrutínio, fosse bem sucedido ou não, as cédulas eram queimadas720. Lançamos mão dessa breve exposição do rito de eleição do Sumo Pontífice Romano com o propósito de colocar em evidência um dogma seguido pelos Cardeais do Conclave. A Igreja ensinava que o Espírito Santo, isto é, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, presidia pessoalmente a eleição papal721. Essa máxima pode ser observada com clareza no método de escolha por inspiração. Ainda que a manifestação da substância divina fosse menos evidente nos demais métodos de eleição, isso não significava para os clérigos que ela deixasse de operar. Com efeito, a celebração da Missa do Espírito Santo no ato de abertura da eleição papal se prestava a invocar o Espírito Santo de modo que o mesmo conduzisse os trabalhos dos cardeais. Dessa

714 Cerimoniale delle esequie del romano pontefice e relative spese. GREGORIO XV. Decet Romanum

Pontificem, op. cit..

715 Della messa dello Spirito Santo in S. Pietro, Ibid. 716 Dell'ingresso al Conclave, Ibid.

717 Delle forme dell'elezione, Ibid.

718 Dell'elezione quasi per ispirazione, Ibid. 719 Dalla votazione per compromesso, Ibid. 720 Dallo scrutinio semplice o con l'accesso, Ibid.

721 ALLEN, John Jr. Conclave: a política, as personalidades e o processo da próxima eleição papal. Rio de

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maneira, qualquer que fosse o resultado do pleito, esse contava com a chancela do Divino.

Portanto, é razoável supor que opção dos legisladores do Império pela Missa do Espírito Santo como ato de abertura das eleições possua uma correlação com o dogma mobilizado na escolha papal. A nosso ver, ao invocarem o Espírito Santo por meio da missa em questão, as Assembleias Paroquiais visariam, a um só tempo, a afirmar a natureza sagrada da eleição e a marcar de antemão, como legítimos, os resultados vindouros.