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Capítulo 4 As práticas eleitorais em Minas Gerais (1846-1881)

4.3 As Eleições Primárias

4.3.6 Apuração dos votos da Eleição Primária

Uma vez terminado o recebimento das cédulas e lavrada a ata da eleição primária, a mesa paroquial procedia à apuração dos votos. A Lei de 19 de agosto de 1846 não deixa

770 Decreto n° 3.029, de 09 de Janeiro de 1881. [Parte Penal], arts. 29-32.

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claro se a apuração deveria começar imediatamente após a eleição ou no dia seguinte772. Entretanto, ao registrarem o procedimento de confinamento da urna após o encerramento da eleição, a grande maioria das atas indica que os trabalhos de apuração começavam no próximo dia. Dando início à apuração, o presidente ordenava que um suplente de eleitor membro da mesa fizesse, em sua presença, a leitura em voz alta de cada uma das cédulas recebidas773. Enquanto o suplente lia as cédulas, os outros três mesários escreviam, cada um em sua própria relação, os nomes dos cidadãos que receberam votos e o número de votos sucessivamente e por extenso, de modo que o último número correspondesse ao total de votos. À medida que registravam os votos, os mesários publicavam os números em voz alta. Cada mesário era, em sua relação, responsável por um punhado de letras do alfabeto. Garantia-se, assim, que não houvesse registro simultâneo de nomes e votos. Cédulas que continham menor número de votos do que o previsto eram apuradas normalmente. Entretanto, no caso de registrarem maior número, desprezavam-se os votos excedentes. Quando a apuração perdurava por mais de um dia, a mesa colocava em prática os procedimentos de confinamento e guarda da urna que já descrevemos.

Após a leitura de todas as cédulas, o secretário elaborava uma relação geral de nomes e votos a partir das relações parciais. Essa relação era lançada na ata da apuração, a qual era assinada por todos os membros da mesa paroquial. O critério de apuração era a pluralidade relativa de votos – também grafado como maioria relativa, dependendo da norma. Isso significava que eram considerados eleitores de paróquia os cidadãos que obtivessem maior número de votos, a partir do mais votado em escala decrescente até o número de eleitores que dava a freguesia. Os imediatos em votos eram considerados suplentes, os quais substituiriam os eleitores na ausência destes e atuariam nas juntas e mesas paroquiais na eleição seguinte. No caso de haver alguma dúvida acerca da elegibilidade de algum cidadão eleito, a mesa lançava as desconfianças na ata de modo que a questão fosse resolvida pelo Colégio Eleitoral. Em outras palavras, a mesa não possuía a autoridade para impedir um cidadão qualificado de ser eleito. Empates em

772 O Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876 diz que devia começar imediatamente. Art. 110.

773 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 54. Vale lembrar que a reforma de 1875 removeu os suplentes

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número de votos eram resolvidos posteriormente por meio de um sorteio realizado conforme o procedimento já descrito neste capítulo774.

O procedimento de apuração que descrevemos é prescrito pelo Capítulo III do Título II – Da Apuração dos Votos – da lei de 1846. O método permaneceu praticamente inalterado a despeito das reformas eleitorais. Apenas algumas disposições foram acrescentadas na regulamentação da “Lei do Terço”, de 1875, com o objetivo de evitar eventuais dúvidas. Esclarecia-se, por exemplo, que as cédulas fossem contadas tirando- se da urna uma por vez775. Recomendava-se, igualmente, que durante a apuração seria aberta e examinada uma cédula de cada vez776.

Tendo em mãos o resultado da apuração, o secretário da mesa paroquial remetia, por carta, um aviso a todos os cidadãos eleitos, convocando-os para que se reunissem na Igreja onde se realizou a eleição. Na ocasião da reunião, a mesa extraia cópias da ata da apuração em número igual ao de eleitores e suplentes, as quais eram entregues aos mesmos com o propósito de servir-lhes de diploma. A diplomação dos eleitores era encerrada com o canto de um Te Deum solene. As despesas da cerimônia eram divididas entre o Vigário, que custeava os gastos com o altar; e a Câmara Municipal, que provia os recursos para o preparo da mesa e assentos, além da aquisição de papel, tinta, contratação de serventes e o mais necessário para que a solenidade fosse realizada com toda a dignidade possível.

Após o ato religioso, o livro de atas era remetido ao Presidente da Câmara Municipal, com ofício do Secretário da Mesa Paroquial e, em seguida, as cédulas eram imediatamente inutilizadas. Com a destruição das cédulas era dada por dissolvida a Assembleia Paroquial777. Embora a lei de 19 de agosto de 1846 não mencione o método de destruição das cédulas, é razoável supor que elas fossem queimadas, assim como

774 Ibid., art. 115. Ver o item 4.2.2 deste capítulo.

775 Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876, art. 111. Cumpre observar que o Capítulo III [Da

Apuração dos Votos] da Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846 não ordena a contagem das cédulas. A contagem já era realizada ao final do recebimento dos votos. O decreto que regulamentou a lei do terço prescreve nova contagem.

776 Ibid., art. 111.

777 Despertou-nos a atenção o fato de não encontramos nas atas de apuração analisadas o registro da

destruição das cédulas. Muito embora atas que contenham o procedimento possam ter escapado à amostra empregada na pesquisa, percebemos que o registro da prática em questão não era habitual. Isso sinaliza para a possibilidade de a inutilização das cédulas não ser frequentemente realizada, o que é inesperado. Tal constatação causa estranheza porque, de maneira geral, as mesas enfatizavam o fato de terem seguido todos os preceitos da lei de modo a evitar eventuais nulidades.

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ditava o decreto de 04 de maio de 1842778. Todavia, nas regras desse decreto, as cédulas eram mantidas nos arquivos das Câmaras Municipais durante a legislatura recém-eleita, sendo destruídas ao início da seguinte. Enquanto arquivadas, podiam ser consultadas por qualquer cidadão mediante decisão judicial779. O procedimento mencionado se inspirava na lei – sem número – de 1º de Outubro de 1828, que regulou pela primeira vez o processo eleitoral para a escolha dos vereadores e Juízes de Paz780. Foi com essa lei que a prática de se queimar as cédulas teve início no Império.

A apuração dos votos marcava o encerramento das eleições primárias. No que diz respeito aos procedimentos envolvidos, destacamos inicialmente a prática do presidente da mesa paroquial em ordenar que a leitura das cédulas fosse realizada por um suplente de eleitor. Essa opção provavelmente objetivava conferir isenção aos trabalhos de apuração ao permitir a participação da parcialidade minoritária da eleição anterior, a exemplo do que ocorria na organização das juntas de qualificação e mesas paroquiais. Todavia, lembramos que o suplente deixou de compor a mesa a partir do decreto de 23 de agosto de 1856, que regulamentou a “Lei dos Círculos”. A partir de então, a facção que conduzisse a apuração estaria apta a prosseguir nos trabalhos sem maiores constrangimentos. Nota-se, também, o uso de crianças no desempate de votos, elemento que já postulamos ser uma reminiscência de uma tradição política colonial. É difícil extrair das atas de apuração informações que vão muito além dos procedimentos protocolares. Cumpre lembrar que esse era um momento especialmente propício ao emprego de muitas técnicas de fraude. Portanto, é bastante natural que as atas não deixem muitas pistas a respeito de más condutas.

Já a diplomação dos eleitores escolhidos nas eleições primárias merece atenção especial. Possuir a qualidade de cidadão eleitor no Império significava muito mais do que ser um intermediário entre o votante e o representante. Com efeito, os eleitores eram investidos de poderes políticos781, o que fazia com que compusessem a legislatura juntamente com os representantes eleitos782. Por isso, em caso de dissolução da Câmara Geral, todos os eleitores do Império eram igualmente destituídos, o que demandava a realização de

778 Decreto nº 157, de 04 de maio de 1842, art. 29. 779 Ibid., art. 29.

780 Lei – sem número – de 1º de Outubro de 1828, art. 13.

781 O mais óbvio era o poder de escolher os seus representantes. Entretanto, aos eleitores também cabia a

condução de boa parte do processo eleitoral como membros das juntas qualificadores e mesas eleitorais. Além disso, somente eleitores estavam aptos a participar da verificação de poderes dos seus pares eleitos nas eleições primárias, como apresentaremos mais adiante.

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novas eleições primárias. Os votantes, por sua vez, seguiam qualificados em caso de dissolução da Câmara, pois não possuíam nenhum tipo de poder político. Portanto, não é arriscado afirmar que ser eleitor no Império era possuir uma distinção. Nesse sentido, não causa surpresa que o rito de investidura de poderes aos eleitores, isto é, a diplomação, envolvesse a pompa de uma cerimônia soleníssima, o canto de um Te

Deum Laudamus.