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Capítulo 4 As práticas eleitorais em Minas Gerais (1846-1881)

4.4 As Eleições Secundárias

4.4.2 Verificação de poderes dos eleitores

No dia seguinte à organização da mesa, o Colégio Eleitoral reunia-se novamente no mesmo horário e local. A comissão nomeada pelo presidente no dia anterior expunha seu parecer sobre os diplomas dos eleitores, o qual era em seguida submetido à aprovação do colégio por meio de uma votação. Nas atas examinadas, percebemos que, de uma maneira geral, a comissão comparava os diplomas às atas de apuração remetidas pelas mesas paroquiais. Dessa maneira, o que se fazia, fundamentalmente, era a verificação da autenticidade dos diplomas. Entretanto, algumas comissões eram mais meticulosas. A comissão de verificação de poderes do Colégio eleitoral instalado na Vila do Serro, Comarca do Serro, em 1847, cassou os poderes de um eleitor residente no distrito do Peixe por esse não constar na lista de qualificação de sua freguesia. Embora o referido cidadão tivesse se apresentado à junta de qualificação da sua freguesia na qualidade de suplente de eleitor, deixou de ser qualificado para a eleição

820 Lembramos novamente que as normas eleitorais não trazem instruções nem mesmo em relação ao

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em questão821. O episódio aponta para duas possíveis irregularidades. Ou o cidadão falsificou seu diploma, ou foi inapropriadamente eleito pela mesa paroquial de sua freguesia. A mesa negou-lhe a possibilidade de votar, mas não estabeleceu punições. Uma vez concluída a verificação de poderes dos eleitores, o colégio eleitoral deixava a Câmara Municipal e dirigia-se à igreja matriz, onde era celebrada uma missa solene do Espírito Santo. A cerimônia era conduzida sempre pela maior autoridade eclesiástica presente. As despesas com a missa eram divididas entre o Vigário e a Câmara Municipal822. Em alguns raros casos não se rezava a missa. Na eleição secundária da Vila do Curvelo, em 1878, não houve cerimônia religiosa, não obstante o pároco da freguesia tivesse sido convidado por ofício. Segundo a ata da eleição, o pároco manifestou incômodo e se recusou a realizar a missa823. O episódio sugere pelo menos duas possíveis intenções do sacerdote. Pode-se presumir, a princípio, que ele se absteve de rezar a missa por ser simpático a uma parcialidade oposta à que provavelmente compunha a maioria do colégio eleitoral. Outra possibilidade factível é a de que, independentemente de seu posicionamento político, o pároco tenha se recusado a endossar as ações de uma mesa da qual se esperava má conduta.

A despeito das reais intenções do pároco, o fato é que sua reação configurava uma desobediência à legislação eleitoral e uma insubordinação frente ao Estado. A consequência mais concreta do seu comportamento era a possibilidade de a eleição ser considerada nula824. Isso demonstra que a decisão deste pároco da Vila do Curvelo não foi algo banal, podendo até mesmo ser entendida como uma ação política. Cumpre notar que o mesmo fenômeno podia ocorrer nas eleições primárias. Há, ainda, uma consequência menos tangível, mas nem por isso menos relevante, que era a ausência do endosso espiritual da eleição, o que seguramente abalava a sua legitimidade aos olhos dos homens dos oitocentos.

A passagem do colégio eleitoral pela igreja encerrava-se com o pronunciamento de um discurso análogo às circunstâncias por um orador dos mais acreditados, como

821 APM. PP 1/11, Cx. 99, Doc. 25. (Ata de Recebimento e apuração das cédulas pelo Colégio Eleitoral,

Cidade do Serro, 1847).

822 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 72.

823 APM. CV-30, p. 25-30. (Ata de Recebimento e apuração das cédulas pelo Colégio Eleitoral, Cidade de

Curvelo, 1878).

824 Para Richard Graham, muitos contemporâneos questionavam a validade de eleições que por algum

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recomendava a legislação825. Ao término do discurso, o Colégio eleitoral retornava à Câmara Municipal para proceder à eleição dos representantes.

4.4.3 O recebimento das cédulas

O ato do voto na eleição secundária iniciava-se com a chamada dos eleitores. Sendo chamados por freguesias, os eleitores inseriam as cédulas nas urnas à medida que se apresentavam à mesa. Nenhuma das normas eleitorais especifica qual dos mesários devia fazer a chamada. Tomando por base nosso objeto de estudo, isto é, as eleições para a Câmara dos Deputados Gerais, as cédulas deviam conter tantos nomes quanto fossem os assentos destinados aos representantes da província na Câmara dos Deputados826. Assim, nas regras da lei de 19 de agosto de 1846, por exemplo, a cédula de um eleitor das Minas Gerais devia conter vinte nomes827. Todavia, a reforma eleitoral de 1875 alterou essa fórmula. Nas regras de 1875, as eleições secundárias elegiam somente dois terços da Câmara, ficando o outro terço reservado à minoria. Assim, tomando como referência as eleições gerais de 1876, os eleitores da Província de Minas Gerais escreveram quatorze nomes nas suas cédulas naquela ocasião828. Nas cédulas, junto aos nomes, registrava-se também a residência e ocupação dos candidatos829. Para a eleição dos Senadores, cada eleitor escrevia nas cédulas uma lista de três nomes, declarando a idade, emprego ou ocupação de cada um dos votados830. Em face do caráter vitalício do Senado, as eleições para essa casa legislativa ocorriam somente no caso de morte de um dos seus membros, ou na ocasião do aumento de número de cadeiras. O resultado das eleições para a escolha de um Senador era uma lista tríplice a partir da qual o Imperador extraía um nome de acordo com seu julgamento pessoal. A lei de 19 de agosto de 1846 exigia que os eleitores de segundo grau assinassem as suas cédulas, em contraste com o que ocorria na eleição primária831. Essa disposição da

825 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 72. 826 Ibid., art. 73.

827 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 74.

828 “Número de nomes que deve conter a cédula do eleitor na eleição de Deputados à Assembleia Geral e

de Membros das Assembleias Legislativas Provinciais, segundo o art. 123 das instruções de 12 de janeiro de 1876” (Quadro anexo ao Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876).

829 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 73. 830 Ibid., art. 81.

831 Ibid., art. 73. Diferentemente do Decreto – sem número – de 26 de março de 1824, que permitia que

outra pessoa assinasse a cédula no lugar do eleitor, caso esse não soubesse escrever, a lei de 1846 não trazia essa possibilidade. Presume-se, portanto, que os analfabetos tenham perdido o direito de votar nas eleições secundárias. Entretanto, a lei se contradiz, haja vista que o letramento não configurava um pré-

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lei abolia, portanto, o segredo do voto na eleição de segundo grau, antes garantido pelo decreto de 04 de maio de 1842, e invertia a fórmula do decreto executivo – sem número – de 26 de março de 1824, segundo a qual o segredo do voto era previsto apenas para a eleição secundária. Todavia, a reforma eleitoral de 1855 revogou todas as exigências de assinatura das cédulas, assegurando o segredo do voto para os dois graus. O voto secreto permaneceu intocado pelas reformas eleitorais subsequentes até o fim do regime monárquico.

Uma mudança significativa no ato do voto durante as eleições secundárias foi promovida pelo decreto de 23 de agosto de 1856, que regulamentou a “Lei dos Círculos”. A norma determinava que os nomes dos candidatos devessem ser escritos em papéis fornecidos pelas mesas dos Colégios Eleitorais. Os papéis, que eram distribuídos antes das chamadas, deviam ser iguais em tamanho, cor e qualidade832. Contornavam- se, dessa maneira, os artifícios de coerção e corrupção eleitoral relacionados às cédulas impressas, de que tratamos na análise das eleições primárias.

Na época não havia candidaturas formais ou chapas. A legislação era clara a respeito disso ao enfatizar que:

O eleitor pode votar, sem limitação alguma, naqueles que em sua consciência forem dignos, e julgar que têm as habilitações precisas, competindo exclusivamente a quem verificar os Poderes dos eleitos [a legislatura vigente da Câmara dos Deputados Gerais] examinar se têm eles as condições de idoneidade exigidas pela Constituição833.

Os candidatos podiam receber votos dos eleitores de qualquer província do Império. Caso um candidato fosse eleito por duas ou mais províncias, devia escolher a da sua naturalidade; na falta desta, a da residência; e, na falta de ambas, prevalecia aquela em que tivesse mais votos834. Durante o período do nosso marco temporal em que vigorou o voto distrital – 1855 a 1875 –, podia ocorrer que um candidato fosse eleito por mais de um distrito. Nesse caso, ele tinha a liberdade de optar pelo distrito que quisesse representar835.

requisito para a condição de eleitor (art. 53). De todo modo, a exigência de assinatura da cédula criava, no mínimo, um embaraço à participação política dos analfabetos.

832 Decreto nº. 1.812, de 23 de agosto de 1856, art. 25. 833 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 76. 834 Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, art. 124.

835 Decreto nº 842, de 19 de setembro de 1855, art. 1º § 13º. Desconsideramos aqui o período entre 1881 e

1889 em que também vigorou o voto distrital porque nas regras da reforma de 1881 não havia eleição secundária.

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