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Os fundamentos do sistema eleitoral contido na Constituição de 1824

Capítulo 2 A teoria representativa liberal na interpretação da Constituição de 1824

2.2 Os fundamentos do sistema eleitoral contido na Constituição de 1824

Brasil teve os seus princípios gerais estabelecidos pela Constituição de 1824, no CAPÍTULO VI, Das Eleições, do TÍTULO 4º, Do Poder Legislativo. Esse era um capítulo curto, de apenas sete artigos. A Carta determinava que os Deputados Gerais, Senadores e Membros dos Conselhos Gerais das Províncias257 deviam ser nomeados por meio de eleições indiretas. Em um primeiro ato, a massa dos cidadãos ativos, reunida em Assembleias Paroquiais, elegia os eleitores de paróquia. Os últimos, por sua vez, estavam habilitados a eleger os representantes da Nação e das Províncias258. Segundo a terminologia da época, isso significava que a eleição dos representantes acontecia em dois graus. Assim, as eleições de primeiro grau, também chamadas de primárias ou paroquiais, eram responsáveis por eleger os membros dos Colégios Eleitorais. Somente nas eleições de segundo grau, ou secundárias, os eleitores que compunham os colégios podiam proceder à eleição dos representantes. Era uma convenção da época denominar os cidadãos que participavam das eleições primárias de votantes e, os das secundárias, de eleitores de paróquia ou de província.

257 Os Conselhos Gerais das Províncias foram substituídos pelas Assembleias Legislativas Provinciais

com o Ato Adicional de 1834.

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Podiam votar nas eleições primárias os cidadãos brasileiros que estivessem no gozo dos seus direitos políticos, bem como os estrangeiros naturalizados259. Todavia, era preciso que esses atendessem a uma série de condicionalidades. Essas eram, contudo, apresentadas na carta como exclusões. Portanto, excluíam-se das eleições primárias: I – Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não compreendem os casados, e Oficiais Militares, que forem maiores de vinte e um anos, os Bacharéis Formados, e Clérigos de Ordens Sacras; II – Os filhos famílias, que estivessem na companhia de seus pais, salvo se servissem Ofícios públicos; III – Os criados de servir, em cuja classe não entravam os Guarda Livros, e Primeiros Caixeiros das casas de comércio, os Criados da Casa Imperial, que não fossem de galão branco260, e os Administradores das fazendas rurais, e fábricas; IV – Os Religiosos, e quaisquer outros que vivessem em Comunidade claustral; e V – Os que não tivessem renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou Empregos261. Os cidadãos que não estivessem aptos a votar nas Assembleias Paroquiais não podiam votar na nomeação das autoridades eletivas Nacionais, ou locais e, em consequência, não eram elegíveis262. Nota-se que duas exclusões importantes ficavam apenas implícitas no texto: a das mulheres e, naturalmente, a dos escravos.

No que diz respeito às eleições secundárias, podiam ser Eleitores e votar na eleição dos Deputados, Senadores e Membros dos Conselhos de Província, todos os que podiam votar na Assembleia Paroquial, exceto: I – Os que não tivessem renda líquida anual de duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego; II – Os Libertos; e III – Os criminosos pronunciados em querela, ou devassa263. Todos os cidadãos aptos a

serem Eleitores eram capazes de serem nomeados Deputados, exceto: I – Os que não tivessem quatrocentos mil réis de renda líquida na forma dos artigos 92 e 94; II – Os estrangeiros naturalizados; III – Os que não professarem a Religião do Estado264. Os

259 Ibid., Art. 91.

260 De acordo com Santiago Silva de Andrade, o galão era “uma tira de tecido bordado usado nas mangas

das fardas, ou nos chapéus, de algumas categorias de funcionários do Império”. No que se refere à exclusão de criados sem o galão branco das eleições, o autor presume que a iniciativa possa ter partido do Imperador D. Pedro I, antevendo o envolvimento político de criados com possíveis adversários seus. ANDRADE, Santiago Silva de. Morar na Casa do Rei, servir na Casa do Império: sociedade, cultura e política no universo doméstico da Casa Real portuguesa e da Casa Imperial do Brasil (1808-1840). Almanack Braziliense [online], n.5, 2007, p. 123.

261 BRASIL, op. cit., Art. 92. 262 Ibid., Art. 93.

263 Ibid., Art. 94. 264 Ibid., Art. 95.

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Cidadãos postulantes aos cargos eletivos eram elegíveis em qualquer circunscrição eleitoral, mesmo quando nele não fossem nascidos, residentes ou domiciliados265. Em suma, a Constituição conferia ao sistema eleitoral do Império um modelo censitário, indireto em dois graus266 e que proporcionava uma representação por províncias. Os modos práticos das eleições e o número de representantes em relação à população seriam definidos mais tarde, por meio de leis ordinárias267. Nota-se que, ao adotar a fórmula indireta, o Império seguia o esquema de Sieyès, consagrado na França e adotado pelas constituições ibéricas.

Exceção feita à introdução da eleição do regente pelo Ato Adicional de 1834268, as premissas básicas do sistema eleitoral firmadas pela Constituição permaneceriam intocadas até o fim do regime monárquico, ao menos em tese. Todas as propostas de reforma das normas eleitorais que, de algum modo, afastaram-se dos preceitos constitucionais encontraram grandes embaraços legais, haja vista que modificações estruturais no sistema eleitoral somente podiam ser levadas adiante se os deputados fossem investidos de poderes constituintes. Todavia, pelo menos em três ocasiões, modificações tidas por muitos como inconstitucionais foram aprovadas, a saber: as incompatibilidades eleitorais, mobilizadas pela primeira vez pela reforma eleitoral de 1855269; a adoção do voto distrital270, junto à mesma reforma e; por fim, a mudança mais controvertida, isto é, a introdução do voto direto, promovida pela reforma eleitoral de 1881. Com efeito, todas as modificações mencionadas foram efetivadas por meio de leis ordinárias e, dessa forma, não deixaram de causar enorme polêmica no meio parlamentar. Importa observar, no entanto, que todas essas mudanças fundamentavam- se em argumentos que demonstravam a sua coerência com a Constituição. Discutiremos esse tópico em maiores detalhes no Capítulo 3.

265 Ibid., Art. 96.

266 Alguns sistemas eleitorais possuíam mais do que dois graus como, por exemplo, a Constituição

Espanhola de 1812 e o Real Decreto de 07 de março de 1821, que convocava o povo brasileiro a eleger os seus representantes às Cortes de Lisboa. Nas duas normas previa-se um processo eleitoral de quatro graus.

267 BRASIL, op. cit., Art. 97.

268 Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834, artigos 26 a 29.

269 As incompatibilidades eleitorais diziam respeito à revogação da elegibilidade de algumas categorias de

funcionários públicos.

270 No contexto da discussão da reforma de 1855, o voto distrital foi combatido pelos opositores da

proposta sob o argumento de que o mesmo feria o princípio constitucional que estabelecia a representação por província.

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