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A ciência cognitiva da mente corporificada: projeções corporais,

CAPÍTULO 2 OS CAMINHOS DA LINGUAGEM: SER, PENSAR E

2.5 COGNIÇAO, EXPERIÊNCIA HUMANA E CONSTRUÇÃO DE

2.5.2 A ciência cognitiva da mente corporificada: projeções corporais,

Os questionamentos dos pressupostos teóricos do cognitivismo anglo-americano dão espaço a uma nova forma de compreender a mente, a aquisição do conhecimento, o corpo e a linguagem. Conhecida como a segunda geração da ciência da cognição, traz a expansiva noção de mente corporificada. Conceituação e razão são vistos por meio de processo imaginativo e a estrutura conceitual emerge da experiência sensoriomotora. As estruturas mentais estão intrinsecamente ligadas às conexões com o corpo e com as experiências vividas por ele, as quais não podem ser caracterizadas de forma adequada por meio da representação simbólica.

O estudo da relação entre linguagem, conhecimento, sociedade e cognição recebe novos enfoques. As Ciências Cognitivas, as Ciências Sociais, a Biologia, a Filosofia e a Inteligência Artificial principiam o dialogo, apontando para o nascimento de uma nova concepção de mente – corpo e conhecimento.

Vem à tona um nível básico de conceitos que se sustentam, em parte, por meio de esquemas motores e pela capacidade de percepção e de formação de imagem. “A ativação das áreas sensoriomotora e cortical constituem o que se chama de metáforas primárias” (VAREALA; THOMPSON; ROSCH, 1991, p.73), as quais permitem uma conceituação de julgamentos abstratos na base de padrões inferenciais usados no processo sensoriomotor, que está diretamente ligado ao corpo. A estrutura dos conceitos usa protótipos e cada qual lança mão de um tipo de raciocínio. A razão é corpórea e as inferências surgem a partir do processo sensoriomotor, bem como de outras partes do corpo. A razão é imaginativa

e as formas de inferências corpóreas são mapeadas em modos abstratos de inferência metafórica.

O princípio da mente corporificada pode ser compreendido pelo modo como acontecem as projeções corporais referenciadas para conceituar as relações espaciais e temporais. A forma como se concebe o espaço não é, em absoluto, independente do tipo de corpo que se tem. Um exemplo a observar em Língua Inglesa são as expressões que indicam lugar – “in front of me” (na minha frente) e “behind me” (atrás de mim). São generalizações

da forma sobre como se percebe o próprio corpo em relação a outros corpos. Segundo Lakoff (1987, p. 34), o que se entende como frente e atrás de um artefato móvel, como uma TV, um computador ou uma cadeira, está relacionado com o lado pelo qual os encaramos na interação. A forma como conceituamos “movimento” também é uma projeção. A categorização de fenômenos de movimento toma como base a forma pela qual o corpo permite agir com os objetos, como por exemplo, “puxar”, “empurrar”, “segurar”, “levar”. Ao dizer “isto é para eu levar”, ao se referir a uma ação de trazer um objeto, indica troca do significado entre levar e trazer. Há um hiato na categorização dessas noções provocado pela compreensão pessoal de projeção. Da mesma forma, a noção temporal se evidencia em fenômenos como “eu gostava de ir” para se referir a uma possibilidade futura – “eu gostaria de ir”.

As projeções usadas para conceituar as relações espaciais e temporais demonstram a ideia de “mente corporificada”. A concepção de espaço é arquitetada a partir da generalização da forma como concebemos nosso corpo em relação a outros objetos.

No ensino-aprendizagem de Língua Inglesa, pode-se tomar a noção de mente corporificada como fio condutor do processo. O aprendiz – seu corpo – é a referência para os conceitos concretos e abstratos que ainda são estranhos ao seu mundo e desconhecidos para ele. Ao se colocar no centro – “EU” – esse ser deve, primeiramente, se identificar no tempo e no espaço. Quem sou eu? Tenho um nome – “sou”, que significa “estou” – existo aqui e agora, ocupo espaço, me movimento, me invento, vejo, escuto, sinto, toco, quero, faço, devo. São projeções corporais que representam a mente corporificada no ato de usar a língua, requerida na construção da linguagem. Ademais, frente, atrás, dentro e fora são conceitos que têm referência no corpo do sujeito, como distância e localização. As projeções do corpo do aprendiz estão na base da criação de conceitos abstratos e demonstram que mente e corpo são interdependentes. Essa noção do “EU” e sua localização no tempo e no espaço, compreendendo a cognição como ação corporalizada, é um dos aspectos basilares da proposição deste método de ensino-aprendizagem.

Contrariamente à visão objetivista, as novas concepções defendem que as categorizações são experienciais e pertencem ao mundo biológico e cultural do sujeito perceptor. O mundo é inseparável dos nossos corpos, da nossa linguagem e da nossa história cultural e social; enfim, de nossa corporeidade.

A cognição, nessa linha de estudo, não se limita a uma questão de representação, mas se preocupa em observar as capacidades corporalizadas do sujeito cognoscente para a ação. A cognição não se manifesta como recuperação ou projeção, mas como uma ação corpórea e, para isso, parte- se da compreensão de “ação corporalizada” e “atuação”.

Ao se referirem a uma ação corporalizada, Varela, Thompson e Rosch (1991, p. 226) argumentam que, em primeiro lugar, a cognição depende dos tipos de experiência que surgem do fato de se ter um corpo com várias capacidades sensoriomotoras e, segundo, que essas capacidades sensoriomotoras individuais se encontram, elas próprias, mergulhadas num contexto biológico, psicológico e cultural muito mais abrangente. Os autores situam a cognição como ação corporalizada e dão uma visão das capacidades cognitivas como inextricavelmente ligadas a histórias vividas que, por consequência, são o resultado da evolução como tendência natural. Hoje, os estudos incorporam cada vez mais elementos com uma orientação de atuação. Ao se referir à “atuação” os autores destacam que os processos sensoriomotores – percepção e ação – são fundamentalmente inerentes à cognição vivida. Não se encontram ligados de um modo meramente contingente aos indivíduos, mas evoluíram em conjunto. A ação guiada perceptualmente refere-se à maneira como o sujeito perceptor pode guiar as ações na sua situação local – devido às mutações constantes de situações locais resultantes de suas atividades. “O ponto de referência para esta compreensão deixa de ser um mundo pré-estabelecido e independente do sujeito, mas, sim, a sua estrutura sensoriomotora (o modo como o sistema nervoso estabelece ligações entre superfícies sensórias e motoras)” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 227). Esta estrutura, e o modo como o ser se encontra corporalizado, determina a maneira como o sujeito perceptor pode agir e pode ser moldado pelos acontecimentos do meio, contrariando a ideia de um mundo pré-estabelecido. Para Merleau-Ponty,

O organismo não pode ser apropriadamente comparado com um teclado no qual os estímulos externos atuariam e no qual a sua forma adequada seria delineada pela simples razão de que o organismo contribui para a constituição dessa forma. [...] As propriedades do objeto e as intenções do sujeito [...]

não estão apenas misturadas; constituem também um novo todo. [...] Todos os movimentos do organismo são sempre condicionados por influências externas. [...] É o próprio organismo – de acordo com a natureza adequada dos seus receptores, os mecanismos de limiar dos seus centros nervosos e os movimentos dos órgãos – que escolhe os estímulos no

mundo físico aos quais será sensível. O ambiente

emerge do mundo através da realização ou do estar do organismo – [desde que] um organismo possa existir apenas se for capaz de encontrar no mundo um ambiente adequado (MERLEAU-PONTY, 1963, p. 13).

Em seus estudos, Finger (2008) lembra a explicação de Piaget sobre o desenvolvimento da criança a partir de um organismo biológico imaturo – da nascença até um ser dotado de razão abstrata na idade adulta. O objetivo foi compreender como a inteligência sensoriomotora da criança evolui na concepção de um mundo externo, com objetos permanentes localizados no espaço e no tempo e, igualmente, na direção da concepção dela própria como um objeto dentre outros, mas com uma mente interior. “Dentro do sistema de Piaget, a criança recém-nascida não é objetivista nem idealista; limita-se a ter a sua própria atividade e, mesmo o mais simples ato de reconhecimento de um objeto, só pode ser compreendido em termos da sua própria atividade” (VARELA; THOMPSON; ROASCH, 1991, p. 231). Para Piaget, as estruturas cognitivas emergem de padrões recorrentes – “reações circulares” – de atividades sensoriomotoras. A existência de um mundo preestabelecido e de um sujeito conhecedor faz parte de suas ideias. Seu objeto de estudo – a criança – é um agente que atua e evolui.

Para Maturana e Varela (2010), toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de modo pessoal e enraizado a sua estrutura corpórea, razão pela qual toda experiência de certeza é um fenômeno individual, uma solidão que só é transcendida no mundo que criamos juntos. Também essa junção das dimensões corporais e estéticas tem sido denominada “corporeidade”.

Para Merleau-Ponty (1963), corporeidade é o corpo dotado de inteligência própria. Essa unidade entre o corpo e a psiquê manifesta-se nas memórias guardadas pelo indivíduo das experiências vividas e aprendidas, manifestando, assim, a unidade indissociável entre as dimensões biológicas e psicológicas do ser humano. Segundo Lévy (1993), a evolução biológica fez com que o homem desenvolvesse a faculdade de imaginar as próprias ações futuras e seu resultado sobre o meio externo. Graças a essa

capacidade de simular as interações com o mundo através de modelos mentais, o homem pode antecipar o resultado de suas intervenções e usar a experiência acumulada. Na compreensão de Pavanati et al. (2012), nosso corpo cognoscente guarda marcas das diversas fases de nossa história, não como resquícios do passado, mas como parte da estrutura dos processos cognitivos atuais.

Merleau-Ponty designa o corpo como estrutura vivida no contexto dos processos cognitivos e afirma que a consciência do corpo invade o corpo. Para este autor, a corporeidade define-se como unidade mente-corpo em movimento. O corpo em movimento reorganiza o ser existente como um todo. Segundo o autor, a percepção emerge da motricidade e, por princípio, toda percepção é ação. O corpo tem outros olhares e os sentidos aflorados e ativos favorecem a integridade da compreensão do real. “A internalização do conhecimento depende da sensibilidade do corpo, da estética, dos fazeres e da re-significação dos gestos cotidianos” (CATALÃO, 2002, p. 348).

2.5.3 Experiencialismo humano, linguagem, cognição e metáfora