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CAPÍTULO 2 OS CAMINHOS DA LINGUAGEM: SER, PENSAR E

2.5 COGNIÇAO, EXPERIÊNCIA HUMANA E CONSTRUÇÃO DE

2.6.6 Metáforas Complexas

As metáforas complexas são formadas por uma mistura de conceitos. A sistematicidade da metáfora estabelece um campo de comparações. Estabelece uma associação entre um conceito e outro, como também entre vários conceitos pertencentes ao mesmo campo semântico do alvo e da fonte. Logo, a sistematicidade é identificada através do mapeamento entre os dois conceitos e seus domínios. Por exemplo, em inglês, “more, is up60” – um julgamento subjetivo de quantidade – é conceituado em termos da experiência sensoriomotora. A correspondência entre verticalidade e quantidade surge da correlação da experiência humana diária, como colocar “mais” – colocar mais água no copo – e observar que o nível “subiu”. O fenômeno de “água subir no copo” remete à ideia de ir para “cima”. É uma fusão (conflations) na hipótese de Johnson, na qual verticalidade e quantidade não são vistas de forma separada. É feita uma associação entre elas. A associação entre “more” (mais) e “up” (ideia de ir para cima) e entre “less” (menos) e “down” (para baixo) constitui um mapeamento de domínios entre o conceito sensoriomotor de verticalidade (domínio fonte/domínio de origem) e o julgamento subjetivo de quantidade. A expressão “prices fell” (preços caíram), considerada uma metáfora linguística convencional, é uma metáfora secundária do domínio fonte61. Grady apud Lakoff e Johnson (1999. p. 46), sugere que “conventional blends are the mechanism by which two or more primary metaphors can be brought together to form largest complex metaphors62”. Portanto, são as “metáforas orientacionais” (LAKOFF, 1987) que estruturam um conceito em termos de outro e organizam um sistema global de conceitos em relação a outros. A maioria tem a ver com orientação espacial – para cima, para baixo, dentro-fora, frente-trás e central-periférico. Por exemplo, relacionar para cima o que é bom e para baixo o que é desagradável. Logo, não são arbitrárias, têm uma base na experiência física e cultural da pessoa. Por isso, podem variar de uma cultura para outra.

Para Lakoff e Johnson (1999), as metáforas primárias são parte do cognitivo inconsciente. Elas são automaticamente adquiridas por meio do processo de aprendizagem neuronal. Para os autores, “when the embodied

60 (More) mais – dá a ideia de verticalidade. 61

Os exemplos, como também as explicações foram retiradas de Lakoff e Johnson (1999, p. 47-8).

62

Sugere que as misturas convencionais são mecanismos pelos quais duas ou mais metáforas primárias podem ser reunidas para formar metáforas complexas (tradução nossa).

experiences in the world are universal, then the corresponding primary metaphors are universal acquired”63. Isso explica a não existência do conhecimento nato. As metáforas são aprendidas. São universais e não uma competência nata. De tal modo que ações como representar, jogar e contar histórias estão intimamente ligadas. Tal como a linguagem, são componentes ancestrais e definidores de nossa humanidade (MURRAY, 2003, p.11). Portanto, o acesso a conhecimentos universais, via TCD proporciona o contato dos indivíduos com as metáforas próprias desses espaços, modificando e ampliando a linguagem e a cultura pessoal.

Os conceitos universais contribuem para a linguagem universal. Por exemplo, como é entendido em diferentes partes do mundo o conceito de “tempo” e as indicações de hospitais e farmácias. É importante demonstrar que nem todas as metáforas conceituais são manifestadas por meio de palavras. Algumas se manifestam na gramática, outras em gestos e sinais, na arte ou em rituais. Para Murray (2003), as artes nos permitem exercitar maneiras de ser no mundo que vão além daquelas que vivemos diariamente em nosso ambiente imediato. Para a autora,

A arte baseada em formatos procedimental, participativo, enciclopédico e espacial pode incrementar o repertório de ações das pessoas, alargar o modelo pelo qual aprendemos e interpretamos o mundo, transformar o modo com que pensamos uns nos outros e como nos tratamos mutuamente (MURRAY, 2003, p. 10).

As muitas conexões que, inconscientemente, são formadas proporcionam a estrutura inferencial e a experiência qualitativa do sistema sensoriomotor, formando a base para os domínios subjetivos com os quais está associado. Conceitos de experiência subjetiva ou julgamentos e opiniões são literais quando não estão estruturados metaforicamente. No exemplo, “these colors are similar” (essas cores são semelhantes) o sentido é literal; enquanto que “these colors are close” (essas cores são próximas) não o é – aparece a metáfora “similaridade” como “proximidade”. “Without metaphor, such concepts are relatively impoverished and have only minimal, a minimal “skeletal” structure64” (LAKOFF; JOHNSON, 1999,

63 Quando as experiências corpóreas no mundo são universais, logo, as metáforas primárias correspondentes são universalmente adquiridas (tradução nossa).

64 Sem metáfora, tais conceitos são relativamente pobres e têm apenas o mínimo, um mínimo de arcabouço estrutural (tradução nossa).

p.58). Portanto, há centenas de metáforas primárias que promovem a experiência subjetiva e uma rica estrutura inferencial, imagens e sentimentos, que permite o uso de grande número de palavras da experiência sensoriomotora para nomear aspectos da experiência subjetiva metaforicamente contextualizada. Infere-se que o ser humano tem um sistema metafórico primário simplesmente porque tem corpo e cérebro e porque vive num mundo onde a convivência tende a se correlacionar significativamente com proximidade, afeição, cordialidade, fins alcançáveis e destino atingível.

Nota-se, então, que os conceitos abstratos mais importantes são contextualizados por meio de metáforas múltiplas e complexas, que são essenciais na formação dos conceitos. As metáforas são construídas em escalas, das primárias para as complexas, e cada metáfora primária está incorporada no mundo por meio das experiências corporais. O domínio fonte-lógico surge da estrutura inferencial do sistema sensoriomotor e está instanciado neuralmente no peso sináptico das conexões neuronais. De tal modo, “tanto o sistema metafórico primário quanto o complexo fazem parte do cognitivo inconsciente” (LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 73). Com efeito,

Os estados de atividade neuronal deflagrados por diferentes perturbações estão determinados em cada pessoa, por sua estrutura individual e não pelas características do agente perturbador. [...] Aquilo que tomamos como uma simples captação de algo (tal como espaço ou cor) traz a marca indelével de nossa própria estrutura (LIMA, 2009, p. 102).

Destarte, essa forte dependência dos conceitos e da razão sobre o corpo e o processo imaginativo da metáfora, imagens, metonímia, protótipos, frames e mapas – espaços mentais e categorias radicais – instiga o repensar de pressupostos já cristalizados e que permeiam a vida humana.

Segundo Brown e Yule (1983), frame, script, events, scenarios e schemata65 referem-se à organização do conhecimento na memória. Minsky (1975) aplicou o termo frame em estudos da Inteligência Artificial. Inspirado na armazenagem de dados do computador, a noção de frame foi transportada analogicamente para os estudos sobre a armazenagem de conhecimentos da memória humana. Um frame contém nódulos (slots) em

65 Frames, script, eventos, cenários e esquemas.

sua estrutura, que são preenchidos com elementos (fillers), os quais poderão ser obrigatórios ou opcionais. Na linguística, no entanto, Prestes e Finato (2004) explicam que um frame é um esquema textual, um módulo cognitivo global e, quando acionado, ativa elementos da mente do interlocutor. Os elementos de um frame podem fazer parte de outro frame. Por exemplo, o frame “bolo” pode ser elemento constitutivo do frame “aniversário”, como também do frame “festa” e “natal”, dentre outros.

Os frames representam conhecimentos comuns a uma dada cultura em determinada época. À medida que o indivíduo entra em contato com algum texto, contexto, informações ou quaisquer elementos relacionados eles são ativados em conformidade com a construção social, cultural e histórica dos participantes.

Um elemento de um frame poderá, por sua vez, construir um novo frame, com seus próprios elementos. O frame “festa”, que integra o frame aniversário, vem a ser outro frame, com elementos obrigatórios, como doces, bolos, balões, brinquedos, dentre outros. Para o ensino de LI, a construção de frames, além de criar a possibilidade de ampliar o conhecimento linguístico, respeita a individualidade de cada estudante, pois cada pessoa possui informações diferentes a respeito de cada palavra.

Ao construir um frame, o indivíduo cria associações das palavras com conceitos já formados em seu cognitivo. Forçar a pessoa à compreensão de um vocábulo, restringindo seu significado, sem que ela tenha sua construção prévia, incorre-se no risco de não haver aprendizagem. Isto pode ocorrer sistematicamente, a começar por conceitos básicos, ampliando a dificuldade quando o sujeito se deparar com conceitos abstratos. De tal modo que, ao construir um frame, é estabelecida uma rede que liga e conecta os conhecimentos armazenados. São ativadas as estruturas de conhecimentos pré-existentes na memória e, a partir de estímulos, o processo de ajustamento do frame também é ativado. Essa movimentação permite que o aprendiz compreenda a informação, a qual, uma vez conhecida, serve como suporte para a realização de inferências em busca de sentidos para a informação desconhecida. Não são entidades fixas nem estanques, mas são influenciadas pelo conhecimento de mundo do estudante e sofrem alterações constantes – o que possibilita o preenchimento de nódulos vazios. Cada frame possui pelo menos um frame hierarquicamente superior e, portanto, constitui uma base com organismos pré-existentes.