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Tecnologia digital no ensino-aprendizagem de inglês

CAPÍTULO 3 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: DESAFIOS NO

3.1 PRIMEIRO MOMENTO DA ANÁLISE: AMBIÊNCIA DA

3.1.4 Tecnologia digital no ensino-aprendizagem de inglês

O atual e o virtual fluem um no outro, e enquanto o virtual se objetiva no atual, a ideia se objetiva no conceito, o movimento é pontuado por acontecimentos que podem se expressar em alguns casos por evidências e em outros por hiatos. Multirreferenciar-se nessa Ambiência, inserir-se nesse movimento, aprender os acontecimentos, é o propriamente chamado Movimento de aprendizagem.

(CATAPAN, 2001, p 04) As tecnologias digitais são propulsoras das mudanças que chegam ao dia a dia das pessoas de todas as classes sociais, culturais e econômicas em escala global, demandando um novo “movimento de aprendizagem” (CATAPAN, 2001, 04). Determinados segmentos recebem e aceitam esse evento com mais facilidade e dele fazem uso, melhorando a qualidade de vida em todas as suas esferas. Porém, em particular o sistema educacional, incluindo professores, diretores, supervisores e pedagogos atuam com descrença, dúvida e preocupação e, com isso, tolhem potenciais benefícios pessoais e profissionais que esse bem é capaz de proporcionar. Por não

Neste sentido, o sistema de ensino é obrigado a viver em uma eterna contradição: a

variedade falada pelos alunos não deve ser discriminada, porque é também um instrumento de autoposicionamento e de afirmação individual como membro de um grupo específico dentro de toda a sociedade, mas o sistema de educação deve promover o uso de uma variedade padrão, uma vez que as vantagens que os alunos vão ganhar com isso são evidentes (tradução nossa).

terem o domínio necessário para assumir o controle das circunstâncias, se afastam desse movimento mesmo sendo, em grande parte, responsáveis por ele.

Os professores, que majoritariamente lidam com crianças, adolescentes e jovens, se recusam, via de regra, a introduzir as novas tecnologias no ensino-aprendizagem. Até certo ponto, isso é compreensível pelo fato de sua formação ter sido completamente diferente das demandas de hoje. Para muitas pessoas e, principalmente, para o próprio professor, ele é o detentor absoluto do saber e não pode demonstrar fraqueza perante os estudantes. Como lidar com tecnologias não faz parte do seu mundo, nem da sua formação, fugindo do seu domínio, prefere insistir no padrão antigo, “que sempre deu certo”, por falta de alternativas.

Na maioria, os professores de hoje são jovens que tiveram uma formação acadêmica concebida na perspectiva de realidades uniformes, de uma história formatada linearmente e de um sistema de ensino alinhado, dentro de uma epistemologia nominalista/mentalista. Hoje, ensinar e aprender exige a compreensão do sincronismo entre as possibilidades que se bifurcam constantemente e jorram informações como cascatas no dia a dia dos ambientes digitais, que, segundo Murray (2003), desenvolvem seus próprios formatos narrativos.

Na contramão desse movimento, o professor ainda demonstra seu apego incondicional ao livro didático e ao material impresso ao mencionar as causas da não aprendizagem do inglês – “falta de materiais didáticos, livros, literatura e dicionários” (PF2, NC, 2012). Diferentemente do que defendem os professores o leitor, aprendiz de hoje, tem livre acesso às mais distintas fontes de informação, a outras formas de encadeamento do conhecimento muito mais ricas e divertidas se comparado às limitações do livro didático. É um novo “Movimento de aprendizagem” (CATAPAN, 2001) que se confronta com o antigo, com o mundo de conteúdo impresso vivido pelo professor.

Para Wiley (2002), a tecnologia é um agente de mudanças e as inovações tecnológicas podem resultar em grandes transformações. Para que essa transformação chegue à escola, é necessário, primeiramente, transformar o professor. Na medida em que os professores compreenderem a via de aproximação de realidades tão distintas existentes nas escolas entre eles e os estudantes, segundo Prensky (2001) – os nativos e os imigrantes digitais – e que isto é proporcionado pela utilização da Tecnologia de Comunicação Digital, eles renascem para uma nova autonomia. A TCD agrega grande diversidade de atividades, com capacidade interativa e participativa, envolvendo mecanismos cognitivos para a inserção do sujeito

no mundo, dando vazão para a compreensão, interação e construção do conhecimento.

Pelo relato dos professores, mesmo que não disponibilizem de espaços modelos, pode-se dizer que as Escolas Públicas não estão apartadas do processo digital – não estão totalmente desprovidas de ferramentas eletrônicas. É possível, em alguma medida, realizar a interação dos estudantes com o mundo digital e, consequentemente, com a realidade externa da sala de aula, utilizando-se dos equipamentos já disponíveis. Todas as escolas pesquisadas contam com aparelhos que possibilitam a interação digital. É um claro sinal de início de mudanças. Neste quesito, foi constatada diferença entre as escolas mantidas pelo estado e as mantidas pelos municípios. Em todas as salas de aula das Escolas Estaduais (do 6o ao 9o ano e Ensino Médio) existe um aparelho de TV Pen drive, que possibilita a utilização de boa diversidade de ODEA, além da disposição de outros equipamentos de uso mais geral, como DVD, CD, multimídia, rádio, computadores e laboratórios de informática.

Vale lembrar que o uso do laboratório necessita de uma gestão adequada e compartilhamento de informações para o seu bom funcionamento, pois o professor precisa demonstrar a importância de sua disciplina e a necessidade de ocupar esse espaço. A gestão em relação ao espaço físico é a mesma para ambas as instituições. O que se observa, porém, é que as Escolas Públicas Municipais contam com menor volume de equipamentos tecnológicos. Em comum, todas têm um laboratório de informática para ser compartilhado entre as diversas disciplinas. É um cenário animador, que não mais alimenta o álibi da total carência de equipamentos – desculpa constantemente usada para manter os estudantes distantes das atividades ligadas ao ciberespaço. Neste momento, fica mais evidente a deficiência de metodologias e de práticas adequadas do que, propriamente, de equipamentos eletrônicos.

Quando solicitados a responder sobre que mídias digitais utilizam nas aulas, os professores afirmaram usar, preferencialmente, “livros didáticos, apostilas e dicionários” (PF1; PF2, Q, 2010). Isto denuncia e comprova a ausência de conhecimento do que seja uma mídia digital e os benefícios que podem trazer para a aprendizagem da LI. Esta carência de domínio dos bens digitais é mais uma razão para reforçar a ênfase na prática da leitura e da escrita. É uma ocorrência que desnuda o medo dos docentes de se desprender de métodos já ultrapassados para os dias de hoje, pois seguem incrustados nas práticas tradicionais, limitando a busca de uma nova forma de ensinar.

Um evento está intimamente ligado ao outro. O desconhecimento do que seja mídia interativa e tecnologia digital e de como utilizá-las em

benefício da aprendizagem leva o docente a se prender em práticas antigas ligadas a abordagens vinculadas a uma noção de transmissão de conhecimento e de ênfase em habilidades linguísticas que não respondem às exigências dos dias hodiernos. Ao serem indagados sobre “qual habilidade linguística é mais enfatizada em suas aulas” (PF1; PF2, Q, 2010), quase a totalidade respondeu enfatizar a escrita e a leitura, como demonstra a figura 15.

Figura 15. Gráfico que representa as habilidades linguísticas enfatizadas pelos

professores pesquisados.

Dos 30 professores que responderam à pergunta sobre “qual habilidade linguística você enfatiza em suas aulas”, 47% disse dar ênfase na escrita, 43% na leitura e apenas 10% na audição e fala. Isso denota que a prática está vinculada estritamente a métodos ultrapassados, na contramão das exigências da sociedade moderna e, principalmente, do processo natural da aprendizagem de um idioma.

Ouvir e falar antecede a formalidade de ler e escrever. São habilidades que funcionam como porta de entrada de uma língua para o cognitivo humano e têm a base na imagem e no som como recursos primários. É o princípio para a construção da instrumentalização da linguagem. Segundo Piaget (1945), o ser humano não chega ao conhecimento sem passar pela linguagem natural, que é a base para a construção da linguagem formalizada (grifos nossos), em outras palavras, ao se referir à formalização da língua, (Howatt, 2004) usa a expressão “língua educacional” com o argumento de que, ao ensinar o idioma estrangeiro, a preferência da escola se dá pelo “inglês educacional” em detrimento do inglês “ocupacional”. O autor explica que o inglês

“ocupacional” atende a interesses comunicativos no idioma, seja por motivo de trabalho, religião, política ou lazer. Foca na informação cultural ao invés de programas estruturais. Já o inglês “educacional”, segundo o autor, destina-se ao propósito acadêmico, evidenciado no trato da leitura e da escrita acadêmica e não na conversação e na fala. Este estudo argumenta que o ensino-aprendizagem que valoriza linguagem natural/ocupacional leva o aprendiz de forma apropriada à linguagem formalizada – à linguagem educacional, conforme é mostrado na figura 16. Contudo, o processo inverso não constrói o caminho da aprendizagem da língua, permanecendo na repetição de formas e regras.

Figura 16. Linguagem natural equivale à linguagem ocupacional. Linguagem

formalizada corresponde à linguagem educacional

Argumenta-se, portanto, que a natureza digital amplia as linguagens, equilibrando a razão e a emoção, e ajuda no processo da linguagem natural, mesmo ocorrendo em um ambiente artificial. O caráter tecnológico digital cria aspectos interessantes da sonoridade, do visual e do verbal-oral que permeiam a linguagem. Influenciam os sentidos humanos e despertam aspectos da corporeidade na produção da linguagem e na aprendizagem indo além, segundo Santaella (2009), de constituições isoladas do lógico e do cognitivo. Para Maturana (2009) o entrelaçamento do emocional e do racional constituem o ser humano e a construção da linguagem. Este é o caminho da construção da linguagem natural, que pode ser duplicado na escola pelo meio procedimental e hipertextual da tecnologia digital.

“A falta de interesse dos alunos pela disciplina” também aparece como fator causador da não aprendizagem, na voz dos professores. Em vez de suscitar a preocupação para descobrir o motivo da falta de interesse, os professores preferem dizer que, por si só, o desinteresse é causador do insucesso. A postura dos docentes retrata o repasse do conteúdo da forma como eles – professores – aprenderam; ou seja, o ensino por meio de uma abordagem nominalista/realista estrutural, instrumentada em métodos como Linguagem Natural Linguagem Formalizada = =

Gramática e Tradução, Método Audiolingual, Método da Leitura e, hoje, Gêneros Textuais. Todos se assemelham. O primeiro método tem por objetivo “promover o conhecimento da leitura na LE por meio do estudo da gramática e aplica esse conhecimento na interpretação de textos com o uso do dicionário” (HOWATT, 2004, p. 131). Já o segundo objetiva a comunicação por meio do condicionamento e da formação de hábitos linguísticos. A ênfase está nas estruturas linguísticas, que são apresentadas por ordem de complexidade. O terceiro se preocupa com a “compreensão da leitura, [...] ensina-se a gramática relevante e útil para a compreensão da leitura e uma atenção mínima é dada à pronúncia” (TOTIS, 1991, p. 26). O último prega “o trabalho com textos [...] para comunicar-se com eles, para lhes conferir sentido, na perspectiva de uma leitura crítica” (PARANÁ, 2008, p. 229).

Diante da forma de trabalhar nas aulas de LI, fica difícil ao jovem de hoje, inserido na linguagem digital, despertar seu interesse por conteúdos estruturados apenas na rigidez do texto escrito e na estrutura da língua. Mesmo que todas as exterioridades da sociedade digital atinjam as pessoas com seus apelos em que o atual e o virtual fluem um no outro (CATAPAN, 2001) o ensino-aprendizagem de inglês se encontra na opacidade e rudeza da categorização clássica da realidade – as palavras são decalques da realidade. Assim se apresenta o ensino da língua, o qual transparece que o conceito é retratado como etiquetas representando o acontecimento ou a coisa e ignora-se que a “mente é corpórea” (VARELA; THOMPSON; ROSH, 1991, p.31). Desconhece-se que a linguagem é construída pelas ações das experiências pessoais de cada indivíduo. Aproximações e também os distanciamentos de proposições circundam a compreensão da linguagem e se mesclam entre si no processo de ensino-aprendizagem, ainda nos dias de hoje.

O ensino de inglês traçou caminhos intensos e densos dentro de uma epistemologia, que por um lado, olhou o conhecimento externo observável – exógeno – com a compreensão de que a interação do organismo com o meio, por meio do condicionamento, cria hábitos linguísticos e o ambiente é responsável pelo desenvolvimento da linguagem no indivíduo. Por outro lado, valorizou a ideia do conhecimento inato – endógeno – segundo Fialho (2011), delineado no âmbito interno da mente do indivíduo. Contudo, as mesmas tecnologias de bens duráveis – a escrita – foram o suporte desses pressupostos, assim como a língua entendida como veículo de transmissão de conteúdo, os conceitos entendidos como representações da linguagem e esta como a duplicação do real, sendo a língua o espelho do mundo. O significado de uma expressão linguística é, portanto, a parcela da realidade que ela representa. É a visão clássica de categorização humana que ainda

permeia o ensino-aprendizagem de inglês em Escolas Públicas, conforme mostrado na figura 17.

Figura 17. Concepções de linguagem que permearam o ensino de Língua Inglesa.