• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 OS CAMINHOS DA LINGUAGEM: SER, PENSAR E

2.5 COGNIÇAO, EXPERIÊNCIA HUMANA E CONSTRUÇÃO DE

2.5.1 Conhecimento como manipulação de símbolos

As ciências cognitivas apresentam-se em duas gerações – duas abordagens definidas – com dois diferentes postulados filosóficos. A primeira geração centra-se na ideia de que a mente é representada pela computação simbólica. Aceita a visão de que a razão é descorporificada e literal, como na lógica formal ou na manipulação do sistema de signos. A segunda geração, no entanto, apresenta a noção de “mente corporificada” – uma forma universalizada e abrangente de compreender o papel da mente, do corpo, do conhecimento e da linguagem na construção do sentido.

No cognitivismo clássico a mente não foi estudada em termos de funções cognitivas. Ignorou-se qualquer evidência de que determinadas funções surgem a partir do cérebro e do corpo. Esta geração assumira o estrito dualismo no qual a mente foi caracterizada em termos de funções formais, independente do corpo. Esta concepção defendeu duas posturas relativas ao significado: o significado é o que os símbolos podem computar e é definido inteiramente em termos de relações internas entre símbolos.

O núcleo das ciências cognitivas concentra-se no “cognitivismo39”. A orientação mais importante do “cognitivismo clássico” é a computação digital. Uma ação computacional é uma operação executada com base em “símbolos” – elementos que representam aquilo que se pretende exteriorizar. Essa fase do cognitivismo consiste na hipótese de que a cognição humana é a manipulação de símbolos nos moldes da execução dos computadores digitais. Isso significa dizer que a cognição é uma “representação mental”.

Para os cognitivistas, o comportamento inteligente pressupõe a capacidade de representar o mundo como se tudo fosse preciso e exato. Na medida da maior ou menor precisão da representação de uma situação, o comportamento do estudante terá maior ou menor sucesso – partindo do princípio de que todos os parâmetros são constantes. Assim “a única forma de se dar conta da inteligência e da intencionalidade é a hipótese de que a

39 O cognitivismo foi considerado por Haugeland como a “natureza e plausibilidade da cognição”. É também compreendido como paradigma simbólico ou abordagem computacional (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 29).

cognição consiste num atuar com base em representações fisicamente realizadas sob a forma de um código simbólico no cérebro ou numa máquina” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 70).

Essa concepção teórica não explica fenômenos atribuídos a estados intencionais ou a representações como crenças, desejos e intenções relacionadas com as transformações físicas sofridas pelo aprendiz no decorrer de sua ação.

Para os cognitivistas, a inteligência e a intencionalidade são físicas e mecanicamente possíveis. Sua hipótese é de que os computadores fornecem um modelo mecânico de pensamento, que consiste em computações físicas de natureza simbólica. Para a computação simbólica40, os símbolos são físicos e contêm valores semânticos. O nível simbólico é realizado fisicamente. Constitui dizer que o mesmo símbolo pode ser representado em diferentes formas físicas, como, por exemplo, o símbolo gráfico da letra, “A” em português, que pode ser a, A, a, α – com o som de [α, ã41].

A hipótese cognitivista defende um argumento forte sobre as relações entre sintaxe e semântica. Segundo Varela, Thompson e Rosch (1991), num programa de computador a sintaxe do código simbólico reflete ou codifica a sua semântica. No caso da linguagem humana, está muito longe de ser óbvio que todas as distinções semânticas relevantes numa explicação possam ser refletidas sintaticamente. A hipótese cognitivista tem na Inteligência Artificial – IA – a sua interpretação mais literal.

Por muito tempo, o cognitivismo foi tomado como verdade absoluta e influenciou definitivamente a pedagogia escolar. Contrariamente, hoje as vicissitudes relacionadas à cognição divergem dessa linha básica, notadamente no que se refere ao processamento de símbolos como meio apropriado para as representações e, igualmente, no que se refere à adequação da noção de representação.

40 As computações são operações com símbolos que são limitadas por valores semânticos. Uma computação é fundamentalmente semântica ou representacional. Não podemos ajuizar a ideia de computação (em oposição a alguma operação aleatória ou arbitrária com símbolos) sem fazermos referência às relações semânticas entre as expressões simbólicas. No caso de um computador digital, a operação do símbolo é apenas física, sem acesso ao valor semântico. As suas operações são semanticamente constrangidas, dado que cada distinção semântica relevante para o seu programa foi codificada pelos programadores na sintaxe da sua linguagem simbólica. No caso do computador, a sintaxe ou se reflete ou é paralela à semântica (atribuída) (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 70).

41 A vogal nasalizada correspondente a [a] tem sido transcrita de forma diferente por diferentes autores. Esta pesquisa adota o símbolo [ã] com base em Silva (2010).

A filosofia da mente, representada na teoria de Fodor (1983), reaviva postulações básicas do cartesianismo – abraça o materialismo, admitindo a existência de estados e causas mentais, como crenças e desejos na interação entre indivíduos que só podem ser explicadas em termos de “linguagem do pensamento”. A linguagem do pensamento, em sua proposta, é uma hipótese que converge para a existência de uma linguagem inata abalizada em um sistema de representações simbólicas, a qual realiza os processos cognitivos. A computação desses processos cognitivos seria realizada por uma linguagem do pensamento inata aos seres humanos. A analogia da mente com um computador significa que os mesmos princípios encontrados na computação digital são aqueles encontrados na realização física dos processos cognitivos do cérebro – um manipulador de símbolos que segue instruções sequenciais para realizar funções que computam dados de entrada (input) e imprimem dados de saída (output).

A Hipótese da Linguagem do Pensamento defendida por Fodor foi introduzida no contexto das ciências cognitivas e está comprometida com a ideia de que os processos mentais são computações – e computações são sequências – de objetos semânticos baseadas em regras que se aplicam aos símbolos em virtude de seus conteúdos. A realidade mental é concebida como um sistema interno de representações que possui uma sintaxe semelhante a uma linguagem e a uma semântica composicional42. Nessa visão, a maior parte do pensamento está fundamentada em representações semelhantes a palavras, pois são símbolos dotados de significado.

Para esse modelo, o processamento cognitivo nada mais é do que manipulações dessas estruturas e símbolos, com base em certas regras. Para esse postulado, a existência de regras é essencial. São as regras que determinam combinações de estruturas simbólicas e a produção de novas estruturas, isto é, o processamento da informação se dá a partir de regras formalizadas linguisticamente (FINGER, 2008, p.152).

42 A semântica composicional se ocupa com a variação do sentido das palavras com a observância do contexto linguístico. Uma interpretação semântica composicional compreende o sentido de uma dada palavra levando em conta a composição das frases em que essa palavra ocorre. Ex: a) Deixei minha filha na escola. b) Ele não me deixa tranquila. c) Deixaram as crianças viajar. “Deixar” carrrega os significados de: a) colocar aos cuidados de; b) importunar, incomodar; c) consentir, permitir.

Influenciados por essa concepção, linguistas, filósofos e psicólogos simbolistas advogam por um nível simbólico de representação. A mente humana apresenta estados representacionais – símbolos – que possuem estruturas semânticas e sintáticas combinatórias. Essas representações mentais ou simbólicas são estruturadas automaticamente ou se combinam entre si para formar estruturas mais complexas.

No entanto, na década de 1980, paralelamente a esses estudos, inicia- se o questionamento da categorização clássica da linguagem. Essa ecologia do conhecimento passa a ser compreendida de forma que o homem, ao usar a língua, exerce papel significativo na construção do sentido. O conhecimento não é compreendido como fenômeno preestabelecido na mente e tampouco como informação exógena que o meio proporciona, mas que mente e corpo comungam da mesma esfera de sentido.

2.5.2 A ciência cognitiva da mente corporificada: projeções corporais,