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CAPÍTULO 2 OS CAMINHOS DA LINGUAGEM: SER, PENSAR E

2.7 O METABOLISMO DAS LINGUAGENS: LÍNGUA, CORPO E

A sociedade pós-moderna77 tem contato com um mundo sígnico de grandes proporções. Informações de toda ordem ao alcance das pessoas põem a percepção à prova a todo instante. Esse fenômeno não escolhe tempo nem espaço, atingindo, indistintamente, todas as classes sociais, culturais e econômicas. A mensagem arrebata o indivíduo por meio de recursos visuais, orais e auditivos; porém, imagem e som são os recursos primários e básicos nesse universo – que permitem entender que “o viver humano se dá em um contínuo entrelaçamento de linguagem e emoções, que se alteram de acordo com a interdependência entre esses aspectos” (FIALHO, 2011, p. 278).

A revolução industrial efetivou o processo sígnico da escrita. Já, os adventos da eletrônica e da tecnologia digital mudaram o perfil predominante e formal dessa invenção. A escrita perde seu domínio no ambiente digitalizado e hipertextual e o conhecimento torna-se mais flexível e fluído. No entanto, contrariando este processo de transformação – originado a partir da intensificação das trocas, das migrações e dos empréstimos, ou seja, com intenso metabolismo e volatilidade – o sistema formal de ensino concebe as diferentes linguagens de forma separada. Ao centrar a ênfase na escrita, ignora-se que, “na vida, a mistura e a promiscuidade entre as linguagens e os signos é a regra” (SANTAELLA, 2009, p. 27).

A língua é viva, se move e se alimenta do contexto, não tendo nenhuma censura da razão. Ela não é estática, nem exata e nem lógica e, com isso, mais e mais alimenta a emoção. As novas tecnologias incitam a expressão da emoção – do que sentimos, sonhamos e queremos. É uma inundação de dados neurobiológicos, que permitem a expressão do estado emocional. Para Fialho (2011),

77 A sociedade pós-moderna é também conhecida como sociedade do conhecimento e sociedade da informação.

Nossas ações na linguagem mudam ao mudarem nossas emoções e nossas emoções mudam ao mudarem nossas ações na linguagem. Isto significa que só conhecemos quando há pré-disposição emocional e interações congruentes na linguagem (FIALHO, 2011, p. 278).

Com as tecnologias digitais, o poder multiplicador e proliferativo das linguagens se amplia e altera os registros físicos de fragmentos do mundo, abrigando as imagens sintéticas e a realidade virtual. Assim, universos visuais e sonoros são capturados e disponibilizados em programas e dispositivos digitais. Esse universo lança desafios, principalmente para os adeptos de uma visão estreita da linguagem e do ensino de línguas.

A natureza midiática propicia a hibridização de sistemas sígnicos e a ampliação das linguagens e conecta mente e coração ao equilibrar razão e emoção no ambiente de estudo. Com esta circularidade se pretende refletir sobre a multiplicação deste fenômeno, que requer uma nova postura do professor e dos administradores do ensino formal, incorporando ao mundo da escrita as outras formas de linguagem advindas do mundo tecnológico, digital e virtual. Segundo Santaella (2009), a complexidade do real exige teorias à sua altura.

Os aspectos da sonoridade, do visual e do verbal-oral sustentam e permeiam a linguagem. São características relacionadas à percepção e influenciam os sentidos humanos. Com efeito, a habilidade oral é a mais abstrata e depende do bom uso de diferentes sentidos, enquanto que a visual ampara-se no sentido da visão e a sonora, no sentido auditivo. As habilidades sonora e visual alimentam a oralidade. É o corpo todo atuando na compreensão e na produção da linguagem, indo além do alicerce lógico e cognitivo que determinam a “constituição isolada do verbal, do visual, do sonoro e de toda a variedade dos processos sígnicos que eles geram” (SANTAELLA, 2009, p. 29).

Esta pesquisa, portanto, busca compreender o processo da passagem do nível lógico e cognitivo para o nível de manifestação das mensagens, validando que o “output78” – a mensagem proveniente da interação do

78 O output – produto – é o resultado da compreensão da mensagem. É a amostra da aquisição da linguagem por meio da exposição do aprendiz. Para Krashen (1982), o

output é importante por influenciar a quantidade e a qualidade do input. O aluno

que interage com os demais participantes da sala de aula está, com sua fala, oferecendo mais input e, por estar conversando, está também demandando mais

sujeito com o meio – se dá através da comunhão das linguagens verbal, visual e sonora. Por isso, o método de ensino a ser proposto compreenderá as linguagens manifestadas, de modo que o sentido possa servir de mediação entre o “input79” e o “output” na aquisição da língua estrangeira.

Significa dizer que “os elementos de todo conceito entram no pensamento lógico pela percepção e dele saem pela ação”. Dessa forma, a relação inseparável entre linguagem e pensamento é acrescida pela “percepção” –“pensamento, signos80

e percepção são inseparáveis [...], não há pensamento81 sem signo” (SANTAELLA, 2009, p.55).

Aprender é uma atividade que passa tanto pela inteligência intelectual quanto pela emocional. Ambas se refletem na entidade física e interagem com o meio. A emoção tem papel essencial no fator psíquico. O estado emocional orienta o indivíduo na tomada de decisão diante das mais diversas situações, como, por exemplo, diante de indicativos de perigo ou dor, ou diante da exposição frente a uma plateia. Cada tipo de emoção vivenciada predispõe a pessoa para uma ação contígua. Nesse ínterim, se aprende e se ensina. Tanto para um quanto para outro estado, são usados aspectos físicos e mentais que constituem a corporeidade. A concepção do vivo, por Maturana (2009) – dos seres humanos como sistemas fechados, operacionalmente autopoéticos e estruturalmente determinados – mostra que emoções são fenômenos próprios do reino animal onde os “humanos”

66 Segundo Krashen (1982), os aprendizes adquirem uma língua de uma única

forma — por meio da exposição que o autor chama de insumo compreensível (comprehensible input). Se os insumos (input) contiverem formas e estruturas um pouco além do nível atual de compreensão da língua (i+1) ocorre a compreensão e a aquisição. A hipótese prevê que existe apenas uma forma de se adquirir a língua: compreendendo mensagens, isto é, recebendo input compreensível.

80 Segundo Santaella (2009), Peirce levou a noção de signo a uma reação física ou comoção psíquica, até mesmo a uma mera qualidade incerta de sentimento. Isso significa não restringir o pensamento à sua forma exclusivamente verbal ou até mesmo proposicional (SANTAELLA, 2009, p. 55).

81 A palavra pensamento, como extensiva a signo, deve ser entendida como qualquer coisa que esteja presente na mente, seja ela de natureza similar a frases verbais, a imagens, a diagramas de relações de qualquer espécie, a reações ou a sentimentos – isso deve ser considerado como pensamento.

se encontram. A condição humana se constitui e se diferencia justamente pela linguagem, no entrelaçamento do racional com o emocional.

A linguagem é exercida e se concretiza devido ao movimento corporal dos sentidos. Assim, os órgãos do sentido82 têm a função de transformar os sinais físico-químicos (SANTAELLA, 2009) em sinais elétricos, transmitidos ao sistema neurológico. Os sentidos – a visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar – atuam de forma complementar, colaborando com o intelecto, com o cognitivo; são sensores que percebem e distinguem as informações, promovendo a interação com o meio externo. Os sentidos captam as informações externas que o ambiente fornece e reportam aos neurônios para processar, ligar, registrar e construir a aprendizagem. Para Romanelli (2003), esses fenômenos constituem a base para se compreender as sinapses.

Aprender línguas é um passeio tanto pelo racional quanto pelo emocional. Ambos os estados cumprem funções importantes no processo de constituição da linguagem. O mesmo ocorre quanto à aprendizagem de línguas estrangeiras. Uma língua possui determinada estrutura formal e racional que lhe dá sustentação, a qual necessita ser compreendida e executada para que efetivamente haja a comunicação. É o aprendizado das regras linguísticas, postado no uso da razão. O ensino formal tem sua base na escrita, com foco na estrutura do idioma e, por consequência, essencialmente na razão – o que exclui o “emocionar humano”.

Da mesma forma, é necessário o envolvimento da emoção na manifestação e uso da língua, uma vez que a fala é característica instintiva do ser humano e o instinto está longe de ser racional. É um fenômeno que flui naturalmente, sem o cerceamento, nem a vigilância da razão. Esta atua preponderantemente na correção das regras linguísticas. “O humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional. O racional se constitui nas ocorrências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações” (MATURANA, 2009, p.18). Maturana ainda argumenta que

Dizer que a razão caracteriza o humano é um antolho, porque nos deixa cegos frente à emoção, que fica desvalorizada como algo animal, ou como algo que

82 Em seu trabalho de categorização, Aristóteles estabeleceu os tradicionais “cinco sentidos” (visão, audição, tato, olfato e paladar). Porém, hoje se discute essa limitação sob o argumento de que outros sentidos, de certa forma derivados dos já estabelecidos, exercem função importante no processo do conhecer humano.

nega o racional. Quer dizer, ao nos declararmos seres racionais demonstra que vivemos em uma cultura que desvaloriza as emoções, e não vemos o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção que constitui nosso viver humano, e não nos dá conta de que todo sistema racional tem um fundamento emocional (MATURANA, 2009, p. 15).

Emoção e razão, igualmente, constituem um corpo sistêmico que executa procedimentos físico-químicos por meio dos quais a informação oriunda do ambiente externo é transformada em sinais nervosos e chega ao cérebro.

De acordo com Santaella (2009), o conhecimento sobre objetos, a categorização de elementos, o movimento, a luz e as ondas sonoras passam por sentidos “químicos, mecânicos, fisiológicos e psicológicos”. Os elementos químicos se referem ao paladar e ao olfato, os mecânicos estão conectados ao tato e à audição e os fisiológicos e psicológicos conectam-se diretamente à visão. Todos contribuem sistematicamente para o conhecer. Nas palavras de Romanelli (2003), “o ato de aprender exige sempre um estímulo externo – a informação – que é captada pelos órgãos de sentido, habilitados a transformar esse estímulo de natureza físico-químico em impulso nervoso de natureza fisiológica”.

A percepção de sensações acontece por todo o corpo. Não se restringe apenas aos “órgãos do sentido” classicamente categorizados. Todo o corpo está suscetível a sentir, perceber, reconhecer e aprender. Biologicamente, as emoções são disposições corporais que determinam ou especificam domínios de ações (MATURANA, 2009, p. 16). O vento que toca a face e os braços, dando a sensação de frescor; o calor, que em dias de verão faz o corpo transpirar; a luz e a escuridão, que causam sensações agradáveis ou de espanto e medo. Eventos desse tipo promovem sensações que, uma vez capturados pelo corpo, através dos diversos sentidos, são levadas como informações ao cérebro, desencadeando partículas de aprendizagem. É o corpo atuando na formação da linguagem humana. Por ser tão particular, cada sujeito constrói sua própria linguagem.

Os objetos não são vistos somente por intermédio da extração visual de suas características, mas, antes, pela orientação visual da ação; igualmente, o olfato, o paladar, o tato e a audição estabelecem relação entre a percepção e a ação. O cheiro, por exemplo, representa uma forma criativa de atuação de significados com base na história corporalizada do sujeito. Segundo Varela, Thompson e Rosch (1991), as estruturas cognitivas

emergem dos tipos de padrões sensoriomotores recorrentes que permitem que a ação seja guiada perceptualmente.

Desse modo, crê-se que a mente é corpórea e a linguagem é construída pelas ações da mente e do corpo. A relação entre pensamento e linguagem pode se manifestar por meio de suportes internos e externos ao corpo. Para exemplificar, o aparelho fonador e os órgãos auditivos responsáveis pela articulação do som e por sua captura são intersticiais, pois se localizam no próprio corpo. Já, os desenhos, a escrita, a pintura e as interpolações midiáticas são elementos externos através dos quais a linguagem se corporifica.

Santaella (2009) ilustra que, além dos sentidos categorizados classicamente, o corpo humano conta com um conjunto interligado de órgãos sensórios. Para a autora, a percepção espacial, por exemplo, depende de fatores monoculares e binoculares83. A percepção do movimento depende da sensação cinética, que são atividades motoras percebidas pela recepção através do tato e da visão. São sensações que resultam do estímulo de receptores especiais chamadas proprioceptores e

Estão distribuídos nos músculos, tendões, ligamentos e articulações do corpo humano e atingem o grau máximo de desenvolvimento na mão humana, o que permite apreciar a forma dos objetos mesmo sem vê- los. O movimento da mão na escrita e o controle da articulação da fala também são cinéticos (SANTAELLA, 2009, p. 76).

A sensibilidade dos órgãos de sentido funciona como receptora e perceptiva. Forma o sistema de orientação, exploração, seleção, organização, investigação e extração. Por isso, são considerados órgãos de aprendizagem perceptiva, performativa e adaptativa. Para Gibson (1966),

Isso só se tornou possível porque o ser humano desenvolveu extremidades móveis e órgãos de sentidos ajustados que, por isso, podem modificar entradas de estímulos de dois modos: movendo tanto os órgãos motores, estes chamados de performativos ou executivos, quanto órgãos sensórios do corpo,

83 Fatores monoculares – referem-se àquilo que se percebe com a ajuda de cada olho separadamente: superposição, brilho, elevação, distinção de contorno. Fatores binoculares – referem-se à atuação dos dois olhos – o cérebro infere a localização do objeto (SANTAELLA, 2009, p. 75).

estes chamados de exploratórios ou investigativos. O perceptor humano não espera passivamente pelos estímulos, ele os busca numa percepção ativa do mundo. A entrada de estímulo no sistema nervoso tem, assim, dois componentes: os que são independentes do observador e os que dependem dos movimentos dos olhos, cabeça, mãos e corpo. Os olhos, ouvidos, nariz, boca e pele são moventes, voláteis. [...] Nossas sensações não dependem de receptores atomizados, mas de uma sobreposição funcional de sentidos (GIBSON, 1966, p.32, 33). Os sistemas perceptivos são órgãos de atenção ativa, suscetíveis de aprendizagem (SANTAELLA, 2009, p. 78). Atenção, observação e prática podem permitir a apuração das ações executadas por meio desses órgãos. A audição cuidadosa permite a identificação de aspectos mais sensíveis de um som, como altura, ritmo, extensão e até mesmo o local e o modo de produção. O aumento da sensibilidade e da capacidade de captação ocorre com todos os demais sentidos quando expostos a mais atenção.

Os sentidos exercem uma espécie de interação e de sobreposição das linguagens. A visão leva à compreensão de palavras escritas ou de imagens que produzem efeitos semelhantes aos do cheiro, do tato ou do gosto. O gosto agridoce de uma fruta, por exemplo, produz salivação. O toque sentido por meio de um abraço que envolve o corpo produz a sensação de calor. São metáforas primárias, apreendidas além de palavras e sons, uma vez que “a metáfora emprega e impregna a vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação” (LAKOFF; JOHNSON, 2009, p.39). O sistema conceitual ordinário, em termos do que pensamos e atuamos, é fundamentalmente metafórico.

A combinação do dom da manipulação e da imaginação talvez possa explicar o fato de que quase sempre pensemos com o auxílio de metáforas, de pequenos modelos concretos, muitas vezes de origem técnica. A enumeração dos empréstimos que o pensamento dito abstrato (na verdade metafórico) fez aos modelos técnicos mais cotidianos não tem fim (LÉVY, 1993, p.71).

Os conceitos que regem o pensamento humano não estão ligados somente ao intelecto, mas também ao cotidiano e até mesmo aos detalhes mais simples da vida. O pensamento metafórico permite a combinação

entre a língua e os sentidos: a maneira como a pessoa sente, percebe e como se relaciona. Com efeito, os conceitos estruturam o que é percebido, o movimento do ser no mundo e a maneira como se estabelecem os relacionamentos. Dessa forma,

Nosso sistema conceitual, que desempenha um papel central na definição da realidade cotidiana [...], é, em grande medida, metafórica. Na proporção em que pensamos, experimentamos e o que fazemos a cada dia é em grande parte coisa de metáforas (LAKOFF; JONHSON, 1999, p.41).

Por conseguinte, não é a razão e sim a emoção que leva à ação. A emoção constitui o domínio de condutas onde se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro, sob a forma de convivência, e é essa convivência que é observada quando se fala no social. Para Maturana (2009),

O peculiar do humano não está na manipulação, mas na linguagem e no seu entrelaçamento com o emocionar. Desse modo, a comunicação se realiza quando a interação se constitui num fluir de coordenações de ações, pois a linguagem está relacionada com coordenações de ações consensuais; a linguagem é um operar em coordenações consensuais (MATURANA, 2009, p. 18).

Assim, questiona-se sobre que arquiteturas os Objetos Digitais de Ensino-Aprendizagem podem se apresentar para sugerir combinações possíveis entre os sistemas perceptivos humanos e as diferentes linguagens existentes hoje. E, também, de que forma esses dispositivos proporcionarão a integração necessária entre as linguagens do ciberespaço e a língua formal ensinada na escola.

Os ODEA podem integrar as “matrizes da linguagem” (SANTAELLA, 2009, p. 79) de modo que valorizem a sonoridade como a primeira habilidade. Como linguagem inicial desenvolvida pelo ser humano, é essencial no processo de desenvolvimento oralidade e da fala e, por consequência, da comunicação. A sequência de eventos, que desencadeia a aquisição da fala e da comunicação, será apresentada e defendida com a proposição de um método para ensino-aprendizagem de LE.

Um ODEA que tenha por função integrar as linguagens do mundo virtual com o contexto formal da escola, além da sonoridade, deve contemplar a linguagem visual com sua face figurativa, caminhando em direção à linguagem verbal-oral. Por consequência, a função verbal-escrita leva em conta a sinestesia, a acústica e as emoções no desempenho das linguagens do ensino formal. Existe uma lógica no encadeamento das matrizes da linguagem; uma serve de apoio à outra, que, em continuidade, influencia a que vem na sequência e, assim, sucessivamente, se completam de forma indissociável. Para Santaella,

A lógica implícita nas categorias também prescreve que, sendo a mais primordial, a categoria da primeiridade está na base, servindo de alicerce à secundidade, assim como esta alicerça a terceiridade. Então, a matriz sonora, em nível de primeiro, alicerça a matriz visual do mesmo modo que esta alicerça a matriz verbal. Isso também significa dizer que a matriz sonora preside a matriz visual-secundidade, do mesmo modo que esta preside a matriz verbal- terceiridade. Disso, ainda decorre que a secundidade, matriz visual, engloba a primeiridade, matriz sonora, enquanto a terceiridade, matriz verbal, engloba tanto a secundidade, a matriz visual, quando engloba, naturalmente, a primeiridade, a matriz sonora (SANTAELLA, 2009, p. 79).

Todavia, a observação do mundo real indica que o processo de ensino-aprendizagem segue caminhos opostos daquele que se pretender propor como adequado. O estudante, mesmo sem ter desenvolvido a habilidade auditiva, se vê forçado a compreender a linguagem verbal, oral e escrita – visual simbólica. O insumo (input) oferecido está distante da habilidade auditiva, primeiro suporte para a compreensão da mensagem falada. Ao deixar de abordar prioritariamente a sonoridade, fixa-se o aprendizado apenas nos pontos racional e intelectual do cérebro. Por isso, é fundamental questionar-se sobre que tipo de sonoridade se ensina nas escolas brasileiras quando se trata de uma segunda língua. Também sobre que conteúdos os aprendizes ouvem e sobre que tipo de insumo é feita a prática do professor.

Moraes (1983) divide a maneira de ouvir em três níveis: a) ouvir emotivamente, b) ouvir com o corpo e c) ouvir intelectualmente. Por meio da audição o indivíduo absorve os conteúdos de acordo com as próprias peculiaridades de seu universo. É impossível que todos os aprendizes de

uma sala de aula tenham os mesmos níveis de audição e, consequentemente, absorvam as informações da mesma forma e com a mesma qualidade. O processo de recepção se encontra fundado no histórico do interpretante da mensagem. Portanto, em uma sala de aula têm-se os diferentes níveis de audição, conforme descrito por Moraes. A tonalidade, o ritmo e a entonação da voz, da música e do canto podem ativar a audição emotiva.

Logo, ouvir com o corpo diz respeito a certo tipo de ação que é executada no ato da recepção – mexer os pés tentando encontrar o ritmo, bater as mãos nas carteiras ou estalar os dedos, cantar, contar, dramatizar, fazer mímica e articular sons, sílabas e palavras.

Por fim, ouvir intelectualmente significa incorporar princípios lógicos que guiam a recepção de um conteúdo. Essa é a habilidade mais usada em sala de aula e, se estiver cristalizada, então está dado o perfil lógico de atuação para o ensino. “Para aprender há que se considerar a estrutura determinada do ser” (MATURANA, 2009, p. 27). Com isso o autor que dizer que

Somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre nós, o que acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse momento e não de algo externo. “Somos sistemas determinados em nossa estrutura e, portanto, existem outros fenômenos que não ocorrem dentro do corpo e, sim, nas relações com os outros” (MATURANA, 2009, p. 27).

Estado emocional de sentir, explica Santaella (2009, p. 80), é o estado de espírito em que a pessoa se encontra em determinado momento – “cândida, porosa, despoliciada, com a sensibilidade esgarçada...”. Krashen