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A CIF como um referencial para a avaliação de necessidades individuais

Assim que os argumentos a favor da abordagem biopsicossocial para o desenvolvimento de uma estratégia nacional para as defi ciências e inca- pacidades tiverem sido aceites, a questão a analisar será que referencial conceptual melhor refl ectirá os princípios e valores do modelo biopsicos- social e proporcionará uma forma sistemática de caracterizar as neces- sidades e potenciais individuais e ambientais. Actualmente, não existe quadro mais apropriado e relevante do que a CIF para dar resposta a esta questão.

A CIF possui um conjunto de características que a tornam num refe- rencial ideal para suportar o desenvolvimento e implementação de pro- cessos de avaliação de necessidades (Who, 2002):

· Defi ne incapacidade como “uma interacção dinâmica entre a pessoa e os factores contextuais”, ao contrário das caracterizações estáticas e dicotómicas inerentes aos modelos do défi ce e social. Neste sentido, é ideal como base para a identifi cação de necessidades individuais po- tenciais e das barreiras e facilitadores existentes no ambiente.

· É uma parte integrante do sistema de classifi cação que inclui a Classi- fi cação Internacional de Doenças. Assim, diagnósticos primários e se- cundários podem ser facilmente incorporados na análise, usando uma combinação da CIF e CID 10.

· Proporciona uma forma sistemática de identifi car, não só a capacidade funcional do indivíduo, mas também as suas limitações na realização de actividades. Isto é crucial, visto que as pessoas com as mesmas de- fi ciências e incapacidades podem divergir signifi cativamente na forma como lidam com as actividades de vida diária, tais como os autocuida- dos e a comunicação.

· Possibilita uma forma igualmente sistemática de identifi car a extensão da infl uência que o contexto ambiental do indivíduo tem na sua perfor- mance, situando-a acima ou abaixo das suas capacidades. Por exemplo, a CIF permite que uma equipa avalie a maior efi cácia na comunicação de um aluno como resultado do uso de uma ajuda técnica, compara- tivamente ao que comunicaria sem apoio, e atendendo ao seu nível de funcionalidade. Similarmente, permite a uma equipa especifi car a extensão em que as atitudes da família da pessoa estão a actuar como um facilitador ou barreira.

· A linguagem da CIF é neutra, ao contrário da terminologia associada a muitas classifi cações baseadas em défi ces. Neste sentido, é mais acei- tável para os pais e alunos e mais fácil de entender pelos professores. · O sistema de classifi cação da CIF permite que uma equipa não especi- fi que simplesmente graus de potenciais, necessidades, barreiras e fa- cilitadores, mas que indique também os que são mais susceptíveis de mudar, seja por acção de intervenções promotoras da capacidade, seja através dos apoios a mudanças no ambiente.

· Refl ecte um conjunto de outras características importantes que fazem dela um referencial ideal para rever e analisar necessidades e poten- ciais individuais.

A CIF foi criada para descrever sistematicamente o funcionamento humano em geral e não apenas a incapacidade.

› É baseada num modelo universal de funcionamento e não num mo- delo que visa minorias.

› É integradora, visto que incorpora, não apenas aspectos médicos, mas também psicológicos e elementos sociais do processo de incapacidade. › Descreve um processo interactivo onde a relação entre função, activi- dade e participação não é progressiva e linear, mas aberta à mudança. › Incorpora o conceito de paridade, pois uma incapacidade funcional

que tenha origem num acidente ou num processo desenvolvimental é tratada independentemente da causa etiológica.

› É inclusiva e não atribui a incapacidade apenas ao sujeito.

› Tem aplicabilidade numa sociedade culturalmente diversa, porque os conceitos que incorpora não são particularmente baseados numa ideologia ocidental.

› Foi criada como uma ferramenta operacional para desenvolvimen- to de políticas, investigação e aplicações clínicas. Não deriva ape- nas de teoria.

› Foi criada para ser relevante para o ciclo de vida. Não é apenas diri- gida ao adulto, pelo que pode ser usada para perceber diferenças de desenvolvimento.

Uma das metas da CIF é proporcionar uma base científi ca para as con- sequências dos problemas de saúde. Uma das mais bem identifi cadas con- sequências de ter um problema de saúde em criança é, frequentemente, a interrupção da participação na educação. A CIF tem a fl exibilidade e o poder de identifi car as consequências educacionais de um problema de saúde, de forma a permitir o planeamento de soluções, apoios e interven-

O desenvolvimento da versão da CIF para crianças e jovens

Uma das principais desvantagens da aplicação generalizada da CIF no campo da educação especial tem sido a falta de uma versão para crianças. Este facto foi particularmente problemático, porque a versão para adulto não tinha em conta as diferenças de natureza e tipo de funcionamento das crianças, quando comparadas com adultos. Não é aceitável concep- tualizar uma criança como uma versão mais pequena de um adulto. As crianças estão num processo constante de mudança e progressão ao lon- go do desenvolvimento. De facto, na maioria das ferramentas de análise baseadas em normas para crianças, é necessário produzi-las separada- mente com intervalos de seis meses de idade, como a leitura, o QI, etc. É também verifi cável que as crianças e os adolescentes são muitas vezes restringidos pelos seus ambientes na participação em actividades de vida importantes, como beber álcool ou ir a uma discoteca. Os tipos de partici- pação e ambientes são muito diferentes para pessoas jovens.

Estas diferenças foram bem reconhecidas pela OMS, que requereu, em 2002, que a CIF fosse adaptada para uso universal nos sectores da saú- de, educacionais e sociais, para crianças e jovens. Deste modo, um grupo de trabalho procedeu às actividades necessárias entre 2002 e 2004 e os testes de campo ocorreram em 2005 e 2006. A aplicabilidade da CIF-CJ

(Lollar & Simeonsson, 2005) foi examinada usando quatro questionários com

diferentes grupos de idade: infância (0-2), primeira infância (3-6), infância média (7-12) e adolescência (13-18). Como resultado, a versão para crian- ças e jovens da CIF (CIF-CJ) foi publicada pela OMS em 2007. A CIF-CJ tem a intenção de facilitar a continuidade na identifi cação da funcionalidade, actividade e participação, bem como no papel que o ambiente desempe- nha nas transições que os seres humanos fazem desde a infância até à idade adulta. Visa também facilitar a comunicação entre profi ssionais, prestadores de serviços e pais.

A CIF-CJ tem potencial para ultrapassar alguns dos desafi os que a ava- liação e intervenção actualmente enfrentam na educação especial. Pri- meiramente, dada a sua estrutura, pode sublinhar diferenças funcionais entre crianças com o mesmo diagnóstico. Em segundo lugar, pode enfati- zar similaridades funcionais entre crianças com diagnósticos diferentes. Em terceiro lugar, pode diminuir o abismo entre a análise e a intervenção. Em quarto lugar, pode ser usada para documentar as mudanças como resultado das intervenções, não apenas na performance da criança, mas também no ambiente em que a criança se encontra inserida.

As modifi cações principais à versão de adulto da CIF (Ibragimova et al., 2005) foram:

· Modifi cação ou expansão das descrições dos códigos existentes. · Atribuição de novo conteúdo a códigos não utilizados.

· Modifi cação de critérios de inclusão e exclusão dos códigos existentes. · Expansão do sistema de qualifi cação para incluir os aspectos desen-

volvimentais.

Basicamente, a CIF-CJ é consistente com a organização e a estrutura da versão de adulto, tendo sido expandida para cobrir os aspectos essenciais da funcionalidade e do ambiente da infância e adolescência. Foram feitas, aproximadamente, 237 mudanças ao código da CIF, particularmente nos domínios da participação e das actividades. Por exemplo, o código d1200 – tocar, cheirar, saborear –; signifi ca um estádio de desenvolvimento par- ticular, bem como os códigos d1330-d1332, que tratam da aquisição de palavras únicas e sons com importância, combinando palavras para criar frases e aquisição da sintaxe (Lollar, s.d.).

Foi desenvolvido um manual pelo Instituto Nacional de Necessidades Edu- cativas Especiais, no Japão, para uso da CIF-CJ que foi aprovado pela OMS.

A CIF é amplamente usada internacionalmente num número diver- sifi cado de domínios políticos, incluindo saúde, assistência social, emprego, segurança social e educação. A aplicação clínica da CIF, ao nível da análise de necessidades, monitorização de progressos e planeamento das intervenções, tem sido bem aceite na maioria dos sectores até esta altura. As aplicações da CIF em investigação, como forma de medição de resultados e impactos dos factores ambientais na limitação da actividade e participação social, têm sido largamen- te elogiadas. Tem sido usada no desenvolvimento de políticas sociais para planear sistemas de segurança social e redesenhar políticas e legislação das defi ciências e incapacidades. Também tem sido lar- gamente usada estatisticamente para reunir dados em inquéritos à população, ou em bases de dados administrativas para a organização de sistemas de fornecimento de serviços. Atendendo a que a publica- ção da CIF-CJ tem relevância no âmbito do ciclo de vida, esta versão pode ser usada na educação como um referencial para analisar a funcionalidade, monitorizar progressos e planear as intervenções.

partir de duas perspectivas. Por um lado, incorporar a CIF no quadro conceptual e estratégico de Estratégia Nacional para as Defi ciências e Incapacidades, pode ajudar a evitar algumas das limitações asso- ciadas a abordagens anteriores, que têm sido limitadas em visão, am- bíguas no foco, fragmentadas na implementação, difíceis de dissemi- nar e impossíveis de monitorizar em termos de impacto. Por outro lado, proporciona uma abordagem coerente e integrada do quadro político, sendo capaz de capturar a natureza complexa e dinâmica das defi ciência e incapacidades, caracterizando a sua construção so- cial, equilibrando as iniciativas e os programas especializados e dos serviços regulares, especifi cando respostas transversais e unifi cadas, suportando a intervenção precoce, aplicando alvos mensuráveis e medindo o seu impacto ao nível da experiência vivida dos cidadãos com defi ciências e incapacidades, suas famílias e cuidadores.

Capítulo 5.

Pessoas com defi ciências