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O modelo de estratégia baseia-se no princípio de que a política para os cidadãos com defi ciências e incapacidades visa a manutenção dos níveis óptimos de autonomia das pessoas (Nijhuis, 2006) e corresponde

“à mobilização de apoios e intervenções multidisciplinares coordenados e à medida, visando a resolução dos desafi os contextuais específi cos do cliente, o desenvolvimento de competências pessoais e a mobilização de recursos, a fi m de maximizar os níveis de actividade e promover a parti- cipação na comunidade”.

Como contribuir para a maior autonomia possível das pessoas com de- fi ciências e incapacidades? Como explorado no Capítulo 3, há algum tem- po que se vem desenvolvendo uma abordagem holística das defi ciências e incapacidades, centrada nas pessoas e refl ectida na operacionalização do conceito de qualidade de vida (16), nas políticas neste domínio.

O conceito de qualidade de vida adequa-se bem à defi nição de políticas para os cidadãos com defi ciências e incapacidades, pela mesma razão que se aplica bem às políticas dirigidas ao bem-estar dos cidadãos em geral, pois aborda as necessidades humanas e vê o ser humano e a sua plena realização como resultado de uma abordagem aos diversos domínios em que se joga o seu bem-estar e a sua vida.

Para efeitos de operacionalização do conceito na defi nição da estraté- gia que a seguir se apresenta, é defi nido um conjunto de dimensões-chave

(16) O conceito foi desenvolvido no campo das políticas da defi ciência mental, em particular por

Scha lock, e no campo da saúde pela Organização Mundial de Saúde. Mas existe, também, uma extensiva uti- lização do conceito pelas políticas de desenvolvimento sustentável e pelas políticas locais, em vários países.

Áreas de qualidade de vida

Bem-estar Autodeterminação Direitos

físico e material e desenvolvimento e inclusão social

pessoal

Domínios de Rendimento e Autonomia Aceitação e respeito

qualidade de vida prestações sociais e resiliência

Protecção jurídica

Cuidados de saúde Acessibilidade

comunicacional Desempenho de

Trabalho e emprego e programática papéis e funções

na vida pública

Habitação Desenvolvimento

psicológico e de Solidariedade

Turismo e lazer capacidades sociais

Integração em

Mobilidade Educação e formação redes sociais

ao longo da vida

Família

Criatividade

e expressão Activação de direitos

emocional

Quadro 42. Domínios e áreas de qualidade de vida

da qualidade de vida (17), designadas como domínios de qualidade de vida e agrupadas em três áreas de qualidade de vida (Quadro 42).

(17) Esta defi nição é particularmente devedora dos contributos de Schalock, (1996); da WHO, (1995) e

A primeira dessas áreas diz respeito ao bem-estar físico e material e con- grega uma parte substancial do que tem sido o foco das políticas de rea- bilitação: a satisfação de necessidades de segurança e subsistência (ren- dimento e prestações sociais, saúde, habitação), de ampliação de níveis de liberdade e participação (mobilidade e habitação), a que se junta ainda o domínio do lazer (turismo e lazer).

A segunda diz respeito à autodeterminação e desenvolvimento pessoal, nela se incluindo a satisfação de necessidades de participação pelo de- senvolvimento de competências pessoais (educação e formação ao longo da vida e desenvolvimento psicológico e de capacidades sociais), áreas às quais também as políticas e instituições têm dado algum realce. Jun- tam-se-lhes outras áreas sistematicamente menos exploradas de auto- determinação da pessoa com defi ciências e incapacidades (autonomia e resiliência, acessibilidade comunicacional e programática, criatividade e expressão emocional).

Finalmente, autonomiza-se uma área referente à participação na vida da colectividade, designada como direitos e inclusão social e na qual estão reunidos domínios que se prendem com os direitos civis e políticos destes cidadãos (aceitação e respeito, protecção jurídica, activação de direitos, desempenho de papéis e funções na vida pública) e com a sua participa- ção na vida colectiva em geral (família, incluindo a constituição da pró- pria família, solidariedade e integração em redes sociais).

Cada cidadão possui um determinado nível de realização em cada uma das áreas de qualidade de vida, que corresponde à sua dotação de quali- dade de vida. Esta tem uma dimensão subjectiva ou interior (a percepção pelo cidadão da sua qualidade de vida) e uma dimensão objectiva ou ex- terior (as diferenças mensuráveis em indicadores estatísticos das diferen- ças entre este cidadão e os cidadãos em geral), que frequentemente não coincidem. No limite, um cidadão alienado pode sentir-se completamente satisfeito (ter total bem-estar subjectivo) e encontrar-se numa situação de total exclusão dos níveis de bem-estar da sociedade em que participa (ter total exclusão objectiva). No limite oposto, um cidadão radicalmente insatisfeito pode encontrar-se na situação contrária.

Há, pois, que direccionar as políticas de dotação de qualidade de vida, isto é, as que visam melhorar o potencial de qualidade de vida de cada cidadão, para as duas dimensões: a do bem-estar subjectivo e a da su- peração dos desvios entre a qualidade de vida desse cidadão e a que lhe seria possível obter na sociedade em que vive, independentemente da sua percepção do fenómeno.

De acordo com esta concepção, a estratégia a adoptar deve centrar-se na acção para o aumento da dotação de qualidade de vida e tem três eixos de acção principais:

· criação de oportunidades: ampliar as possibilidades que as colectivi- dades sociais e as instituições criam aos cidadãos com defi ciências e incapacidades;

· desenvolvimento de competências: agir com as pessoas com defi ci- ências e incapacidades para que estas melhorem a sua “aparelhagem conceptual”, isto é, as suas condições de desenvolvimento pessoal e de participação social;

· mudança de normas e valores: transformar a percepção que os cidadãos com defi ciências e incapacidades têm da sua própria condição e a per- cepção que as colectividades e instituições sociais têm dessa condição. Assim entendida, esta estratégia é transversal a todos os domínios da dotação de qualidade de vida e centra-se no cidadão, em vez de procu- rar aperfeiçoar cada “fatia” de intervenção ou adicionar novas “fatias” às que têm vindo a desenvolver-se, na lógica administrativa tradicional. Aqui radica um dos pilares fundamentais de um modelo e estratégia de políti- ca, apelando assim a um movimento de desestabilização dos tradicionais posicionamentos dos segmentos da política, a uma certa “revolução co- perniciana”, descentrando-se das lógicas da Administração para a lógica dos cidadãos.

A importância que cada domínio de qualidade de vida deveria ter na estratégia que se propõe, cruzando-o com os tipos de acção para a do- tação de qualidade de vida, foi identifi cada por um conjunto de peritos e representantes institucionais do sector, no âmbito de uma actividade em que lhes foi colocada a questão: “Que importância deveria ter numa estratégia futura de reabilitação?” (Quadro 43).

Quadro 43. Importância que deve ter numa estratégia futura em cada domínio de qualidade de vida, segundo o tipo de acção para a dotação de qualidade de vida

Domínios de qualidade de vida Estratégia de acção

Criação de Desenvolvimento Transformação oportunidades de competências de normas e valores

Bem-estar físico Rendimento

e material e prestação sociais

Cuidados de saúde Trabalho e emprego Habitação Turismo e lazer Autodeterminação Autonomia e e resiliência desenvolvimento pessoal Acessibilidade comunicacional e programática Desenvolvimento psicológico e de capacidades sociais Educação e formação ao longo da vida Criatividade e expressão emocional Aceitação e respeito

Direitos Protecção jurídica

e inclusão social Desempenho de papéis e funções na vida pública Solidariedade Integração em redes sociais Família Activação de direitos

Os resultados obtidos parecem sintomáticos quanto à persistência na aposta na centralidade da acção para a dotação de qualidade de vida, orientada para a educação e formação ao longo da vida, e para o traba- lho e emprego, em todos os tipos de intervenção. De registar, também, que as prioridades defi nidas para as acções de criação de oportunidades e de desenvolvimento de competências se assemelham, enquanto as que se reportam à transformação de normas e valores têm um perfi l distinto, considerando também como áreas transversalmente prioritárias o de- sempenho de papéis e funções na vida pública, a integração em redes sociais e a família.

Um exercício deste tipo permite, assim, orientar os eixos prioritários da acção para a dotação de qualidade de vida. Todavia, uma estratégia política não pode apenas defi nir um modelo conceptual, defi nir e hierar- quizar prioridades centradas nas pessoas. O seu modelo de governação é igualmente relevante (cf. Capítulo 9), visando assim equilibradamente dois tipos de objectivos:

· os relativos a resultados pessoais e sociais: qualidade de vida e igualda- de de condição para os cidadãos com defi ciências e incapacidades; · os relativos à concepção, gestão e avaliação das políticas, programas,

medidas e serviços, entendidos como serviços sociais de qualidade, na concepção, gestão e avaliação, dos quais deve haver a máxima efi ciên- cia de gestão em condições de equidade e garantindo a participação.