EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E TERMINOLOGIA
2. Exploração de cenários que viabilizem o cumprimento dos requisitos defi nidos.
Em todos os estudos efectuados neste domínio foi colocada em evi- dência a actual difi culdade de comparabilidade estatística internacional, inter ou intra-sectorial, independentemente do organismo referenciador – OCDE, ONU, EUROSTAT, INE, OMS.
Neste contexto, desenvolveu-se um conjunto de eixos de análise que se constituíram como vectores de estruturação na operacionalização do conceito, nomeadamente:
· abordagem; · focus;
Abordagem
No que concerne à abordagem, privilegiou-se a adopção das mais recen- tes directrizes propostas pela OMS, adoptando explicitamente o modelo biopsicossocial, operacionalizado através da CIF.
· A CIF apresenta a capacidade de descrever o funcionamento humano numa perspectiva biopsicossocial em detrimento da classifi cação ante- rior (ICIDH), que se focalizava na dimensão biomédica.
· A CIF foi desenvolvida no plano conceptual para ser aplicável em dife- rentes áreas e sectores.
· A CIF é aplicável transversalmente às dimensões de cultura, idade, género, sendo um instrumento sistemático para descrever e medir a saúde e o funcionamento humano num dado contexto.
· A CIF constitui-se como um instrumento potencial para a política so- cial, design das intervenções nos domínios da saúde, educação, reabili- tação e intervenção social.
· A CIF permite uma descrição do funcionamento humano em diferen- tes domínios de intervenção, bem como nos ambientes de participação social dos indivíduos.
Focus
No que concerne ao focus, privilegiou-se a adopção da centração da reco- lha de dados ao nível da dimensão de funcionalidade.
· Consonância com o modelo conceptual proposto pela OMS, enfatizan- do o carácter dinâmico e interaccional (pessoa/factores contextuais) do funcionamento de cada pessoa.
· Possiblita a caracterização das limitações de actividade e restrições de participação dos cidadãos, identifi cando necessidades de intervenções especializadas numa lógica de empowerment e participação social. · Permite analisar a adequabilidade e ajustamento das actuais medidas
políticas do ponto de vista dos seus objectivos e dos problemas detec- tados ao nível da participação dos cidadãos ao longo de um conjunto diversifi cado de domínios.
Delimitação da duração e curso de evolução
· Afi gura-se relevante caracterizar a ocorrência das defi ciências quanto à sua consistência no tempo – temporárias/permanentes – analisando os factores contextuais associados, consequências ao nível das activi- dades e da participação ao longo de um conjunto de domínios em or- dem à extracção de implicações no âmbito das políticas sociais.
· No âmbito da adaptabilidade e da adequação das medidas políticas às necessidades específi cas dos cidadãos, torna-se relevante caracterizar a defi ciência quanto à natureza do seu curso evolutivo – progressivas/ regressivas/estáveis. O mesmo critério é aplicável quanto à dimensão de padrão de manifestação – intermitente/contínua.
No entanto, e apesar da incapacidade se manifestar ao longo do ci- clo de vida da pessoa de forma multimodal, para efeitos de delimitação e de defi nição do conceito de pessoas com defi ciências e incapacidades, privilegiar-se-á o carácter permanente. Desta forma, excluem-se as ma- nifestações temporárias de incapacidade que enviesariam a análise e o desenvolvimento de políticas neste domínio.
Em função das dimensões caracterizadas e dos critérios privilegiados, desenvolveu-se a seguinte defi nição operacional:
Pessoa com limitações signifi cativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes da interacção entre as alterações funcionais e estruturais de carácter permanente e os contextos envolventes, resultando em difi culdades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, mobilidade, autonomia, relacionamento interpessoal e participação social, dando lugar à mobilização de serviços e recursos para promover o potencial de funcionamento biopsicossocial.
A análise da operacionalização proposta à luz dos critérios estabeleci- dos encontra-se explicitada no Quadro 6.
Conteúdo operativo Análise
Pessoa com limitações signifi cativas ao nível da Em conformidade com a abordagem actividade e da participação num ou vários biopsicossocial proposta pela OMS.
domínios de vida,…
Em conformidade com o modelo social.
Coloca a ênfase ao nível dos problemas/
difi culdades e obstáculos que emergem
na interacção pessoa-contextos de vida e,
simultaneamente, no domínio das
limitações de actividade.
…decorrentes da interacção entre as alterações Em conformidade com a abordagem
funcionais e estruturais de carácter biopsicossocial proposta pela OMS.
permanente e os contextos envolventes,…
Articula as alterações da estrutura e da função com as limitações ao nível da actividade e da
participação no quadro dos contextos de vida
da pessoa.
O carácter permanente tem como objectivo
estabelecer um maior poder diferenciador do
público-alvo e aumentar a operacionalidade
do conceito.
…resultando em difi culdades continuadas ao Em conformidade com a abordagem
nível da comunicação, aprendizagem, biopsicossocial proposta pela OMS.
mobilidade, autonomia, relacionamento
interpessoal e participação social,… Explicitação dos domínios principais,
considerados críticos pela literatura, relativos
à funcionalidade do individuo.
…dando lugar à mobilização de serviços Em conformidade com a abordagem
e recursos para promover o potencial de biopsicossocial proposta pela OMS.
funcionamento biopsicossocial.
Articula as limitações de actividade e
participação com as medidas/estratégias
necessárias para promover a optimização da
relação pessoa-contextos.
Quadro 6. Análise das dimensões operativas propostas para a delimitação e operacionalização do conceito de deficiência
Poder-se-á colocar a questão se a delimitação do conceito proposta re- mete especifi camente para “pessoas com defi ciências” ou para “pessoas com limitações de participação”. Atendendo a que a defi nição comporta uma abordagem sistémica, enfatizando a interacção entre um conjunto diversifi cado de componentes que produzem impacto na funcionalidade da pessoa, a resposta não é linear, dependendo da ênfase socio-histórica e da abordagem sociopolítica que se escolher enfatizar. No entanto, e do ponto de vista conceptual, privilegia-se a adopção do conceito “pessoas com defi ciências e incapacidades” dado que existe total autonomia ope- rativa entre os diferentes constructos. Neste sentido, a defi ciência não constitui um factor causal linear das limitações da actividade e das restri- ções ao nível da participação, mas antes uma das componentes que, em interacção com outras, pode provocar impactos ao nível da funcionalida- de do indivíduo.
O Quadro 7 pretende fornecer uma visão sistemática sobre o processo de análise da designação adoptada:
Figura 5. Especificidade e abrangência do conceito
Maior abrangência
· Pessoas com deficiências e incapacidades
· Pessoas com limitações de actividades e participação · Pessoas com limitações de
funcionalidade
Maior especificidade
Quadro 7.
Identificação do alinhamento da designação à luz dos pressupostos do estudo
Designação Vantagens Desvantagens
Pessoas com Tradição analítica dentro Em conformidade com o modelo médico –
defi ciência do contexto português. centra-se nas alterações de estrutura e função – focalização na pessoa.
Desarticulado dos pressupostos do modelo social – não remete para a experiência de incapacidade, enquanto produto da interacção entre pessoa e ambiente.
Pessoas com Em conformidade com a delimitação anglo- Efeito de ruptura com a tradição analítica incapacidades -saxónica que utiliza o conceito “disability”. no sector.
Focalização no pólo negativo do funcionamento humano – funcionalidade/incapacidade.
Ao focalizar-se na experiência de incapacidade, enquanto interacção pessoa-ambiente, remete indirectamente para a mobilização de apoios e recursos de forma a ultrapassar e/ou eliminar os obstáculos ao funcionamento em contexto.
Pessoas Em conformidade com o modelo social. Elevado nível de abrangência, não permitindo
com diversidade um nível de diferenciação relevante, na
funcional Focaliza-se na gestão das diferenças medida em que todos os cidadãos detêm e no seu impacto ao nível da participação entre si diversos e diferentes padrões de das pessoas na sociedade. funcionamento humano.
Conceito difi cilmente operacionalizável do ponto de vista da formulação das políticas e da delimitação dos públicos-alvo.
Pessoas com Em conformidade com o modelo social. Conceito com um nível de delimitação
restrições ao demasiado amplo e abrangente, na medida
nível da Em conformidade com a CIF. em que todos os eventos de restrição à
participação participação ocorridos ao longo da vida são
Coloca a ênfase ao nível dos problemas/ incluídos. Desta forma, todos os obstáculos à difi culdades e obstáculos que emergem na participação relacionados com discriminação interacção pessoa-contextos de vida. social, preconceitos, estereótipos, defi ciências, doenças crónicas, entre outros, são incluídos.
Designação Vantagens Desvantagens
Pessoas com Em conformidade com a abordagem Ruptura com a tradição analítica no sector.
limitações de biopsicossocial proposta pela OMS.
actividade Difi culdade de apreensão e inteligibilidade
e participação Coloca a ênfase ao nível dos problemas/ por parte da sociedade em geral. difi culdades e obstáculos que emergem
na interacção pessoa-contextos de vida e, Não inclui as alterações da estrutura simultaneamente, no domínio das limitações e da função.
de actividade.
Pessoas com Em conformidade com o modelo social. Conceito com um nível de delimitação amplo limitações de e abrangente, na medida em que todos os
funcionalidade Coloca a ênfase ao nível das diferentes eventos de restrição à participação ocorridos dimensões constituintes da funcionalidade ao longo da vida são incluídos.
e do funcionamento humano.
Pessoas com Não introduz ruptura com a tradição Designação de compromisso com os
defi ciências analítica no sector. teóricos do modelo social e dos princípios
e incapacidades da “ética da diversidade”.
Inclui as alterações de estrutura e função, bem como as alterações decorrentes ao nível da funcionalidade.
Diferencia os conceitos de defi ciência e incapacidade, autonomizando-os e fornecendo uma base compreensiva para o não-estabelecimento de relações de causa-efeito entre os dois conceitos.
Abrange os obstáculos que emergem na interacção pessoa-contextos de vida e, simultaneamente, no domínio das limitações de actividade.
Poder diferenciador e delimitador na defi nição dos públicos-alvo.
Em conformidade com a abordagem biopsicossocial proposta pela OMS.
Em alinhamento estratégico com o Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Defi ciências ou Incapacidade (PAIPDI).