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Avaliação das deficiências e incapacidades e alocação de recursos

A adequação e a pertinência da CIF como um referencial de avaliação das defi ciências e incapacidades e de elegibilidade para os apoios e os serviços precisam de ser analisadas de uma forma abrangente, particularmente quando a abordagem biopsicossocial é adoptada para analisar as defi ci- ências e incapacidades e planear as intervenções.

Abordagens baseadas no défi ce e nos modelos minoritários na determinação de defi ciências e incapacidades

Historicamente têm sido adoptadas duas abordagens. A primeira, é a abor- dagem médica, na qual os sistemas de fi nanciamento para pessoas com defi ciências e incapacidades operam com base em categorias ou diagnósti- cos de defi ciências e incapacidades. Esta abordagem tem várias vantagens, incluindo a conveniência administrativa e a simplicidade em sistemas ope- racionais e fi nanceiros. A abordagem é baseada na premissa de que a ca- tegoria de diagnóstico na qual uma pessoa foi classifi cada pode ser usada como indicador para o tipo e nível de educação requerido (Triano, 2000).

Esta abordagem tem maior evidência nos sistemas onde são feitas dis- tinções entre tipos diferentes de defi ciências e incapacidades no fi nancia- mento e desenvolvimento de serviços. É também mais fortemente asso- ciada a abordagens especializadas/segregativas na disponibilização dos serviços. Existe um conjunto de consequências decorrentes da aplicação desta abordagem:

· Uma primeira característica é a necessidade que uma pessoa sente de conseguir um diagnóstico médico para aceder aos serviços.

· Uma segunda característica passa pelo desenvolvimento de serviços para pessoas dentro de uma banda estreita de elegibilidade.

· Um terceiro elemento diz respeito à disponibilização de serviços por organizações que se autodefi nem em termos de diagnósticos especí- fi cos, como defi ciências de aprendizagem, autismo, paralisia cerebral, etc. Um corolário deste facto é a aplicação de fundos pelas autorida- des legais com base em categorias de defi ciência: física, sensorial, de aprendizagem. Acresce que os recursos vão directamente para os pres-

· Uma quarta característica é a concepção dos serviços, não em torno das necessidades do indivíduo, mas em torno das exigências estereoti- padas de uma categoria particular de diagnóstico.

As implicações destes tipos de abordagem para a pessoa, a sua família e os profi ssionais que trabalham na área são substanciais:

· O sistema diferencia as pessoas em função das que estão na rede de diagnósticos e aquelas que não estão. Isto signifi ca que alguém com elegibilidade básica vê serem-lhe negados recursos até que a sua con- dição se deteriore o sufi ciente para satisfazer estes critérios.

· Àqueles que forem indicados como elegíveis é atribuído um diagnósti- co predefi nido, tendo como consequência negativa o estigma associa- do às defi ciências e incapacidades.

· Pessoas com diagnóstico duplo sentem sérias difi culdades em aceder a serviços adequados, uma vez que não é possível identifi car a que cate- gorias pertencem.

· Pessoas com defi ciências e incapacidades e pais de crianças com defi ci- ências e incapacidades são obrigadas a procurarem um diagnóstico de forma a obterem serviços.

· Psicólogos e outros profi ssionais de saúde ligados a estas situações acabam por assumir o papel de “guardadores” de recursos, tendo como foco de análise os critérios de elegibilidade, ao invés das necessidades e potenciais do sujeito.

· A abordagem tende a apoiar e a fazer proliferar estereótipos das defi - ciências e incapacidades, em vez de tratar cada sujeito como um indi- víduo com necessidades específi cas.

A abordagem da sociedade inclusiva em relação às defi ciências e incapacidades

Um ponto de vista alternativo situa as defi ciências e incapacidades no ambiente externo e sublinha o papel que as atitudes, sistemas e servi- ços (ou a sua falta) adquirem na sua emergência. O argumento principal avançado por esta perspectiva de defi ciências e incapacidades refere que, se se tratar as pessoas de forma diferente e se as educar num sistema de ensino paralelo, o seu desenvolvimento vai ser diferente e nunca integra- rão plenamente a sociedade. Por outro lado, a estrutura social irá sempre vê-las como diferentes e estigmatizadas.

e incapacidades nas mesmas instituições que foram criadas para lhes dar resposta. Por exemplo, colocar um aluno jovem num ambiente educacio- nal segregado acaba por signifi car que este não aprenderá a integrar-se com os demais, ser-lhe-á atribuído um rótulo e um estigma e, ao mesmo tempo, os recursos necessários para a sua integração fi carão restringidos ao sistema segregativo especializado. Nesta perspectiva, sustenta-se que são aqueles que atribuem diagnósticos que criam a incapacidade.

A partir deste ponto, o papel dos serviços para as pessoas com defi ciên- cias e incapacidades precisa de ser radicalmente alterado e o seu objecti- vo primário redirigido para criar ambientes educacionais, sociais, profi s- sionais e comunitários semelhantes aos da maioria, em que as diferenças individuais decorrentes de um problema de saúde ou incapacidade fun- cional não representam desvantagem para nenhum cidadão. A aborda- gem enfatiza a equidade nos resultados, participação plena nos contextos e serviços gerais, autonomia e adaptações razoáveis (02). As implicações desta abordagem para as defi ciências e incapacidades materializam-se na necessidade de adequar os recursos à forma como se lida com a inca- pacidade no dia-a-dia; através da formação de profi ssionais dos serviços regulares e da adaptação de edifícios e de ambientes atitudinais, ao invés de manter o sistema especializado, que é visto como a origem de muito do isolamento e da exclusão sentidos por pessoas com defi ciências e inca- pacidades desenvolvimentais.

É o que pode ser observado mais claramente na abordagem da edu- cação inclusiva (Education – Inclusive education & special educational Links),

que requer que os sistemas educacionais mudem e apresentem soluções aos alunos com necessidades educativas especiais, em vez de esperarem que sejam os alunos a adaptarem-se ao sistema de educação. Existe, no entanto, uma preocupação signifi cativa de que o conceito de educação in- clusiva seja usado para desestabilizar o sector da educação especial, sem atribuir os recursos adequados às estruturas e serviços regulares.

O movimento para a educação inclusiva tem-se desenvolvido durante os últimos 15 anos em paralelo com a disseminação do modelo social das

(02) N.T.: Tradução de “reasonable accommodation”. De acordo com documento do Parlamento Euro-

peu, “entende-se por adaptação razoável a disponibilização ou a modifi cação de aparelhos, serviços ou instalações, ou a modifi cação de práticas ou de procedimentos, incluindo, entre outros aspectos, a forma- ção e a prestação de apoio ou assistência pessoal, para que as pessoas portadoras de defi ciência possam participar, em igualdade de condições, num serviço, programa, actividade ou emprego.”

defi ciências e incapacidades, em que os principais conceitos e princípios têm sido geralmente aceites nas economias mais desenvolvidas. A ques- tão já não é sobre se a abordagem inclusiva, ou a do défi ce, é a escolha acertada para a educação especial, mas se é possível mudar de uma posi- ção em que a maioria dos sistemas é baseada no défi ce, para uma posição em que estes necessitam de atingir os ideais de uma sociedade inclusiva.

Determinação de elegibilidade e identifi cação de necessidades

Um assunto-chave nesta evolução é a quantidade limitada de recursos disponíveis para os serviços de apoio às defi ciências e incapacidades que podem ser dirigidos efectivamente àqueles que mais necessitam de apoios e intervenções. Num sistema estruturado com base no modelo do défi ce, a elegibilidade é baseada no reconhecimento de um diagnóstico e os pro- fi ssionais asseguram que todos aqueles a quem é permitido o acesso aos recursos possuem os critérios de elegibilidade.

Este sistema afi gura-se ainda mais problemático, quando enquadrado num modelo de inclusão. Primeiramente, os recursos têm de ser dirigidos à adaptação dos sistemas regulares e não aos indivíduos com defi ciên- cias e incapacidades. Em segundo lugar, a abordagem inclusiva é contrá- ria à catalogação das pessoas, pelo que se torna necessário arranjar um meio alternativo de proporcionar o acesso aos serviços àqueles que mais necessitam deles. No entanto, na maior parte dos sectores, as autorida- des competentes ainda atribuem orçamentos com base nas categorias de defi ciências e incapacidades. Em terceiro lugar, os limitados recursos disponíveis no sistema para as iniciativas e programas de apoio às de- fi ciências e incapacidades seriam completamente absorvidos se fossem todos distribuídos para tornar as infra-estruturas mainstream acessíveis e isto apenas teria em conta as necessidades das pessoas com defi ciências e incapacidades motoras.

Um mecanismo que tem sido usado em alguns casos para distribuir e coordenar os serviços, é o Plano Individual ou Plano Centrado na Pessoa

(Mansell & Beadle-Brown, 2004; Duffy & Sanderson, 2004). Neste sentido, o Pla-

no Educativo Individual (PEI) é, provavelmente, um dos mais bem desen- volvidos. Funciona com base na Declaração de Necessidades, em vez de se basear apenas no diagnóstico para atribuir recursos. Assim, alguém com difi culdades de aprendizagem é acompanhado de uma Declaração

de Necessidades, que especifi ca os apoios e as intervenções necessárias (dos serviços regulares ou especializados, conforme o mais adequado) e, deste modo, desenvolve-se um PEI, por um processo multidisciplinar, que responde às necessidades educacionais, sociais e de cuidados de saúde do indivíduo. É importante que a Declaração de Necessidades tenha um suporte legal, para que qualquer recurso especifi cado na declaração te- nha a possibilidade legal de ser fornecido. Um aspecto crítico num siste- ma destes é a independência da autoridade responsável pela atribuição dos recursos em relação à entidade que é responsável pela identifi cação das necessidades.

A Declaração de Necessidades e o PEI podem operar lado a lado no desenvolvimento do sistema regular, através da adaptação de infra-estru- turas de formação e desenvolvimento profi ssional contínuo dos actores e dos profi ssionais dos serviços regulares.

A necessidade de uma abordagem biopsicossocial

para caracterização das defi ciências e das incapacidades na sociedade A actuação efectiva de um sistema baseado na análise de necessidades e no planeamento individual depende da adopção de um modelo adequado. Se os sistemas se basearem num modelo de défi ce, então a análise de ne- cessidades focar-se-á unicamente nas limitações funcionais da pessoa e as únicas necessidades incluídas na Declaração referir-se-ão às intervenções para aumentar a capacidade do indivíduo. Se o sistema se basear num modelo social, o foco estará nas mudanças no ambiente e na disponibili- zação de apoios para assistir a pessoa no cenário mainstream. Qualquer uma destas abordagens resultará num plano individual desequilibrado. É essencial que, tanto as limitações funcionais, como as barreiras ambien- tais, sejam mencionadas na Declaração de Necessidades e, deste modo, no plano individual.

De forma a conduzir a análise abrangente de necessidades, é crucial que esta seja baseada num modelo holístico de desenvolvimento humano. Com efeito, tal modelo está no centro da concepção biopsicossocial do desenvolvimento humano. A aplicação deste à identifi cação de perfi s de pessoas com defi ciências e incapacidades é fortemente aconselhada por especialistas internacionais no uso da CIF (Simeonsson et al., 2003; American Speech - Language - Hearing Association, 2004).

A CIF como um referencial para a avaliação