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1.4 Aproximações entre o Brasil e os países de língua portuguesa do

1.4.1 A circulação internacional de jovens estudantes dos PALOP

Ao considerarmos a história dos países PALOP como nações independentes, podemos perceber a importância dos acordos de

cooperação internacional no que diz respeito ao processo de (re)estruturação socioeconômica nesses países. Guiné-Bissau foi o primeiro país a ter reconhecida sua independência de Portugal, em 1974. Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola também deixaram a condição de colônia portuguesa no decorrer de 1975.

Mancebo (2009) afirma que tratar sobre a educação superior de tais países é extremamente complexo, pois envolve muitas e diferenciadas dimensões das histórias, culturas e lutas. Ela explica:

Mais do que isso, encontramo-nos diante de uma “comunidade” de países marcada por um passado prenhe de relações de poder absolutamente assimétricas, sob o bastião de estilos que açambarcaram a colonização extrativista e exploratória e a escravidão. Mesmo no polo colonizado, talvez a única herança comum tenha sido mesmo a língua imposta a todos, pois, até os estilos de colonização foram diferenciados, conforme os interesses da matriz e as reações e resistências dos colonos, gerando por seu turno relações também assimétricas entre as próprias colônias. Diante desse quadro, nada mais impróprio do que a palavra “comunidade”, pois, além de não traduzir o universo a que se refere, pode obscurecer conflitos, tensões e assimetrias ademais presentes até os dias atuais (MANCEBO, 2009, p. 47).

Em decorrência de suas particulares trajetórias socioeconômicas, hoje temos realidades educacionais diversas nos países PALOP38. Em Angola, mesmo após o longo período de conflitos internos pós- independência (a paz só chegou em 2002), existem instituições públicas de ensino superior e outras na rede privada. Há cursos de mestrado desde 2004 e a dimensão da pesquisa está presente na vida acadêmica

38 Rizzi (2012) diferencia os Grandes PALOP (Angola e Moçambique) e os Pequenos

PALOP (São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné Bissau). Segundo a pesquisadora, as diferenças histórico-culturais entre os cinco países são extremamente relevantes e significativas analiticamente. Dentre outros aspectos analisados, ela cita as dimensões geográficas, favoráveis ao primeiro grupo, o que possibilita um desenvolvimento econômico mais sustentado, com fartura de recursos minerais e uma agricultura não tão dependente do clima e relevo. “A dimensão de suas fronteiras e sua costa litorânea fazem de Angola e Moçambique países com maiores potencialidades de desenvolvimento econômico e social do que os Pequenos PALOP, cuja insularidade (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe por serem arquipélagos e Guiné-Bissau, no continente, mas localizada num enclave francófono) e pequena dimensão detêm as possibilidades e remete esses países às suas ligações histórico-culturais ou de vizinhança.” (p. 48)

(TETA, 2009). Nas ilhas de São Tomé e Príncipe existem três instituições de ensino superior, sendo duas privadas e uma pública, esta última dedicada prioritariamente à formação de professores para a educação básica. Tendo conseguido recuperar significativamente os índices de analfabetismo e de escolarização primária e secundária, surgiu a necessidade de criar espaço para esses jovens no ensino superior, entretanto, Pontífice (2009), explica que

não dispondo de condições para o desenvolvimento do ensino superior no país, São Tomé e Príncipe se beneficiou e continua a se beneficiar do apoio de instituições bilaterais e multilaterais da atribuição de bolsas de estudo aos estudantes para a frequência de cursos no estrangeiro (p. 40).

Apesar da viabilização dessas alternativas aos estudantes são- tomenses, a autora afirma que é inestimável o valor que o desenvolvimento da educação superior traria para o país. Por um lado, evitaria a “fuga de cérebros” causada pelas centenas de jovens formados que não regressam ao país, contribuindo assim para a manutenção da falta de quadros de pessoal, e por outro lado, o recurso gasto com bolsas poderia ser revertido para o investimento num ensino superior nacional de qualidade.

Em Cabo Verde existe oferta da graduação em universidade pública, em institutos mantidos pelo governo e em instituições privadas (nacionais ou em cooperação com Portugal). Em Guiné-Bissau ainda não foi implementada uma instituição pública nesse nível de ensino. O país enfrenta até hoje instabilidades políticas e econômicas. Sanhá (2009) analisa:

A experiência demonstra que o ensino superior privado não vai ao encontro de expectativas da maioria dos jovens – candidatos, pois, dado o custo elevado dos estudos nestas instituições e difícil situação socioeconómica do país, o perigo de diminuição de acessibilidade ao ensino superior para os jovens guineenses está crescendo desta forma. Com a falta da Universidade pública a Guiné-Bissau afasta-se cada vez mais dos planos educativos implementados e conduzidos

pela UEMOA39, podendo no futuro perder a oportunidade de seu ensino tornar-se competitivo ao nível da sub- região (p. 39).

A circulação de estudantes entre Brasil e os PALOP remonta à década de 1960. Em consequência da necessidade de amparar os estudantes que cruzavam o Atlântico para estudar no Brasil, sem qualquer regulamentação interna que os respaldasse juntos às IES e à sociedade em geral, foi criado o PEC-G, que teve seu primeiro Protocolo assinado em 1965. Atualmente 56 países participam do PEC-G, sendo 24 da África, 25 das Américas e 7 da Ásia40. A execução do Programa cabe ao MRE e ao MEC. A regulamentação mais recente foi em 12/03/2013 quando foi publicado um Decreto Presidencial que dispõe sobre o PEC- G41. Em 1981 foi lançado o Programa Estudantes-Convênio de Pós- Graduação (PEC-PG), coordenado pelo MRE, CAPES e CNPq, que articulam os programas de pós-graduação de IES brasileiras na oferta de vagas para estudantes oriundos dos países signatários do protocolo.

No Brasil, o Programa PEC-G é a principal porta de entrada para os jovens dos PALOP, não obstante muitos deles sejam financiados por seus países de origem (nota-se isso entre os angolanos e caboverdianos). Em todo o caso, Portugal e Brasil constituem opções predominantes para estes jovens. O custo de vida em Portugal desequilibra um pouco a balança a favor do Brasil, em que pese também outros fatores, como a língua portuguesa, o processo de conquista colonial lusitano, os laços culturais e étnico-raciais (FONSECA, 2009).

No Brasil, não é extensa a bibliografia dedicada aos estudos sobre a dinâmica da circulação de estudantes Brasil-PALOP, mas é possível encontrarmos produções científicas em diferentes áreas que analisam sob vários pontos de vista a realidade dos estudantes que aqui vivem,

39 UEMOA: União Econômica e Monetária do Oeste Africano união de oito países da

África, firmada em 10/01/1994, que tem como objetivo o estreitamento das relações econômicas e o fortalecimento da competitividade do bloco. Os membros são: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo (Fonte:

http://www.uemoa.int). Acesso em: 05/11/2013.

40 Fonte: http://www.dce.mre.gov.br/PEC/G/historico.html. Acesso em 05/11/2013.

41 O Capítulo 6 reúne mais informações sobre o contexto de implementação do PEC-G e

contribuindo para conhecermos melhor a situação presente e também os caminhos a serem percorridos pelas políticas de cooperação com os PALOP.

Nessa perspectiva, é válido considerar os dois lados da parceria e seus respectivos interesses. O Brasil fundamenta a cooperação sul-sul na elaboração de projetos a partir do interesse dos países parceiros, respeitando suas peculiaridades. Conforme Gusmão (2012) analisa, para os PALOP importa a formação de quadros humanos para a consolidação dos Estados-nação e a população jovem exerce papel fundamental nesse processo ao buscar formação de qualidade no exterior para justamente cumprirem sua função na sociedade que se consolida. São todos, agentes do processo de internacionalização, tanto das universidades brasileiras, quanto das africanas. Destaca a autora (2012):

Em jogo, necessidades postas em movimento por uma ordem social e econômica globalizada que empresta aos processos migratórios uma face ainda pouco conhecida e pouco refletida na academia, no cotidiano e na política que envolve trocas científicas, sociais e políticas entre países e nações e que ordena processos de recomposição de elites e de redistribuição do poder (p. 23).

A partir de estudos sobre fluxos migratórios (GARCIA, 2004; SILVA, 2005 apud GUSMÃO, 2012) a pesquisadora denomina como “migração temporária e especial” a circulação dos jovens estudantes oriundos dos países africanos no Brasil. Afirma que:

o sujeito que migra não é movido apenas por questões econômicas, típicas da migração tradicional, mas, também, por fatores objetivos e subjetivos, relacionados com a experiência migratória e com a realidade com que se deparam nos países de acolhimento (GUSMÃO, 2012, p. 18).