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O rompimento de fronteiras geográficas nos âmbitos da pesquisa e do ensino universitário é uma característica do cenário contemporâneo da educação superior, imerso no contexto macro de globalização social, que se acentua desde o início da década de 90 do século passado (MOROSINI, 2006). Caracteriza-se pela intensa presença das tecnologias de informação e comunicação, que contribuem, também, na movimentação do fluxo das atividades internacionais, relativizando as dimensões simbólicas espaço e tempo, dando-nos a sensação de “encurtamento” das distâncias e compressão do tempo.

A definição de Altbach e Knight (2007, apud FEIJÓ, 2013) passa pela idéia de que “a globalização se relaciona com o contexto de tendências econômicas e acadêmicas do século XXI, ao passo que a internacionalização é o conjunto de políticas e práticas empreendidas por sistemas acadêmicos, instituições e indivíduos para lidar com o ambiente acadêmico global” (p. 36). E nas palavras de Morosini (2006),

a globalização considera como um dos principais valores o conhecimento e, neste, o advindo de patamares superiores, onde a busca de educação e certificação continuada se faz presente. A universidade adquire um valor máximo e a concepção de liberdade acadêmica, símbolo da intocabilidade do ensino superior, passa a sofrer impacto (p.112).

O “impacto” referido pela autora refere-se às forças do mercado “transnacional”, no qual a educação consta como serviço, regulamentada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), por meio do General

Agreement on Trade in Services (GATS), celebrado em 199529. A

educação superior, nesse contexto, é classificada como serviço de ensino superior terciário, possível de ser comercializada em escala global. Estabelece-se sua relação direta com o desenvolvimento econômico, pois seu papel é formar indivíduos qualificados tecnicamente, facilitando sua inserção no mercado de trabalho. Para esse fim, recomenda-se que instituições universitárias e não universitárias busquem atender os interesses das empresas e dos indivíduos, vistos como consumidores. Borges (2009) salienta:

Percebe-se, dessa forma, a operação de uma mudança conceitual, a educação deixa de ser considerada como um direito humano fundamental e é tida como um serviço que pode ser comprado no mercado educacional; de outra parte, os indivíduos deixam de ser tratados como cidadãos e são posicionados como consumidores (p. 91).

O debate sobre globalização e o processo de internacionalização da educação superior foi objeto de pesquisa de Morosini (2006), que consolidou o estado da arte sobre o tema, ao analisar 163 artigos publicados em periódicos científicos educacionais eletrônicos da Europa e América do Norte, nos anos de 2002, 2003 e 2005.

O conceito de internacionalização, segundo a pesquisadora, é complexo e inter-relaciona uma diversidade de termos. Pode, no entanto, ser apresentado sob a perspectiva de algumas fases históricas: a) dimensão internacional: presente no século XX, que se caracterizava por ser uma fase incidental mais do que organizada; b) educação internacional: atividade organizada prevalente nos Estados Unidos, entre a segunda guerra mundial e o término da guerra fria, em geral por razões políticas e de segurança nacional; e c) internacionalização da educação

29 Segundo BORGES (2009) o GATS “consiste num acordo realizado no âmbito da

OMC, objetivando a liberalização progressiva dos serviços, isto é, trata-se de um acordo que abarca a comercialização de novos setores, procurando efetivar a liberalização e a eliminação de barreiras” (p. 85).

superior, posterior à guerra fria e com características de um processo estratégico ligado à globalização e seu impacto na educação superior.

O conceito converge para uma variedade de entendimentos e oscila entre uma visão minimalista, instrumental e estática (busca de financiamento externo para programas de estudos no exterior, intercâmbio internacional de estudantes, realização de pesquisas de âmbito internacional) e uma visão de internacionalização como complexa, de ampla abrangência, orientada por políticas e que permeia a vida, a cultura, o currículo, o ensino assim como atividades de pesquisa, da universidade e seus membros (BARTELL, apud MOROSINI, 2006, p.121). Uma das conclusões de seu estudo é que a produção sobre o tema cresceu e as discussões atuais baseiam-se não mais exclusivamente na elaboração do conceito de internacionalização, mas empenham-se na criação de estratégias para implantar e/ou aprimorar este processo, dado como fato, nas universidades. Em 2004 e 2005

cresce o número de produções científicas que discutem as estratégias de internacionalização: em nível de estudantes, seu aprendizado, a construção de sua identidade e sua adaptação social; currículos internacionalizados, e desenvolvimento tecnológico para apoio à internacionalização, entre outros (p. 118).

Segundo a autora, os estudos sobre internacionalização da educação superior abordam os seguintes temas:

a) Autonomia de estudos e currículos internacionalizados: neste grupo encontram-se produções acadêmicas que tratam sobre os trabalhos voltados para o aprendizado do estudante. O domínio da língua inglesa, os desafios que os estudantes internacionais enfrentam nas salas de aula, alternativas de métodos de ensino em turmas com estudantes estrangeiros, com foco principalmente nos estudos em rede e na educação a distância. Também neste grupo discutem-se os desafios impostos pela globalização, por exemplo, aos estudantes de Administração, que

precisam se preparar profissionalmente para enfrentar a complexidade, a interdependência e a dinamicidade da economia e que propõem uma combinação de estratégias educacionais como intercâmbio específico, relações com corporações no exterior e um sólido currículo de negócios (p. 119);

b) Identidade estudantil, práticas sociais e sustentabilidade: os estudiosos do tema, citados por Morosini (2006), abordam a sustentabilidade no sentido de “capacitação do staff para refletir sobre suas práticas no ensino com estudantes estrangeiros” (p. 120) e afirmam que é necessário discutir as diferenças culturais e religiosas. Recomendam também aos professores que a inclusão da diversidade na prática de sala de aula seja pautada em uma negociação flexível e dinâmica com os alunos, e não na dominação de uns sobre os outros; e

c) Desenvolvimento tecnológico e seu papel primordial na internacionalização universitária: neste eixo de estudos destaca-se a abordagem das sociedades do conhecimento, a relação entre conhecimento e fronteiras geográficas, a educação a distância e a formação de redes de comunidades estudantis.

Um exemplo de iniciativa em grande escala internacional e de redefinição de estratégias educacionais é o Processo de Bolonha, datado de 1999, pensado para criar uma arquitetura unificada de educação superior na União Européia. Quando foi assinado, envolveu 29 países signatários e em 2009 contava com 46 países e cerca de 5.600 instituições públicas e privadas com mais de 16 milhões de alunos, constituindo o Espaço Europeu de Educação Superior, incluindo a Rússia

e o sudeste da Europa, estendendo-se além da União Européia como uma entidade constitucional.

Robertson (2009) afirma que as iniciativas educacionais desse acordo são caracterizadas por forte ênfase na competitividade global e mostra como a educação superior tornou-se estrategicamente importante para a União Européia “tanto na criação de ‘mentes’ quanto de ‘mercados’ para a economia européia do conhecimento” (p.408). O autor explora como tais iniciativas têm repercutido nos demais países, uma vez que o projeto é cada vez mais percebido como portador de algum significado para a economia mundial, levando a “‘múltiplas novas lógicas e novos imaginários’ sobre o panorama da educação superior” (p.408). Severino (2009), apesar de criticar seu caráter neoliberal, concorda que o processo de Bolonha, assim como as experiências européias anteriores, exercerão grande influência nos rumos da educação superior brasileira30.