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5 OS ESTUDANTES E SEUS PAÍSES DE ORIGEM

5.4 CABO VERDE

5.4.2 A família

Os estudantes pertencem a uma geração cujos pais presenciaram a independência numa época em que o acesso à educação era mais restrito. Carlos exemplifica a importância da família no percurso estudantil (passagem: família): 1 2 3 4 15 16 17

Y1: Bom agora já que a gente ta falando de comunidade e pais, queria

que vocês comentassem alguma coisa sobre a família de vocês, falar assim quantos irmãos vocês tem, se já bateu muito no seu irmão, esse tipo de coisa84.

@3@.

Carlos: Eu tenho cinco irmãos né? @Duas irmãs@ e três irmãos e

desses apenas um eu diria assim, eu gostaria de dizer perfeito, na verdade ele ( ). @3@. Tipo @( )@

83 Fonte: http://www.governo.cv. Acesso em: 15/08/2013.

84 A entrevistadora faz referência na pergunta, em tom de brincadeira, ao que os

estudantes comentaram, em momento anterior, sobre a participação dos pais e da comunidade no processo educacional e também sobre os episódios de brigas nas escolas por onde eles passaram.

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Y1: Ele é mais novo?

Carlos: Não, não, ele é o segundo, mas ele, ele é uma das pessoas que

eu me espelho muito, gostaria, eu vejo-me de certo modo, eu me vejo no bom sentido né? E certo modo à maneira de ser dele né? Ele já gosta mais de ouvir do que falar, eu já gosto mais de falar do que ouvir, ele nossa é uma pessoa nota mil mesmo assim se tem nota mil né? E agora os outros não, os outros já são mais explosivos, mais parecidos comigo @mesmo@, mas uma coisa é certa, a gente briga, mas a gente se ama né? Isso é fundamental; hoje mesmo eu afirmo com toda certeza, eu só estou aqui por causa desse amor que existe dentro da minha casa né? Que::: eu me classifico como sendo uma pessoa de família pobre, meu pai é pedreiro e minha mãe é doméstica e dois dos meus irmãos que trabalham, os outros ainda estudam, uma terminou o ensino secundário e, mas ainda não trabalha né?

Ele tem cinco irmãos, dentre eles, um é o exemplo a seguir, é mais ponderado, escuta mais do que fala. Com os outros irmãos, o relacionamento já é mais explosivo, entretanto, a união e o amor entre pais e filhos concretizaram o sonho da formação superior. Os pais são humildes (“meu pai é pedreiro e minha mãe é doméstica”, linhas 28-29), mas por meio do sacrifício e incentivo mantêm seu filho estudando.

Tatiana e Flávia também têm depoimentos que atestam a importância do estudo no seio da família (passagem: família):

103 104 105 106 107 108

Tatiana: Assim eu cresci com meus avós, eu tenho só um irmão, eu e

meu irmão crescemos com eles, ele é três anos mais velho, mas a nossa relação sempre foi muito boa, a minha família sempre deu a maior força pra estudar, pra eles o que eu podia fazer só era estudar, mais nada, mas

Y1: Prioridade no estudo mesmo né? Tatiana: Isso, isso

Tatiana teve o mesmo tratamento destinado ao seu irmão mais velho, o foco na formação. Seu irmão também veio estudar no Brasil, no Rio Grande do Sul, casou-se, constitui família e não regressou depois de formado. Os pais, que não puderam estudar, fazem questão que seus filhos prossigam os estudos (passagem: família):

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Henrique: Assim, minha família é uma família comum, assim (2) e

praticamente a nossa geração assim de estudantes que ta agora com 20 a 30 anos vem de pais de Cabo Verde colônia, aí na época nem todo, nem todo pessoal tinha acesso a educação assim completa, assim os meus pais, no caso minha mãe só tem ensino básico primário, o meu pai agora ta tipo ele é policial ta terminando o ensino médio, mas assim já por conta própria numa escola particular, aí resumindo é isso praticamente a maioria das famílias da nossa geração que nem eu te falei é de (1) década de 50, 60 onde o país não tinha assim .

130 131 132 133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 independência?

Henrique: Presenciaram a independência e também e o ensino era pra

poucos, aí ( ) assim, acho que a geração daqui, a próxima geração aqui da, de 2010, 2020 já vai ser tipo de filhos com, de pais que já tem o ensino superior assim acho que dá pra ganhar bastante, aí minha família é aquela família humilde, minha mãe é doméstica, meu pai e policial, a gente ( ) total, que a gente sabe né? @2@ Meu pai teve um relacionamento extraconjugal, assim, mas, porque a gente é seis, eu sou o segundo da família, todos os meus irmãos sempre me dou bem, assim, briga sempre tem.

Y1: ∟ Quantos irmãos?

Henrique: A gente é seis, tem uma irmã só e eu com ela assim é ferro e

fogo, a gente se @ama@, assim tem o mais velho ta com 25, eu tenho 22, aí é que nem o sonho de qualquer pai pra nossa geração é ter um filho formado assim, um filho com curso superior pra poder mandar a família, já que eles não conseguem (2) dar pro filho o que eles não tiveram, porque na época não tinham oportunidade, minha mãe, por exemplo, ela tem ( ), assim uma habilidade enorme, gostaria de estudar, ela até hoje tipo assim, com 47 anos foi pros Estados Unidos ( ), ela tipo aprendeu inglês sozinha assim, tipo assistindo televisão né? Dei dicas, eu cheguei lá ela fala inglês comigo assim, eu entendo, assim, mas não teve oportunidade, na época os pais eram agricultores, não tinha como colocar ela na escola e é isso, por exemplo, digamos eu sou o orgulho da família, porque eu tô fazendo um curso superior, resumindo a família tava já, da nossa geração que tá aqui presente é isso assim, com filho fazendo curso superior, alguns já voltaram e é só alegria assim

Tal como Henrique coloca, ele é o “orgulho da família” (linha 153) porque está cursando a graduação. Seu pai estava concluindo o ensino médio, por interesse próprio, e sua mãe cursou o nível primário, aprendeu inglês sozinha (“tipo assistindo televisão ne?”, linha 149) e viajou para os Estados Unidos aos 47 anos. Pode-se dizer que o exemplo é mútuo: tanto os pais se espelham no filho que está se esforçando para estudar longe de casa, tanto o filho orgulha-se dos pais, que o incentivaram, mesmo sem terem tido oportunidade na época adequada, e que agora, conseguem dar prosseguimento aos estudos e realizar desejos e sonhos. Todos são estudantes, apesar de pertencerem a gerações distintas.

Flávia também tem depoimentos que atestam a importância do estudo no seio da família:

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Flávia: Minha família, eu tenho muito orgulho da minha família @3@, é a

minha família é muito unida e @2@ e eu tenho um irmão e três irmãs, praticamente essa coisa assim de apanhar de irmã eu nunca apanhei, eu sou a mais velha e a minha família incentivou muito que pra eu vir estudar, estudar fora, ter um ensino superior, a minha mãe é doméstica e meu pai tem o ensino superior ele é topógrafo e é isso

O apoio e incentivo da família parecem ser decisivos para o avanço dos jovens caboverdianos em direção à experiência de migração temporária para estudo. Um dado interessante é o fato de Flávia não ter comentado sobre sua separação da filha, de 6 anos, que ficara com os pais em Cabo Verde, desde a tenra idade, para que viesse para o Brasil estudar. Além dela, Tatiana e Henrique também têm filhos em comum, e não chegaram a mencionar essa questão durante o grupo de discussão85.

Como esses fatos são de conhecimento de todo o grupo de amigos, pensamos que houve certo constrangimento, ou falta de liberdade, frente às duas pesquisadoras.