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A cláusula geral de boa-fé na negociação coletiva

CAPÍTULO 3 – EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO COLETIVO

3.9. A cláusula geral de boa-fé na negociação coletiva

A cláusula geral de boa-fé ganhou destaque no ordenamento jurídico pátrio com o Código Civil de 2002, que atua como um modelo receptor dos direitos fundamentais.

No atual Código Civil, têm-se diversos exemplos de cláusulas gerais, como por exemplo, a boa-fé atinente aos negócios jurídicos no art. 113155, a função social do contrato, no art. 421156, a boa-fé objetiva no art. 422157, dentre outros.

A cláusula geral de boa-fé permite um diálogo mais verossímil entre as partes, onde se atribui, no caso concreto, a conduta devida por um cidadão médio, de acordo com aquele quadro fático, ou seja, “o dever de agir de acordo

154 § 3o Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de

trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

155 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar

de sua celebração.

156 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

157 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em

com determinados padrões socialmente recomendados, de correção, lisura, honestidade, para não frustrar a confiança legítima da outra parte158”.

João de Lima Teixeira Filho159 expõe que:

A boa-fé na negociação coletiva deve estar presente não só na fase de confecção do assenso, pela concentração de esforços para a conclusão com êxito na negociação, mas também na fase de fiel execução do que pactuado.

[...] O princípio da boa-fé revela-se na disposição da parte em negociar, analisar propostas adequadamente formuladas e também, com muita frequência, no modo pelo qual o acordo ou a convenção coletiva é regido. O instrumento normativo que recolhe e enuncia as condições de trabalho negociadas não pode se transformar em fonte de dissidência, devido a uma redação premeditadamente ambígua ou contraditória. Esses instrumentos de autocomposição servem para encerrar o conflito, nunca para instigá-lo.

De acordo com Teresa Negreiros160, esse princípio representa a valorização da dignidade da pessoa humana e encara as relações obrigacionais como um espaço de cooperação e solidariedade entre as partes.

A boa fé objetiva, diferentemente da boa-fé subjetiva - que representa mero estado psicológico - impõe deveres, que não estão expressos no liame obrigacional, realçando “um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido de cooperação recíproca”161.

Esses deveres dos contratantes são chamados de “deveres anexos”162 do contrato, que se encontram presentes já antes da celebração do

158 SLAWINSKI, Célia. Contornos Dogmáticos e a Eficácia da Boa-Fé Objetiva: o princípio da

Boa-Fé no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 14-15.

159 TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Negociação Coletiva de Trabalho. In: Instituições de Direito

de Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 1045-1047.

160 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2006. p. 117-118.

161 Ibid. p. 123.

162 “Como normas de criação de deveres jurídicos, a boa-fé dá origem aos chamados “deveres

laterais”, também conhecidos como acessórios, ou ainda secundários, em razão de não se referirem direta e primordialmente ao objeto central da obrigação. Ao se exigir que os contratantes, quer na conclusão, quer na própria execução do contrato, “guardem os princípios da probidade e boa-fé”, o CC, muito mais do que apenas exigir um dever geral de não prejudicar, autoriza a imposição de uma série de deveres de conduta mutuamente exigíveis entre os contratantes e que independem da vontade de um e de outro”. (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA,

negócio jurídico e perduram além do seu término (art. 422163, CC), independente de expressa pactuação e mesmo da vontade das partes.

O princípio da boa-fé objetiva, portanto, obriga todos os envolvidos, no negócio jurídico, a se comportarem de maneira honesta, ilibada e com consideração recíproca.

A doutrina trabalhista tradicional elenca, em suma, oito princípios norteadores do processo de negociação coletiva entre empregados e empregadores, sendo eles: a inescusabilidade negocial, autonomia da vontade coletiva, obrigatoriedade da atuação sindical, paz social, igualdade, contraposição, transparência e razoabilidade. Entretanto, a análise desses princípios demonstra que todos eles, de alguma forma, são desdobramentos do princípio da boa-fé nas relações coletivas de trabalho164.

Logo, a negociação coletiva deve partir do pressuposto básico de que as partes se comprometem a negociar de boa-fé e a proceder com lealdade em todos os seus atos, assim como na execução do que vier a ser acordado165.

A boa-fé, portanto, é requisito intrínseco da negociação coletiva e deve estar presente na convocação da assembleia (devem ser convocados, com antecedência suficiente à data-base, todos os membros da categoria que sofrerão os efeitos das normas coletivas, para que haja representatividade na formação da pauta de reivindicações), na definição das reivindicações da categoria (que devem ser sérias, plausíveis e exequíveis pela contraparte, uma vez firmada a convenção ou o acordo coletivo166), no processo negocial de

Heloísa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. 1. ed. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 19).

163 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em

sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

164 A esta conclusão já havia chegado Hugo Gueiros Bernardes, para quem o princípio da boa-

fé ou lealdade encerraria todos os outros. (BERNARDES, Hugo Gueiros. Princípios da Negociação Coletiva. Relações Coletivas de Trabalho: estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Süssekind. São Paulo: LTr, 1989. p. 357 e ss.).

165 SILVA, Otávio Pinto e. A contratação coletiva como fonte de direito do trabalho. São Paulo:

LTr, 1998. p. 105

166 “A boa-fé na negociação coletiva deve estar presente na fase de discussão do instrumento

exigências (que deve sempre se pautar pela linha traçada na pauta de reivindicações), nas concessões realizadas (que somente devem ser feitas com alguma contrapartida em benefício da categoria e mediante justificativa concreta) e na prestação de contas aos membros da categoria (que deve ser feita, tanto quanto possível, durante e após a conclusão do processo negocial).

TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 22. ed. Vol. II. São Paulo: LTr, 2005. p. 1195).

CAPÍTULO 4 - A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O