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CAPÍTULO 4 – A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

4.3. A reforma trabalhista e o direito coletivo

Como vem sendo demonstrado desde o início desta pesquisa, a Lei nº 13.467/2017 teve como escopo, sobretudo, a valorização da negociação coletiva, no intuito claro de fazer com que tal instituto, finalmente, dispusesse da força e autonomia que a Constituição Federal lhe conferiu.

195 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas

As alterações trazidas pela denominada Reforma Trabalhista expressam, legislativamente, respostas às alterações havidas na realidade do Direito do Trabalho. O novo texto legal buscou alinhar as necessidades advindas das inovações tecnológicas, bem como as novas formas de relações de trabalho e emprego.

A constitucionalidade da nova redação legal deriva da interpretação do texto constitucional, na medida em que a denominada Reforma Trabalhista dignifica o trabalhador ao lhe conferir plena autonomia e legitimidade para participar e decidir dos processos referentes à sua rotina laboral, ao mesmo tempo em que estimula a negociação coletiva, possibilitando o alinhamento entre os interesses e a realidade fática.

O art. 7º, inciso XXVI196, da Constituição Federal reconhece os acordos e convenções coletivas, e os integra no rol de garantias fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais. A Convenção nº 154197 da OIT, ratificada pelo Brasil, confere aos sindicatos o direito de decidir e negociar sem a interferência do Estado.

Ademais, os incisos VI198, XIII199 e XIV200, do mesmo artigo e diploma legal, preveem expressamente hipóteses de flexibilização das normas trabalhistas, desde que negociadas mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou seja, a Constituição Federal sempre prestigiou e validou as normas coletivas, enaltecendo a autonomia da vontade coletiva.

196 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria

de sua condição social: (...)

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (...)

197 BRASIL. Decreto Lei n. 1256 de 29 de setembro de 1994. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1256.htm. Acesso em: 05 out. 2019.

198 VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

199 XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro

semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

200 XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento,

Merece destaque a inexistência de hipossuficiência ou fragilidade na relação havida entre os sindicatos representativos das categorias profissionais e dos empregadores. Trata-se de negociações equilibradas, em termos de acesso a informações e respaldo técnico, preenchendo todos os requisitos elencados no art. 104201 do Código Civil, conferindo plena eficácia ao negócio jurídico coletivo celebrado. Inclusive, nos moldes preconizados pelo art. 8º202 da Constituição Federal, os sindicatos são tidos como guardiões da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores e da sociedade.

Assim, uma vez respeitados os requisitos do negócio jurídico, não há justificativa plausível a obstar a validade e o fiel cumprimento dos acordos e das convenções coletivas, os quais se caracterizam como legítimos instrumentos de prevenção e autocomposição de conflitos trabalhistas.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento pela constitucionalidade de parte dos artigos inseridos pela Lei nº 13.467/17. Na ocasião, conforme já exposto, o ministro Luiz Roberto Barroso, no julgamento do RE nº 590.415203, entendeu pela validade de uma cláusula presente em acordo

201 Ibid.

202 Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

203 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinário 590.415. Santa

Catarina. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=308967943&tipoApp=.pdf. Acesso em: 01 set. 2019.

coletivo que dava quitação geral às verbas rescisórias em razão de Plano de Dispensa Incentivada. O ministro destacou como fundamento o exercício da autonomia da vontade do empregado em optar (ou não) pelo plano e a não verificação de assimetria de poder no âmbito do direito coletivo do trabalho.

No mesmo sentido, o saudoso ministro Teori Zavascki também considerou válido o disposto no acordo coletivo referente à supressão do pagamento de horas in itinere na situação do RE nº 895.759204.

Deste modo, conforme se verifica, a sobreposição do negociado sobre o legislado mostra-se plenamente harmoniosa com o texto da Constituição, vez que prioriza a autonomia coletiva da vontade, aproximando o mercado de trabalho à realidade laboral, empoderando as relações sindicais.

Cabe frisar, ainda, que a fixação de prazo para vigência da convenção ou do acordo coletivo de trabalho, a nosso sentir, estimula a reflexão, a renegociação da norma e a segurança jurídica, o que ainda mais, valoriza a autonomia da vontade.

Assim, entendemos que a Reforma Trabalhista, no âmbito do Direito Coletivo de Trabalho, mostra-se constitucional e decorreu da necessidade de atualização das normas, haja vista a modernização e evolução das relações de trabalho. Tais alterações advieram da proposta dos trabalhadores e empresários e foram ratificadas pelo Congresso Nacional e referendado pelo STF.

204 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 895.759. Pernambuco. Disponível

em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12923110. Acesso em: 01