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Teoria do conglobamento aplicada na solução de conflitos de normas

CAPÍTULO 4 – A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

4.2. Teoria do conglobamento aplicada na solução de conflitos de normas

A Teoria do Conglobamento, após o advento da Lei nº 13.467/2017, merece destaque no que diz respeito à sua aplicação, haja vista as importantes alterações que sobrevieram com o texto da nova lei.

Dânia Fiorin Longhi187 define a teoria do conglobamento como:

Um método de interpretação utilizado na existência de conflito entre normas, no qual o princípio da norma mais favorável, que é o que solucionará a questão, é aplicado no conjunto, não permitindo o fracionamento, podendo o método abranger o instrumento como um todo ou por instituto, de acordo com a natureza jurídica do instrumento em que se situa a norma coletiva.

Maurício Godinho Delgado188 adverte que a teoria do conglobamento:

Propugna pela organização do instrumental normativo em função da matéria tratada (ratione materiae), para se extrair o instrumental mais favorável, encarado este sob o ângulo unitário do conjunto. Está-se, portanto, diante de um critério sistemático, em que se respeita cada regime normativo em sua unidade inteira e global.

Dos ensinamentos acima transcritos, tem-se que a teoria do conglobamento é aquela que, ao comparar fontes, elege a que, em seu conjunto, for mais favorável. Assim, de acordo com essa teoria, os institutos jurídicos objetos de confronto não são fracionados, considerando-se o todo na avaliação do que é favorável.

187 LONGHI, Dânia Fiorin. Teoria do Conglobamento. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito).

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2008. p. 111.

188 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. p.

Importa ressaltar, ainda, que na análise do instrumento mais favorável, a teoria do conglobamento privilegia a coletividade, ou seja, considera- se a coletividade interessada em detrimento do trabalhador individual189.

Os Tribunais Trabalhistas, em sua maioria, aplicam a teoria do conglobamento na análise do caso concreto, independentemente de haver norma mais específica (ACT) ou não. Usualmente, adota-se o instrumento mais favorável aos trabalhadores.

Assim, cabe analisar referida teoria sob a luz do princípio da especificidade.

A nova redação do art. 620190 da CLT, dada pela Lei nº 13.467/2017, estabeleceu que na interpretação do instrumento coletivo, deve prevalecer o acordo coletivo sobre a convenção coletiva de trabalho, privilegiando a especificidade e autonomia da vontade coletiva.

Homero Batista Mateus da Silva191 aduz que:

Um bom critério de análise do confronto entre convenção coletiva e acordo coletivo é realmente a especificidade. Por esta palavra, queremos dizer que o acordo, por ser mais específico e por apanhar a realidade da empresa mais de perto, deveria sempre ter primazia sobre a convenção coletiva.

Verifica-se, mais uma vez, que a nova redação do art. 620 da CLT, trazida pela lei da Reforma Trabalhista, buscou privilegiar o princípio da autonomia da vontade coletiva em conjunto com o princípio da especificidade, incentivando as negociações no local de trabalho.

189 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. p.

1430.

190 Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão

sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.

191 SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Editora

Nesse contexto, o acordo coletivo, que é realizado entre a empresa e o Sindicato que representa os trabalhadores, por ser mais específico e conhecer melhor a realidade fabril, é a norma mais adequada a ser aplicada, desde que respeitados os requisitos de validade do negócio jurídico.

Sob esse prisma, cabe trazer à baila as palavras de Homero Batista Mateus da Silva192 sobre o assunto:

[...] o art. 7º, VI, da CF admite a redução salarial ou por acordo ou por convenção: vista a questão por outro ângulo, como se trata de um comando constitucional, qualquer dos dois instrumentos poderia prevalecer com a cláusula maléfica, ou seja, a norma mais benéfica do reajuste cederia diante da norma maléfica do rebaixamento salarial por força do disposto na CF. Daí porque alguns autores chegaram mesmo a sustentar que o art. 620 teria deixado de ser recepcionado em 1988, porque o princípio da norma mais favorável sofreu abalo com o tema da redução salarial negociada.

A negociação realizada diretamente entre o sindicado dos trabalhadores e a empresa permite que o ajuste firmado pelas partes esteja a par da realidade enfrentada na ocasião, oportunizando, por exemplo, que uma empresa com dificuldades financeiras ajuste com o sindicato representativo dos trabalhadores um conjunto de normas que serão efetivamente cumpridas, evitando, assim, que a empresa utilize da dispensa de empregados ou descumprimento de direitos, como medida de preservar a saúde financeira que lhe resta.

O raciocínio exposto acima pode e também deve ser feito inversamente, à medida que para uma empresa que esteja com saúde financeira, há a possibilidade de se firmar um acordo coletivo, ofertando vantagens e melhores condições de trabalho aos seus empregados, de modo mais específico do que o estabelecido em convenção coletiva de trabalho.

192 SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Editora

Nessa esteira, Paulo Sérgio João193 aduz que:

Trata-se de um avanço para que as negociações nos locais de trabalho sejam incentivadas e adaptadas aos interesses no ambiente de trabalho com a garantia de que não se aplicará o critério da condição mais benéfica quando o assunto se referir a norma coletiva, porquanto haverá motivos para que seja observada a teoria do conglobamento e sua aplicação será inconteste.

Esse foi o entendimento exarado no acórdão publicado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região:

RECURSO ORDINÁRIO. CONFLITO ENTRE NORMAS

COLETIVAS. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. A

jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica no sentido de que o conflito entre normas coletivas deve ser dirimido mediante aplicação da teoria do conglobamento, ante a inteligência do art. 620, da CLT, devendo-se analisar a convenção e o acordo coletivo conflitantes, como um todo, com vista a aferir qual deles é mais benefício para o trabalhador. Na

espécie, em que pese o ACT preveja requisito para o empregado fazer jus ao ressarcimento de valores em decorrência da refeição pela jornada excedente, não exigido pelo CCT, uma análise global demonstra que se trata de norma coletiva visivelmente mais benéfica, devendo ser aplicada ao seu contrato de trabalho. Recurso provido, no

ponto”194. (Grifos nossos)

Ainda que possa haver Convenção Coletiva com cláusulas mais vantajosas, o Acordo Coletivo traz consigo condições de trabalho mais próximas às possibilidades de cada uma das partes envolvidas, de modo que confere maior segurança quanto à manutenção do vínculo empregatício, fator este, que possui maior relevância para os trabalhadores e, portanto, lhes é mais benéfico.

193 JOÃO, Paulo Sérgio. Reforma Trabalhista traz flexibilização responsável da CLT. Disponível

em: https://www.conjur.com.br/2017-out-13/reflexoes-trabalhistas-reforma-trabalhista-traz-

flexibilizacao-responsavel-clt. Acesso em: 22 set. 2019.

194 TRT – 6ª Região, Proc.: 0001483-65.20165.06.0017, Relatora: Des. Gisane Barbosa de

A antiga redação do artigo 620, da CLT, que determinava a prevalência da convenção coletiva de trabalho, quando mais favorável, sobre o acordo coletivo, representava mais um desestímulo à realização das negociações coletivas, vez que não obstante o acordo coletivo tenha o viés de observar de maneira mais próxima as especificidades da relação entre empregador e empregado, a justificativa quanto à suposta proteção obreira se sobrepunha à especificidade e a autonomia da vontade coletiva.

O princípio da especificidade aparece agora incorporado à nova redação do art. 620 da CLT e, considerando que o processo de negociação coletiva consiste em concessões recíprocas, de forma que o instrumento constitui expressa manifestação da vontade e condição mais benéfica às partes, as cláusulas decorrentes da negociação coletiva não podem ser analisadas de forma atomizada, pois cada uma se vincula ao equilíbrio da negociação, devendo prevalecer, a nosso sentir, o instrumento normativo mais específico e, consequentemente, o mais benéfico para o caso concreto.

Tal conclusão é inegável, na medida em que a Convenção Coletiva é instrumento celebrado por dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais, ao passo que o Acordo Coletivo é o negócio jurídico, de caráter normativo, celebrado entre o sindicato representativo da categoria profissional e uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica195.