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Validade das normas dispostas em convenções e acordos coletivos

CAPÍTULO 3 – EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO COLETIVO

3.4. Validade das normas dispostas em convenções e acordos coletivos

A análise da validade da norma tem como fim a sua aplicabilidade.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior115 adverte que uma norma válida:

Pode ser usada pelo editor como garantia de sua expectativa em face da expectativa dos endereçados em geral (ela é um

prognóstico normativo do comportamento reativo do

endereçado) ou, especificamente, como uma instrução garantida para o comportamento do aplicador das normas, ou como um instrumento garantido de solução de conflitos.

Maria Helena Diniz116, ao tratar dos aspectos essenciais da validade da norma jurídica, afirma que a validade é um complexo, com aspectos de vigência, eficácia e fundamento, sendo que “esses três aspectos essenciais da validade são requisitos para que a norma jurídica seja legitimamente obrigatória. Há, na norma, uma relação necessária entre a validade formal, fática e ética”.

Norberto Bobbio117 aduz que, para se decidir se uma norma é validada, é necessário realizar três operações: a) averiguar se a autoridade de quem ela emanou tinha poder legítimo para emanar a norma jurídica; b) averiguar se não foi ab-rogada, ou seja, quando outra norma no tempo a tenha

114DUARTE, Ícaro de Souza. A posição Hierárquica da Convenção Coletiva de Trabalho. Revista

Magíster de Direito Trabalhista e Previdenciário, v. 39, p. 65, nov./dez., 2010.

115 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

p. 106.

116 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 395.

expressamente ab-rogado ou tenha regulado a mesma matéria; c) averiguar se é incompatível com outras normas do sistema.

A vigência relaciona a existência da norma, indicando uma propriedade em relação às outras normas, assim, uma norma inferior só será válida se fundada em norma superior, reveladora do órgão competente e do processo de sua elaboração118.

No que diz respeito ao âmbito temporal e espacial, dizer que uma norma é válida significa dizer que ela vigora em um determinado espaço ou período temporal. Vigência temporal é uma qualidade da norma quanto ao tempo de sua atuação, período em que é invocada para produzir efeitos. A vigência espacial pauta-se pela territorialidade. No Brasil, a norma aplica-se no território do Estado, conforme disposição dos arts. 8º e 9º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Além da questão formal para averiguação da validade, há também a validade fática e ética, que transita pela questão da eficácia. O problema da eficácia de uma norma, para Norberto Bobbio119, é que a norma pode ou não ser seguida pelas pessoas a quem é dirigida no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a invocou.

Segundo Maria Helena Diniz120, se uma norma não é obedecida e não é praticada, esta não deve ser reconhecida como validada:

[...] uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma-se dizer – não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente). Um mínimo de eficácia (como sói dizer) é a condição da sua vigência (validade).

Quanto à validade ética ou axiológica, a norma deve ser sempre uma tentativa de realização de valores, utilidade, liberdade, ordem, segurança,

118 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 395.

119 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. São Paulo: Edipro, 2005. p. 47. 120 DINIZ, Maria Helena Diniz, op. cit., 2007. p. 404-405.

visando à consecução de fins necessários à pessoa e à sociedade. Toda norma prevista em acordo ou convenção coletiva deverá atingir o fim teleológico do Direito do Trabalho.

No que diz respeito à compatibilidade com outras normas do sistema, observa-se sua abordagem sob dois aspectos: o primeiro, de acordo com José Barros Moura121, é a classificação e a compatibilização das normas com o sistema, trazendo a hipótese de hierarquia das normas. A conclusão a que se chega é que, não estando adequada ao critério ali disposto, a norma não seria válida; o segundo toma como referência a existência de um conflito hierárquico, mas não se exclui pela invalidade da norma e sim pela não efetividade de uma delas, trazendo critérios para o reconhecimento da efetividade.

Afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior122 que a efetividade é uma relação de adequação ante o aspecto-relato e o aspecto de cometimento da mesma norma:

Nesse sentido, pode-se dizer, numa formulação simplificada, que as normas efetivas são as normas obedecidas. Mas esta simplificação oculta um dado importante, qual seja, que a obediência é apenas uma conseqüência da efetividade e não a própria efetividade.

O autor123 esclarece que na doutrina encontram-se dois conceitos ligados à efetividade. Um quanto ao ângulo linguístico, caso em que a doutrina, embora com certa indecisão, usa o termo eficácia, no sentido de aptidão para produzir efeitos jurídicos por parte da norma. Por outro ângulo, concepção meramente semântica, segundo a qual a norma efetiva é a cumprida e a aplicada concretamente em certo grau.

121 MOURA, José Barros Moura. A Convenção Coletiva entre as fontes do Direito do Trabalho.

Coimbra: Almedina, 1984. p. 145.

122 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

p. 118.

Esses são os critérios que devem ser observados para o reconhecimento da validade e eficácia da norma.

Especificamente em relação às normas dispostas em acordo ou convenção coletiva de trabalho, é cediço que a autonomia da vontade assegurada pelo reconhecimento dos negócios jurídicos trabalhistas, previstos no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, encontra limite nas normas heterônomas de ordem cogente, que tratam de direitos indisponíveis.

Nesse contexto, um dos fundamentos motivadores da reforma trabalhista, Lei nº 13.467/17, foi o fortalecimento da negociação coletiva, mediante a celebração de negócios jurídicos, onde prevalece a autonomia da vontade coletiva.

O art. 611-A124 da CLT elenca um rol exemplificativo de temas que podem ser objeto de negociação ao dispor que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre as matérias elencadas nos incisos do referido artigo.

124 Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei

quando, entre outros, dispuserem sobre:

I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual;

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei n. 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI - regulamento empresarial;

VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado;

XII - enquadramento do grau de insalubridade;

XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;

XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo.

Já no artigo 611-B da CLT, foi especificado o rol das matérias que não podem ser objeto de negociação porque compreendem direitos de indisponibilidade absoluta. No nosso sentir, embora o referido artigo utilize a palavra “exclusivamente”, o rol não é taxativo.

Desse modo, cabe trazer a recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho que, em 30.08.2019, noticiou decisão da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), que ratificou a importância e o valor da autonomia negocial no âmbito coletivo.

No caso apreciado, a Colenda Turma entendeu pela validade da cláusula coletiva que dispunha em sentido contrário do quanto previsto na nova redação do art. 477125 da CLT.

A Lei nº 13.467/17 alterou a redação do artigo 477 da CLT, revogando seu parágrafo 1º, tornando facultativa a homologação da rescisão contratual perante o Sindicato, passando a ser mera condição negocial de interesse das partes, ficando trabalhadores e empregadores, qualquer que seja o tempo de serviço, liberados da antiga formalidade.

Todavia, o Ministério Público do Trabalho da 8ª Região ajuizou Ação Anulatória de Convenção Coletiva em face do Sindicato dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade por entender que a cláusula coletiva que estabelece a obrigatoriedade da homologação da rescisão contratual perante o Sindicato burocratiza e dificulta o acesso, pelo trabalhador, ao FGTS e ao Seguro Desemprego.

O acórdão126, de relatoria do Ministro Caputo Bastos, sustenta o fortalecimento da negociação coletiva pós reforma trabalhista, dispondo que:

125 Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na

Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1o (Revogado) (...).

126 TST-RO, Proc.: 0000585-78.2018.5.08.0000, Relator Min. Caputo Bastos, publicado no DO

Apesar da nova redação do artigo 477 da CLT, não exigir mais que o pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de um ano de serviço, só seja válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade competente, nada impede, em relação a esse tema, a participação direta das partes na formulação de normas convencionais que lhes sejam mais benéficas, garantindo-lhes maior segurança à homologação e quitação do contrato de trabalho ao dispor em cláusula de acordo coletivo que as homologações das rescisões de Contrato Individual de Trabalho, serão feitas por um Delegado Sindical autorizado pelo Sindicato da categoria.

Da análise do julgado, constata-se, conforme já anteriormente dito, que cada vez mais, o Poder Judiciário vem conferindo maior valor à autonomia privada coletiva, atribuindo validade e ampla eficácia às normas dispostas no negócio jurídico coletivo trabalhista.

Nesse contexto, explica Paulo Sérgio João127:

[...] no campo das negociações coletivas, a liberdade negocial está subordinada à autonomia da vontade coletiva com restrições marcadas (art. 611-B, da CLT) exclusivamente pela indisponibilidade absoluta dos direitos, considerados como garantias fundamentais e não condicionados a eventos para sua aquisição. E por esta razão, talvez, se possa afirmar que o negociado prevalecerá sobre o legislado, competindo às partes envolvidas nos embates de interesses a concretização em norma jurídica a vontade extraída na assembleia dos interessados, quando se tratar de categoria econômica ou profissional, respeitando sua aplicação sem distinção.

O resultado das negociações coletivas, que antes era a mera repetição do quanto previsto em lei, agora merece reflexão, pois o fato de a Reforma Trabalhista ter excluído determinadas obrigações, não impossibilita a permanência como objeto de cumprimento pela norma coletiva, prevalecendo, sempre, a autonomia da vontade coletiva.

127 JOÃO, Paulo Sérgio. Controvérsias da prevalência do negociados sobre o legislado: limites

da sua aplicação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-06/controversias- prevalencia-negociado-legislado-limites-aplicacao. Acesso em: 01 set. 2019.