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CAPÍTULO 2 – DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

2.1. Conceito de negociação coletiva de trabalho

A necessidade de discussão sobre temas relacionados ao trabalho surgiu durante o período da Revolução Industrial, ante a necessidade de fazer frente à exploração do capital sobre o trabalho humano. A ideia de se constituir um procedimento de negociação surgiu no mesmo período, contudo, sem uma forma jurídica específica, à margem da lei, ante a inexistência de qualquer direito que pudesse garantir a sua eficácia.

Após um longo processo histórico, o fruto da negociação coletiva de trabalho passou a ser reconhecido como negócio jurídico, elaborado pelas partes interessadas, apto à criação de regras próprias, com a finalidade de harmonizar os interesses contrapostos decorrentes do “conflito originário da distribuição desigual do poder nos processos produtivos”32. Assim, a convenção ou o acordo que resultam da negociação coletiva tornou-se importante fonte do Direito do Trabalho.

Pode-se dizer que, mediante a evolução e desenvolvimento da negociação coletiva, as relações de trabalho passaram a ser vistas sob uma ótica mais social e menos econômica, atingindo uma coletividade de trabalhadores, regulamentando a convivência entre o capital e o trabalho.

2.1.1. Definição doutrinária de Negociação Coletiva

São muitas as definições de negociação coletiva na doutrina brasileira. Para Amauri Mascaro Nascimento33, negociação coletiva “é forma de desenvolvimento do poder normativo dos grupos sociais segundo uma

32 GIUGHI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1991. p. 15.

33 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 29. ed. São Paulo: LTr,

concepção pluralista que não reduz a formação do direito positivo à elaboração estatal”.

Afirma, ainda, que “é a negociação destinada à formação consensual de normas e condições de trabalho que serão aplicadas a um grupo de trabalhadores e empregadores”.

Segundo Maurício Godinho Delgado34, a negociação coletiva é um método autocompositivo de solução de conflitos coletivos trabalhistas, uma “fórmula essencialmente democrática, gerindo interesses profissionais e econômicos de significativa relevância social”.

De acordo com Octavio Bueno Magano35, a “negociação coletiva deve ser compreendida como o conjunto de procedimentos de autocomposição, tendentes à superação de um conflito coletivo”.

Outro autor que bem analisou a definição de negociação coletiva foi José Augusto Rodrigues Pinto36:

A negociação coletiva deve ser entendida como o complexo de entendimentos entre representações de categorias de trabalhadores e empresas, ou suas representações, para estabelecer condições gerais de trabalho destinadas a regular as relações individuais entre seus integrantes ou solucionar outras questões que estejam perturbando a execução normal dos contratos.

As definições doutrinárias, com pequenas variações, entendem que as negociações coletivas são, portanto, uma forma de autocomposição de conflitos de natureza coletiva, regulamentada mediante instrumento jurídico: acordo ou convenção coletiva de trabalho.

34 DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2015. p.

105-106.

35 MEIRELLES, Davi Furtado. Negociação coletiva no local de trabalho: a experiência dos

metalúrgicos do ABC. São Paulo: LTr, 2008. p. 29.

36 PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. 2. ed. São Paulo:

Desse modo, tem-se a negociação coletiva como um procedimento de discussão, envolvendo uma ou mais organizações empresariais e, de outro lado, uma ou mais organizações de trabalhadores, visando à regulamentação das condições de trabalho, com aplicabilidade aos contratos individuais abrangidos, resultando na realização de um negócio jurídico.

2.1.2. Definição Legislativa de Negociação Coletiva

No sistema sindical brasileiro, a definição legal de negociação coletiva pode ser extraída das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Especificamente as Convenções nº 9837 e nº 15438, da OIT, versam sobre o tema, sendo que ambas foram ratificadas pelo Brasil.

A Convenção nº 98 dispõe sobre o direito de organização sindical, de sindicalização e de negociação coletiva, estabelecendo as medidas que cada estado deve tomar para o respectivo desenvolvimento.

O direito à negociação coletiva está disciplinado no art. 4º da referida Convenção. Vejamos:

[...] deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação

voluntária entre empregadores ou organizações de

empregadores e organizações de trabalhadores com objetivo de

37 Aprovada pela 32ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1949), com

entrada em vigor no plano internacional em 18/07/51. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 49, de 27/08/52, ratificada em 18/11/52, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 33.196, de 29/06/53, com vigência nacional a partir de 18/11/53, segundo ensina Arnaldo Süssekind. (SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e outros tratados. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 206).

38 Aprovada pela 67ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1981), com

entrada em vigor no plano internacional em 11/08/83. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 22, de 12/05/92, ratificada em 10/07/92, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 1.256, de 29/09/94, com vigência nacional a partir de 10/07/93, também segundo informações de Arnando Süssekind. (Ibid. p. 388).

regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego.

Entretanto, foi a Convenção nº 154 da OIT, em complementação à Convenção nº 98 do mesmo diploma legal, que definiu, em seu art. 2º, o que seria negociação coletiva:

Art. 2º - Para efeito da presente Convenção, a expressão "negociação coletiva" compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de:

a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou

b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.

Considerando a redação do art. 2º da Convenção nº 154 da OIT, tem- se que o objetivo principal das organizações de empregados e empregadores é a negociação coletiva.

A Constituição Federal de 1988 regulamenta as relações coletivas de trabalho, trazendo a negociação coletiva como regra, conforme dispõe seu art. 8º, inciso VI39, que deve ser interpretado como um direito.

A obrigatoriedade de que trata o inciso VI do art. 8º da Constituição Federal não pode e não deve ser interpretada como monopólio sindical, mas sim como um dever do sindicato em participar da negociação coletiva na qualidade de representante dos interesses daqueles que o compõem. Nesta linha de raciocínio, temos o art. 61640 da CLT, que prevê a impossibilidade de recusa das partes quando provocadas à realização de uma negociação coletiva.

39 Art. 8º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

40 Art. 616 – Os sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as

empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.

Ensina Alice Monteiro de Barros41, que apesar de o aludido inciso mencionar sindicatos no plural, o entendimento majoritário é no sentido de que a participação obrigatória nas negociações refere-se ao sindicato profissional, em decorrência do princípio de tutela, inferindo-se daí que não é obrigatória a participação do sindicato patronal, mesmo porque na celebração de acordo coletivo de trabalho, com uma ou mais empresas, não há necessidade da presença do sindicato patronal.

O legislador infraconstitucional, notadamente na CLT, preocupou-se em definir, de modo mais detalhado, os negócios jurídicos advindos das negociações coletivas. É o que se constata da leitura do art. 61142 do referido diploma legal.

Desse modo, Ivani Contini Bramante43, ao comentar o artigo supramencionado, ensina que:

A negociação coletiva, instrumento da autonomia privada coletiva e poder de auto-regulamentação dos interesses próprios é considerada como instituto da democracia nas relações trabalho-capital, porque é expressão da liberdade sindical, instrumento de pacificação dos conflitos coletivos de trabalho, instrumento de participação dos trabalhadores na fixação das normas e condições de trabalho, atende a dinâmica das normas de trabalho superadora da lentidão legislativa e das insuficiências da contratação individual, instrumento de flexibilização das condições de trabalho (art. 7º, VI, XIII, XIV, da CF) e de adequação das normas que regem as relações de trabalho.

Logo, temos que a convenção e o acordo coletivo de trabalho são frutos do negócio jurídico firmado entre os sindicatos e/ou empresas, destinado a estipulação das normas e condições de trabalho a serem aplicadas nos

41 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013. p.

993.

42 Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou

mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

43 BRAMANTE, Ivani Contini. In: MACHADO, Costa (org.); ZAINAGUI, Domingos Silvio (coord.).

contratos individuais de trabalho. A norma constante da convenção coletiva tem por destinatários todos os trabalhadores integrantes das categorias representadas pelos sindicatos negociantes. A norma coletiva constante do acordo coletivo de trabalho tem por destinatários os trabalhadores integrantes da empresa ou grupo de empresas negociante.

Assim, os efeitos da negociação alcançam todos os trabalhadores abrangidos na representação da entidade que celebrou a norma coletiva (convenção coletiva) e empregados de uma empresa (acordo coletivo), independentemente de filiação sindical.

Portanto, a eficácia da negociação coletiva, alcançada mediante a realização de negócio jurídico (convenção coletiva ou acordo coletivo), delimita- se aos sindicatos signatários, entretanto, os termos pactuados têm prevalência sobre a lei44. O seu caráter é normativo, uma vez que as normas coletivas de trabalho se aplicam aos contratos individuais de trabalho em curso e àqueles celebrados na vigência da convenção ou acordo coletivo.