• Nenhum resultado encontrado

O princípio da proteção do trabalhador em face da flexibilização dos direitos

CAPÍTULO 3 – EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO COLETIVO

3.6. O princípio da proteção do trabalhador em face da flexibilização dos direitos

Com a crise da década de 70, a partir da crise do petróleo, houve um intenso questionamento da intervenção estatal na economia, principalmente no âmbito das relações de trabalho. Acusa-se a legislação social de criar inúmeros encargos para as empresas, impedindo o aumento de sua capacidade competitiva no mercado mundial. Sustenta-se137 que o atual contexto de recessão econômica não mais suporta os inúmeros encargos trabalhistas. Ademais, é necessária a adaptação da legislação do trabalho aos novos modelos de contrato de trabalho, não mais inspirados no modelo fordista.

Por outro lado, há aqueles que sustentam138 o contrário: maior necessidade de proteção estatal ao trabalhador. Apontam o enfraquecimento do sindicato e a fragilidade do empregado diante do crescente desemprego como aniquiladores de qualquer poder de barganha da classe trabalhadora em face do poder econômico dos empresários.

A primeira corrente defende a proteção do trabalhador pela negociação coletiva, onde a união dos trabalhadores organizados deve ser o contraponto ao poder econômico do empregador. Em última instância, defendem a prevalência da norma negociada sobre a norma estatal, como valorização do princípio da autonomia privada coletiva, afastando, portanto, a norma mais benéfica que predominava em nosso ordenamento jurídico trabalhista. Nesse sentido, estão longe de negar a desigualdade entre as partes do contrato de trabalho ou mesmo a fragilidade do empregado, ao contrário, a grande maioria dos autores dessa corrente é enfática ao afastar a total desregulamentação das relações de trabalho e ao defender a garantia de um núcleo mínimo de direitos139.

137 PASTORE, José. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva. São

Paulo: LTr, 1995; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2002.

138 COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho e a sociedade moderna. São Paulo: LTr,

1999; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

139 PASTORE, José. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva. São

Paulo: LTr, 1995; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2002.

O debate travado entre essas duas correntes se traduz no conflito entre o princípio da autonomia da vontade coletiva e o princípio da proteção. Entretanto, insta salientar que a corrente flexibilizadora não nega a proteção ao trabalhador. O debate se dá, portanto, na forma de proteger o trabalhador.

Afirma Arion Sayão Romita140 que não é encargo do Direito do Trabalho a proteção do trabalhador, cabendo a este ramo jurídico regular as relações entre empregador e empregado. Enfatiza, dessa forma, o caráter bilateral do contrato de trabalho.

Por outro lado, o autor não nega a necessidade de atribuição de garantias e vantagens aos trabalhadores pela legislação para equilibrar tal relação marcada pela desigualdade social e econômica. Este equilíbrio, representa a realização do ideal de justiça, que, às vezes, determina a proteção do trabalhador, mas outras vezes indica a proteção da empresa.

No mesmo sentido, Arnaldo José Duarte do Amaral141 aponta a incompatibilidade do Direito do Trabalho clássico, fundamentado apenas no princípio da proteção do trabalhador, com o Estado Democrático de Direito. Segundo o autor, um ramo jurídico que privilegia sempre uma das partes, que desrespeita a hierarquia das normas com o princípio da norma mais benéfica e pretere a autonomia privada, não está comprometido com a justiça.

Para o autor, o Direito do Trabalho deve seguir os ditames do Estado Democrático de Direito: liberdade, segurança e justiça, concretizando os direitos fundamentais tanto de empregados quanto de empregadores, sendo avaliada a prevalência de cada um conforme as circunstâncias do caso concreto.

139 COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho e a sociedade moderna. São Paulo: LTr,

1999.

140 ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque: e outros ensaios. São Paulo: LTr,

2003. p. 25.

141 AMARAL, Arnaldo José Duarte do. Estado Democrático de Direito: nova teoria geral do direito

Marcelo da C. Losso Pedroso Batúria142 se manifesta em sentido mais extremado. O autor nega que a finalidade do Direito do Trabalho seja a proteção do trabalhador, esclarecendo ser escopo desse ramo jurídico a satisfação mútua das necessidades de ambas as partes da relação. Esse autor rechaça completamente a intervenção do Estado nas relações trabalhistas:

O mercado livre cria oportunidade para todos os indivíduos, desde que estes estejam dispostos justamente a renunciar determinados direitos, se conformarem com remunerações aquém das desejadas e, inclusive, estarem dispostos a mudar de lugar e ocupação.

Tais argumentos, no nosso sentir, afastam-se das origens históricas do Direito do Trabalho, uma vez que outros ramos do direito reconhecem a legitimidade de um regime jurídico que proteja uma das partes numa relação privada, como é o caso do Direito do Consumidor. Por isso, esse argumento se mostra extremamente frágil na defesa da flexibilização das normas trabalhistas e predomínio do negociado sobre o legislado.

Em sentido contrário, encontramos os ensinamentos de Héctor Hugo Barbagelata143. Segundo referido autor, o protecionismo estatal do trabalhador é característica definidora do Direito do Trabalho:

(A principal particularidade do Direito do Trabalho) tem a ver com o objeto de sua proteção e supõe uma nova atitude diante das realidades do mundo do trabalho. Além disso, implica, de outro ângulo, uma mudança na forma de conceber a igualdade das pessoas, a qual – como observa RADBRUCH – ‘deixa de ser assim ponto de partida do Direito, para se converter em meta ou aspiração da ordem jurídica. (Destaques no original).

142 BATUÍRA, Marcelo da C. Losso Pedroso. Irrenunciabilidade no direito do trabalho e liberdade:

uma abordagem econômica para uma revisão crítica. 2003. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito, São Paulo, 2003. p. 224.

143 BARBAGELATA, Héctor Hugo. O particularismo do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996.

E mais adiante completa:

Além do mais, a ‘proteção preferencial’ do trabalhador foi erigida como princípio normativo de toda a disciplina, e sua significação e consequências motivaram valiosíssimas contribuições para os princípios que lhe devem ser remetidos.

Sob o mesmo prisma, Jorge Luiz Souto Maior144 analisa o Direito do Trabalho de uma perspectiva histórica, e identifica-o como um meio da burguesia de impedir a emancipação da classe operária, mas, ao mesmo tempo, como processo de valorização do trabalho, freando a superexploração do capital sobre a mão de obra. Conclui, no mesmo sentido de Barbagelata, que esse ramo jurídico propiciou ao trabalhador alcançar um status social e obter sua dignidade como pessoa humana.

Após a análise das correntes doutrinárias, entendemos que embora se reconheça que alguns direitos trabalhistas são irrenunciáveis, defendemos que tais direitos são passíveis, mediante negociação coletiva, de aplicação alternativa a cada caso concreto, desde que haja a devida compensação que assegure a vedação ao retrocesso social.

.