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O princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva

CAPÍTULO 4 – A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

4.1. O princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva

Como visto no capítulo anterior, a autonomia da vontade é uma “conquista impostergável da civilização”, consolidada no “poder que tem cada homem de ser, de agir ou omitir-se nos limites da lei em vigor, tendo por fim alcançar algo de seu interesse e que, situado no âmbito da relação jurídica, se denomina bem jurídico” 176.

Sabe-se que a autonomia da vontade é o princípio basilar do Estado Democrático de Direito, pois além de relacionar-se com a esfera individual do cidadão diante do Estado, também representa a possibilidade de autorregulação de interesses pelo particular, possibilitando a criação de relações jurídicas

175 § 5o Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho

deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.

segundo anseios concretos do produtor da norma, sempre respeitando a legalidade.

Orlando Gomes177, afirma que o princípio da autonomia da vontade, ligado à liberdade de contratar, representa “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”. Trata-se, portanto, de verdadeiro poder atribuído aos particulares, e não mera faculdade.

A Lei nº 13.467/2017 alterou o art. 8º, §3º178, da Consolidação das Leis do Trabalho, nela inserindo também o §1º179 do art. 611-A, visando pautar a atuação da Justiça do Trabalho, no exame de convenção ou acordo coletivo de trabalho, apenas em relação aos requisitos do negócio jurídico, previstos no art. 104180 do Código Civil.

Os elementos essenciais do negócio jurídico, como vimos no primeiro capítulo desta dissertação, são a declaração de vontade, as partes, o objeto e a forma.

A convenção e o acordo coletivo de trabalho são negócios jurídicos com eficácia normativa181, produzidos em razão do exercício da autonomia da vontade coletiva, a qual é considerada o poder jurídico e social que dá origem a normas decorrentes de negociação coletiva de trabalho.

177 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 37.

178 No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho

analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e

balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

179 § 1o No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho

observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação. 180 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

O artigo 7º, inciso XXVI182, da Constituição Federal, assegura o direito ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e, tendo em vista que um dos elementos essenciais do negócio jurídico normativo em questão é o objeto lícito, os instrumentos coletivos negociados, inclusive quanto ao conteúdo, devem estar em conformidade com preceitos constitucionais e legais de ordem pública.

Nesse sentido, explica Paulo Sérgio João183:

Ao tratar da intervenção mínima do Judiciário na autonomia da vontade coletiva, no nosso sentir, não se trata de impedir a prestação jurisdicional, mas de garantir que a autonomia da vontade seja a expressão dos interesses manifestados em assembleia, base fundamental e nuclear das relações coletivas do trabalho.

Da análise do quanto acima transcrito, tem-se que deve prevalecer a autonomia da vontade coletiva, desde que respeitados os requisitos de validade do negócio jurídico previstos no art. 104 do Código Civil.

Sobre esse ponto, cumpre esclarecer que o Sindicato sempre foi o agente capaz, mediante assembleia dos interessados, estando autorizado a materializar a vontade dos representados em acordo ou convenção coletiva de trabalho, portanto, a intervenção mínima do Judiciário na autonomia da vontade coletiva visa interromper o círculo vicioso de que a negociação coletiva seja revista pelo Judiciário trabalhista, que, considerando o sindicato frágil em sua composição associativa, desqualifica a norma coletiva184.

182 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria

de sua condição social: (...)

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (...).

183 JOÃO, Paulo Sérgio. A intervenção mínima do Judiciário na autonomia da vontade coletiva.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-24/reflexoes-trabalhistas-intervencao-

minima-judiciario-autonomia-vontade-coletiva. Acesso em: 15 set. 2019.

Sendo assim, a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) passou a prevalecer a autonomia da vontade coletiva. Esse, inclusive, é o entendimento que vem sendo aplicado nos Tribunais Regionais do Trabalho.

Em recente decisão, o TRT da 3ª Região reconheceu a validade de norma coletiva negociada entre os Supermercados BH e o Sindicado dos Empregados no Comércio de Conselheiro Lafaiete e Região, que autorizava o trabalho em feriados. A decisão se baseou nas alterações trazidas pela Lei nº 13.467/17 e nos princípios da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva e da prevalência da norma mais específica.

AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA NORMATIVA. SUPERMERCADOS. LABOR EM FERIADOS. ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.467/17. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NA AUTONOMIA DA VONTADE COLETIVA E DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS ESPECÍFICA. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO. SUPERMERCADOS. AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO EM FERIADOS. A Ação Anulatória de Cláusula Normativa sobre

norma celebrada após 11/11/2017 deve observar as alterações introduzidas pelos arts. 8º, § 3º, 611-A e 620 da CLT, que introduziram no ordenamento jurídico pátrio, de forma pormenorizada, o entendimento já sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em especial o julgado no RE nº 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE de 29/05/2015, de que as normas coletivas devem ser prestigiadas e quando submetidas à apreciação do Poder Judiciário este deverá se pautar pelos princípios da intervenção mínima da autonomia da vontade coletiva e da prevalência da norma coletiva mais específica sobre a norma mais geral. Não bastasse, a análise sobre eventual nulidade deve ter enfoque sob os elementos essenciais do negócio jurídico, que foram devidamente preenchidos na hipótese dos autos. Assim, o acordo coletivo de trabalho celebrado por supermercado com o Sindicato dos Trabalhadores teve por escopo compor os interesses coletivos dos trabalhadores e da pessoa jurídica, sendo que a norma do art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000 não se aplica à referida categoria econômica ante o disposto no Decreto nº 9.127, de 16 de agosto de 2017, que incluiu o comércio varejista de supermercados e de hipermercados no rol de atividades autorizadas a funcionar permanentemente aos domingos e aos feriados civis e

religiosos, tratando-se de transação feita por meio da autonomia privada coletiva protegida pelos arts. 7º, XXVI, e 8º, II, da Constituição da República, devendo ainda serem prestigiados os referidos princípios introduzidos pela Lei nº 13.467/17185.

A Ação Anulatória de Cláusula Normativa foi ajuizada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Conselheiro Lafaiete, com a pretensão de que fosse reconhecida a nulidade da norma coletiva que permitiu o trabalho nos feriados, especificamente da cláusula 26ª do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), todavia, o pleito não foi acolhido pela Seção de Dissídios Coletivos do TRT mineiro, que privilegiou a autonomia da vontade coletiva.

O Relator, juiz convocado Carlos Roberto Barbosa, pontuou que a Ação Anulatória de Cláusula Normativa, em relação à norma que tenha sido celebrada após a vigência da Reforma Trabalhista, deve observar as alterações introduzidas pelos artigos 8º, § 3º, 611-A e 620 da CLT, explicando que tais regras introduziram no ordenamento jurídico o entendimento já sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em especial o julgado no RE nº 590.415186, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso, de que as normas coletivas devem ser prestigiadas e, quando submetidas à apreciação do Poder Judiciário, precisam ser vistas sob os ângulos dos princípios da intervenção mínima da autonomia da vontade coletiva e da prevalência da norma coletiva mais específica sobre a norma mais geral.

Trata-se, portanto, de valorização no âmbito da empresa e seus empregados das negociações coletivas, lideradas pelo sindicato que efetivamente representou a vontade dos trabalhadores, aplicando-se todos os elementos do atual parágrafo 3º, do artigo 8º da CLT, em especial os elementos do negócio jurídico, previstos no art. 104, do Código Civil Brasileiro.

185 TRT da 3ª Região – Proc.: 0011680-46.2018.5.03.0000 (AACC), Relator: Carlos Roberto Barbosa, DOE: 29.04.2019.

186 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 590.415. Santa Catarina.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=308967943&tipoApp=.pdf.

4.2. Teoria do Conglobamento Aplicada na Solução de Conflitos de Normas