• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. O AVANÇO DA CIÊNCIA E A REVOLUÇÃO

2.2. ALGUMAS APLICAÇÕES DA BIOTECNOLOGIA: REPRODUÇÃO

2.2.3. A clonagem humana

A clonagem, assim como a manipulação de células tronco, é uma espécie de ícone desta tese. Embora para muitos cientistas a clonagem ainda não possa ser considerada praticamente, ela sintetiza muitos dos medos, inseguranças e apegos ideológicos e teológicos que a biotecnologia revela. Diversas são as abordagens possíveis. A clonagem humana, o desejo humano (vaidade ou não) de se auto-copiar ou de se reproduzir (como forma de se admirar e “se recriar”) não é um tema novo. Citamos exemplos clássicos interessantes: Frankenstein (Mary Shelley), Fausto (Goethe), Filme Inteligência Articifial (Steven Spielberg), O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wide), e até mesmo, O Clone (de Glória Perez).

De certa forma a possibilidade (ou realidade) da clonagem humana mantém atual o mito de Prometeu. Continuamos transgredindo os limites éticos e religiosos de nosso

287 Sobre isto tiveram grande efeito Charles Davenport e o Eugenics Recordo Office, em Cold Spring

Harbor, Long Island, promovido e dirigido por ele. “Apesar de terem dado passos em favor de medidas de eugenia positiva (fomentando matrimônios de casais de ‘qualidade’ biológica e moral), chegaram, no âmbito legislativo, a tomar formas de eugenia negativa, através das leis de esterilização, que foram promulgadas por trinta estados da União, além de outras relativas a internações de isolamento, limitações matrimoniais e restrições à imigração. [...] Várias dessas leis foram objeto de recursos de inconstitucionalidade (o que revela a discrepância existente neste tipo de processo legislativo) e algumas anuladas por tal motivo, o que não impediu a sua substituição por outras revisadas.” In. CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito, p.172.

tempo. Seria a clonagem também necessária como condição de harmonia e felicidade em nossos dias?

Como quase tudo que diz respeito à revolução biotecnológica, as descobertas em matéria de clonagem humana são muito recentes288. Neste sentido o anúncio da empresa Advanced Cell Technology (ACT) de que haviam clonado um embrião humano gerou muita polêmica e diversos questionamentos (quando?). Ser contra ou a favor? Por que e para quê parar? É notória a nossa lentidão para responder aos questionamentos éticos, em face à rapidez com que avança a ciência e a biotecnologia. Podemos comparar “didaticamente” com a diferença entre PA (progressão aritmética) e PG (progressão geométrica). A ciência / biotecnologia, como visto neste capítulo, avança de forma comparada à progressão geométrica.289 Outra terminologia também pode ser aqui aplicada: a dicotomia ética de responsabilidade / ética de convicção Weberiana.290

É em temas como clonagem humana e terapia de células germinativas, que o embate ético-tecnológico vai se dar de forma mais clara. Aí também estão envolvidos fatores de ordem ética291, econômica292, religiosa293, ideológico-políticos294, entre outros.

288

Um exemplo disso é o assunto, não muitas vezes mencionado, da chamada “assinatura eletrônica biométrica”. Trata-se das assinaturas eletrônicas, nas contrações realizadas em meios eletrônicos, através de sistemas biométricos, justamente como forma de adaptação ao capitalismo intenso de nossos dias. Falamos dos computadores, celulares, cartões de crédito, PDAs, Handhelds, etc). Pois bem, conforme relata Mauricio Matte, a assinatura eletrônica é diferente da assinatura digital. A primeira é feita por meio de cifras codificadas, de forma que somente a pessoa que possua achave correta, possa abrir (decodificar) o documento – arquivo. Mas eis que se vislumbra um problema: “Quando o sistema eletrônico de certificação de autoria de documento ou algo que o valha for construído para o emprego de características biométricas fisiológicas (íris, DNA, digital), imaginando possibilidade futurista que se consiga em alguns anos realizar clonagem humana com perfeição próxima aos cem por cento, o que hoje não é possível, cremos que ficará prejudicada tal técnica no que tange às características fisiológicas.” (In. MATTE, Mauricio. “Assinatura Eletrônica Biométrica- Reflexões sobre os impactos da clonagem humana.” In.

Revista de Direito Privado. N. 8, outubro-dezembro de 2001, p. 187).

289

Outra terminologia também pode ser aqui aplicada: a dicotomia ética de responsabilidade / ética de convicção Weberiana.

290WEBER, Max.Ciência e Política.

291 A dimensão ética, no nosso caso, bioética, é a que mais destacamos neste trabalho (e por isso tem um

capítulo específico). Neste momento podemos destacar a bioética como um espaço de reação à incerteza trazida pela biotecnologia. A partir de valores como dignidade humana e de princípios como a precaução a bioética vai tentar se opor à lógica científica, que se pretende universal, do “tudo que puder ser feito, vai ser feito [...]”. Contra esta idéia da sociedade de risco a bioética tenta utilizar-se do biodireito e de instituições regulatórias.

292 Falamos de questões como a corrida pelo patenteamento de descobertas (isto foi muito nítido na

“corrida” entre a Celera Genomics – privada, e consórcio público – PGH, rumo ao seqüenciamento do genoma humano), o apelo do mercado de capitais, das bolsas (a empresa ACT, não tinha de fato concluído suas experiências, mas ao anunciar, suas ações se valorizaram). Fala-se em ciência de marketing muito mais do que marketing da ciência.

Com base na idéia de limites bioéticos à biotecnologia podemos nos questionar: se a ciência aceita esses limites? Se o mercado (em sua dimensão regulatória global) aceita moratórias relacionadas à biotecnologia? Se não, de que instrumentos dispomos para sancioná-lo? Se o cientista sacrifica sua vaidade (mais íntima) em nome de uma causa social ou da humildade de seus próprios temores? Se a megalomania dos ricos e poderosos aceita despir-se de seus projetos de eternidade?295

Pois bem, feita esta breve contextualização, passamos a analisar a clonagem em seu aspecto científico.

Em primeiro lugar devemos fazer alguns esclarecimentos. A clonagem utiliza-se da técnica do DNA recombinante. Sobre esta tecnologia, podemos dizer em linhas gerais, que é uma forma de acrescentar a um organismo genes oriundos de outro organismo. Isto é, fazer algo que o organismo receptor não é capaz de fazer. Um exemplo de combinação de DNA de espécies diferentes é o caso da inserção de um gene humano no DNA de um microorganismo, obrigando-o a funcionar como uma “fábrica” produtora de proteínas humanas. Isto foi feito para produzir ainsulina recombinante.

Tal realização só é possível a partir de um conjunto de técnicas de biologia molecular, genética microbiana e bioquímica. Percebemos uma certa interdisciplinaridade no próprio meio das ciências naturais.

O termo “clone” é utilizado para identificar indivíduos geneticamente idênticos. Deriva do gregoklon que significa broto de um vegetal. A clonagem é, ainda, uma forma de reprodução assexuada, que existe naturalmente nas plantas e organismos unicelulares. Baseia-se em um único patrimônio genético. É o caso natural, dos gêmeos univitelinos ou

293

O papa João Paulo II condenou enfaticamente a clonagem de seres humanos, e nem mesmo a atenuação das declarações da ACT, dizendo que suas experiências se destinam, não à clonagem, mas ao tratamento de doenças como o mal de Parkinson e a diabetes, abrandaram a posição de repúdio convicto e de condenação peremptória, adotada pela Igreja Católica. Segundo a Pontifícia Comissão para a Vida, os embriões já são vidas humanas com os direitos próprios de todo ser humano e, clonados ou não, não podem ser sacrificados na busca das células-tronco. (Cf. Francis Fukuyama.Nosso Futuro Pós Humano).

294 Temas como clonagem humana, terapia genética, e pesquisas com células-tronco vem dividindo as

posturas ideológicas tradicionais (esquerda e direita) de forma inusitada e inesperada. Membros do Partido Republicano (EUA), sendo favoráveis à pesquisa com células-tronco e clonagem terapêutica, e membros do partido democrata, sendo contrários. Também na ordem política, a revolução biotecnológica e suas implicações práticas tem feito “estragos”.

295 Um exemplo é o principal investidor da ACT, o milionário Miller Quarles, que propala aos quatro

monozigóticos (muito utilizados em pesquisas para investigar o índice de “hereditariedade” das características humanas).296

A clonagem em laboratório pode ser de dois tipos: 1- separando as células de um embrião em seu estágio inicial de multiplicação celular, ou 2- substituindo o núcleo de um óvulo por outro proveniente de uma célula de indivíduo já existente.

O primeiro tipo é semelhante ao que ocorre naturalmente com os gêmeos monozigóticos, tem-se dois organismos idênticos, porém diferentes de qualquer outro já existente. O segundo tipo reproduz de forma assexuada um indivíduo igual a outro pré- existente, é feito por meio da substituição do material nuclear, técnica conhecida por duplicação. Foi este segundo, o procedimento que originou a ovelha Dolly. Trata-se de um feito revolucionário (embora já fosse esperado, dado o avanço da biotecnologia)297. Em que pese seu sucesso inicial, o nascimento de Dolly provocou muitas controvérsias. As polêmicas se acentuaram quando foi anunciado que a ovelha sofria, com pouca idade, de problemas de atrite e pulmão. Isto se deve possivelmente ao fato de que a célula a partir da qual Dolly foi criada, ou clonada, era de um animal adulto e como tal, sujeito a estes problemas de saúde. Revelou-se assim que, embora possamos tecnicamente fazer a clonagem até mesmo de humanos (como alardeiam personagens importantes de nossos dias como o professor italiano Severino Antinori e o líder da seita dos Raelianos), ainda não detemos o controle para aplicação desta técnica de forma segura.

Em torno da problemática inserida a respeito das vantagens, desvantagens, benefícios, malefícios e dos reais alcances do poder e da responsabilidade científica, quando voltados às técnicas de manipulação genética e reprodução humana, constatamos 296 Conforme relata detalhadamente Matt Ridley em sua obraO que nos faz humanos. As pesquisas com

gêmeos univitelisnos, foram muito utilizadas pelos cientistas, desejosos de demonstrar a prevalência do caráter hereditário em relação ao cultural e comportamental (criacional), para determinar as características do indivíduo. Richard Lewontin, por sua vez, vem se colocar contrariamente à pretensa objetividade dos dados decorrentes das pesquisas com gêmeos univitelinos. Este autor vai tentar questionar (e tem sucesso a nosso ver) a legitimidade e validade destas pesquisas. Assim, por exemplo, Lewontin mostra que numa das pesquisas mais famosas com gêmeos, os dados foram simplesmente forjados. Em outra, os gêmeos em questão, embora criados separadamente, viviam na mesma cidade e freqüentavam a mesma escola. Revela, que os dados obtidos, no intuito de demonstrar a prevalência e o alto grau de hereditariedade das características de um ser humano, se mostraram bastante suspeitos e viciados ideologicamente. (Sobre isto ver: LEWONTIN, Richard.A Doutrina do DNA - Biologia como doutrina).

297Este processo, conceitualmente simples, empiricamente é muito difícil e delicado. A equipe do professor

Ian Wilnut (cientistas escocês responsável pelo surgimento de Dolly) utilizou 834 núcleos de células de animais adultos e de fetos. Foram feitas 276 tentativas. De todos os 156 óvulos implantados, somente 21 se desenvolveram e apenas oito animais nasceram. Destes, apenas um único (Dolly) era oriundo de um núcleo de uma célula de um animal adulto.

que, cada vez mais, tornam-se polêmicos os assuntos desta natureza, principalmente se analisados sob a égide jurídica. Assim sendo, neste emaranhado de novas descobertas e situações, não podemos deixar de falar da importância do debate ético, do surgimento da bioética e do biodireito.298

Dito isto, podemos agora passar a analisar a Bioética e sua influência sobre o discurso dos Direitos Humanos dentro do paradigma do Direito Moderno contemporâneo.

298No contexto de fechamento deste capítulo podemos fazer uma referência a uma importante doutrinadora

brasileira em matéria de biodireito, Regina Lúcia Fiúza Sauwen, que faz uma reflexão relacionando justamente biotecnologia, bioética e biodireito: “Diante do avanço a biotecnologia, o sistema jurídico – a quem cabe grande parte da tarefa de preservar a dignidade humana – utilizando a bioética (isto é, a interdisciplinaridade), deve estar atento para: * defender a pessoa humana diante das ameaças de reificação advindas da possibilidade de clonagem, eugenismo, venda de órgãos, dos vários usos do útero de aluguel, da gravidez masculina, do útero artifical, etc; * defender a pessoa diante do cientista inescrupuloso, financiado por grandes laboratórios de genética; * defender a pessoa diante da ignorância e do autoritarismo ideológico, em última análise, dos governantes, capazes de impor normas que venham a satisfazer interesses dúbios de grandes empresas transnacionais. Em suma, à bioética cabe a tarefa de manter acesa a chama da crítica permanente, convocando profissionais de todas as áreas para que envolvam a discussão; do biodireito cobra-se a humildade em se dar, não como uma área isolada e auto-suficiente, mas conectada com as outras áreas do conhecimento humano e com o mundo em geral.” (In. SAUWEN, Regina Lúcia Fiuza. “Da Persona ao Clone – a visão do Biodireito”. In. Revista Brasileira de Direito Comparado (publicação semestral do Instituto de Direito Comparado Luso Brasileiro), Rio de Janeiro, 1999, 341-342).

CAPÍTULO

3.

BIOTECNOLOGIA

X

BIOÉTICA:

UMA