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CAPÍTULO 3. BIOTECNOLOGIA X BIOÉTICA: UMA APROXIMAÇÃO

3.4. O ESFORÇO DO DIREITO MODERNO: BENS JURÍDICOS E

3.4.2. Bens jurídicos implicados pelas intervenções no genoma humano

A tarefa que nos propomos neste item é, em linhas gerais, a de detectar quais são os bens jurídicos implicados pelas intervenções no genoma humano, e que tipo de proteção recebem do ordenamento jurídico, com o fim de poder assinalar quais são as

421CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito. p. 284. 422CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito. p. 284.

carências, como também, decidir, quais instrumentos jurídicos deve-se recorrer para garantir sua adequada proteção. Tais bens jurídicos, a seguir mencionados, constituem interesses ou valores individuais, coletivos e difusos. Nesta acepção, este capítulo, está diretamente relacionado com o primeiro, que trata da evolução histórica, do contexto, e das “dimensões” de direitos humanos.

As correntes humanistas das últimas décadas, deram especial atenção ao reconhecimento da dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade, como valores individuais do ser humano de primeira grandeza423, valores que, freqüentemente aparecem como pano de fundo em numerosos aspectos concernentes à genética humana. Tais valores, convertidos em direitos, exercem uma função de projeção sobre os demais direitos fundamentais e liberdades públicas.

Paralelamente, anuncia-se o princípio da igualdade perante a lei e, sobretudo, sua derivação de não discriminação (por razão de nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra circunstância pessoal ou social). Sobressai, este princípio, em vista do potencial discriminatório, que podem propiciar algumas aplicações decorrentes do conhecimento do genoma humano.

Grande parte dos bens jurídicos de titularidade individual, que estavam implicados pelas ações no genoma humano, encontraram um reconhecimento expresso, por meio das constituições modernas e das declarações e tratados internacionais, relativos aos direitos humanos; o próprio Direito Penal424 conferiu-lhes tradicionalmente uma especial

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Um das questões suscitadas ao longo deste trabalho é o fato de que as novas biotecnologias podem levar a uma “relativização” ou a uma “ressignificação” de conceitos fundamentais do direito moderno (natureza e dignidade humana). Este tema foi abordado no segundo capítulo, quando tratamos das possibilidades concretas da biotecnologia. No quarto capítulo, outros referentes serão incorporados à discussão. Por hora, lembramos que o edifício jurídico dos “valores e bens protegidos”, constitui, por assim dizer, uma outra forma de relacionar-se com a mesma realidade. Em outras palavras: positivar e reconhecer formalmente os valores e interesses do “biodireito”, não deve significar que tais direitos são absolutos, inquestionáveis e podem ser impostos coercitivamente (tal como parece ser a opinião de muitos estudiosos e doutrinadores). Sobre esta problemática têm se posicionado diferentes filósofos e teóricos contemporâneos. Destacamos Jürgen Habermas, Ronald Dworkin, Peter Sloterdijk e Francis Fukuyama.

424Sobre a tutela penal do patrimônio genético, ver SANT´ANNA, Aline Albuquerque.A Nova Genética e

a Tutela Penal da Integridade Física. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. A autora critica imprecisões da

atual Lei de Biossegurança vigente, que “estabeleceu atividades criminalizadas e não condutas”, podendo ter finalidade diversa daquela a que se destina: “Uma lei que se destina a criminalizar condutas análogas a práticas de cientistas deve ser muito mais precisa do que a maioria, correspondendo sempre à condutano sentido ôntico – ontológico, ou seja, aquela praticada pelos cientistas no mundo material. [...] A lei de Biossegurança também apresenta designações imprecisas, tais como ‘defeito genético’ e ‘princípios da beneficência e da autonomia’, constituindo-se, em seu artigo 13, incisos I, II e III, em tipos abertos e

proteção. Assim acontece com a vida humana, com a integridade pessoal (física e mental), com a liberdade de decisão ou autodeterminação, e com a intimidade, bens jurídicos de “primeira dimensão”, que gozam de proteção penal direta, frente a quase todas as mais importantes formas de agressão aos mesmos.425

No entanto, outros bens jurídicos, experimentaram uma certa “flutuação”, quanto à sua proteção, mas, nos últimos anos, a ênfase vem sendo posta na necessidade de intensificar aquela, em vista de novas formas de agressão impensáveis anteriormente, ou que pareciam sem importância, como é o caso da vida e da integridade corporal e psíquica (futura) do concebido.426

Assim, junto aos bens jurídicos individuais, colocam-se outros, de caráter coletivo, ou difuso – direitos de “terceira e quarta dimensões”, que afetam diversos aspectos da espécie humana, transcendendo, portanto, os interesses individuais concretos envolvidos. Podem ser enumerados, de acordo com Carlos Casabona, da seguinte forma: 1 - a inalterabilidade e intangibilidade do patrimônio genético não patológico do ser humano, para garantir a integridade e diversidade da espécie humana; 2 - a identidade e irrepetibilidade característica de todo ser humano, como garantia da individualidade e a condição de ser único e distinto dos demais; 3 - a dupla dotação genética, da linha genética masculina e feminina; 4 - a sobrevivência da espécie humana.427

judiciais, contrariando a orientação democrática presente na utilização de tipos fechados e legais.” (In. A

Nova Genética e a Tutela Penal da Integridade Física, p. 150-151).

425 Como foi visto no decorrer desta tese, as consequências morais e jurídicas do avanço da biotecnologia

são incontáveis. Analisamos, superficialmente, os desafios colocados ao ramo do direito que cuida da propriedade intelectual e patentes. Percebe-se que atualmente há uma pressão muito forte com relação à privatização e patenteamente das descobertas genéticas, o que leva direta ou indiretamente a uma relativização do próprio corpo humano (origem dos direitos humanos, por assim dizer, com os primeiros instrumentos de tutela da liberdade, como ohabeas corpus). Pois bem, neste sentido vale citar a seguinte reflexão: “[...] Il est sans doute vrai que toute matière biologique, humaine ou non, est comme dit Yves Simon la ‘marque d’um voyage’ dans chaque ‘recoin de l’univers’, que qu’exprimait Pierre Theilhard de Chardin em des termes de métaphysicien: ‘Ma matière [mon corps] ce n’est pas une partie de l’univers que je possèderais totaliter; c’est la totalité de l’Univers possédée par moi particialiter’. Quelle tâche pour le droit que de permettre l’utilisation de ces ‘parcelles d’univers’sans s’aliéner ou se les aliéner!” (In. GALLOUX, Jean Christophe. “La Protection Juridique de la matière biologique en droit français” In.

Revue Internationale de droit comparé. C.N.R.S/ Centre français de droit comparé. N. 2. Avril-Juin 1998,

p. 512).

426Cf . CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito. p.287.

427Cf. CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito. p.226-230. Este autor analisa cada um dos

pressupostos e suas conseqüências jurídicas: 1 - A inalterabilidade e intangibilidade do patrimônio genético não patológico do ser humano (herança genética), para garantir a integridade e diversidade da espécie humana daria lugar às seguintes proibições: o intercâmbio genético (formação de híbridos); a fecundação inter-espécie ou transferência de embriões inter-espécie (de animal para ser humano e vice-