• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3. BIOTECNOLOGIA X BIOÉTICA: UMA APROXIMAÇÃO

3.4. O ESFORÇO DO DIREITO MODERNO: BENS JURÍDICOS E

3.4.3. Bens de interesse difuso / interesse fático e jurídico

Em vista dos princípios formadores do Direito à proteção do patrimônio genético humano, direito esse das presentes e futuras gerações428, e, partindo da perspectiva da proteção desse bem, no que diz respeito ao gênero humano, pode-se sustentar que sua natureza jurídica é a de um “interesse difuso”.429

versa) com qualquer fim e com qualquer grau de desenvolvimento temporal, salvo certas provas diagnósticas controladas em seu desenvolvimento temporal; a fusão de pré-embriões humanos entre si ou inter-espécies (quimeras) com qualquer fim e em qualquer grau de desenvolvimento; outras ações dirigidas a modificar o patrimônio genético humano não patológico. (vale diferenciar o patológico e o simplesmente anômalo, diferente ou infreqüente ou desvio irrelevante dos padrões de saúde); 2 - A identidade e irrepetibilidade do ser humano, como direito à individualidade e à condição de ser único, aceitando a complexidade e variabilidade da natureza humana: a criação de seres idênticos por clonagem ou outros procedimentos genéticos com qualquer finalidade (seleção da raça, criação de seres humanos “especializados” ou homúnculos); 3 - Privação da dupla dotação genética, e com isso da linha genética masculina e feminina, ao que se pode acrescer potenciais riscos para a saúde genética do procriado: a partenogênese, ou obtenção de um ser humano de um só gameta (óvulo); a obtenção de embriões mediante gametas de pessoas de mesmo sexo (que dariam lugar a zigotos com cromossomos XX em uniões de gametas femininos e a zigotos XY em uniões de gametas masculinos). De um ponto de vista diferente, a ectogênese, o desenvolvimento de um indivíduo em laboratório, embora hoje pareça de impossível efetivação; 4 - Proteção da sobrevivência da espécie humana: a criação de armas biológicas ou outras mediante técnicas de engenharia genética sobre o ser humano. Para Casabona “estas considerações servem- nos ao mesmo tempo para recordar a importância de se chegar ao máximo consenso da comunidade internacional, com o fim de estabelecer critérios uniformes assumidos por todas as nações e evitar, deste modo, que a permissividade ou negligência de alguns Estados dê lugar aos ‘paraísos genéticos’ e satisfazer assim um duplo objetivo: evitar as experimentações e aplicações aberrantes recusadas por outros Estados e impedir que se gere na comunidade científica uma desigualdade de recursos e possibilidades investigadoras.” (In. CASABONA, Carlos María Romeo.Do Gene ao Direito. p.230.)

428 A noção de interesses intergeracionais deu origem a uma verdadeira “revolução paradigmática” no

Direito. Destacamos neste sentido o surgimento e desenvolvimento do Direito Ambiental, sobretudo após a consagração de importantes Conferências Internacionais da ONU como a deMeio Ambiente (Estocolmo – 1972) e a deMeio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro – 1972). O Direito Ambiental assim como os Direitos Humanos , são especialidades do direito de cunho universalista e portanto bastante principiológico. Destacamos , em matéria ambiental, portanto, oPrincípio da Precaução e com ele a noção de Responsabilidade Intergeracional. Este tema também têm despertado interesse de importantes pensadores. Destacamos o filósofo alemão Hans Jonas, sobretudo em sua obra El Princípio de

Responsabilidad – Ensayo de una ética para la civilización tecnológica, onde propõe uma nova utopia de

responsabilidade , em contraponto ao “utopismo biotecnológico” irrefreado de nossos dias.

Neste sentido consultamos a dissertação de mestrado de Patryck de Araújo Ayala (sob orientação de José Rubens Morato Leite), intituladaDireito e Incerteza: a proteção jurídica das futuras gerações no Estado

de Direito Ambiental, bem como o livro escrito por estes dois autores: LEITE, José Rubens Morato &

AYALA, Patryck de Araújo.Direito Ambiental na Sociedade de Risco.

429 Interesse difuso pode ser entendido como todo interesse que pertence a um número indeterminado de

pessoas, sendo considerado como transindividual (ou metaindividual), de natureza indivisível e ligado a seus titulares por uma circunstância de fato. O interesse difuso é insuscetível de partição em quotas atribuíveis a pessoas ou grupos pré-determinados, o que decorre do fato de que os interesses difusos apresentam estrutura peculiaríssima, visto que , como não têm seus contornos definidos em normas (como direitos subjetivos), nem estão aglutinados em grupos bem definidos (como os interesses coletivos), sua

O termo “interesse”, pode ser definido, como toda vantagem de natureza econômica ou moral, que possibilita a ocorrência de uma relação entre um determinado bem e uma pessoa. Os interesses podem ser divididos em duas grandes categorias: interesse fático e interesse jurídico. No primeiro, a relação entre o bem e a pessoa decorre de uma valoração discricionária, que possibilita uma vantagem concreta. Ele sempre existiu e sempre existirá independentemente de sua natureza ou âmbito de incidência. Algumas formas destes interesses são: interesse individual, interesse social, interesse público, interesse geral, interesse coletivo, interesse difuso. Quanto ao segundo tipo, o interesse jurídico, trata-se daquele, que tem seu conteúdo valorativo determinado por uma norma jurídica. Ou seja, a positivação de um determinado interesse, limita a liberdade de valoração para o campo ético-valorativo. Ao ser um interesse fático, reconhecido pelas normas jurídicas, ganha força coercitiva em função de se estabelecer um comportamento comum na sociedade. Neste sentido conclui Adriana Diaféria:

[...] Assim, uma vez que tendo sido reconhecido pelo Poder Público o interesse no progresso científico e tecnológico de um número indeterminado de pessoas, todo e qualquer objeto dos resultados desse progresso científico e tecnológico não podem ser passíveis de individualização porque possuem natureza de interesse difuso.(grifo nosso).430

E ainda, em relação ao controle jurisdicional por parte de órgãos públicos:

Neste sentido e buscando uma proposta para reflexão sobre formas de controle do acesso e do uso da informação genética humana, a noção de interesse difuso cria a oportunidade de se estabelecer um controle social para preservação da dignidade da pessoa humana, através de órgãos públicos competentes, mediante a instrumentalização de procedimentos previstos constitucionalmente para tutela jurídica desses interesses.(grifo nosso).431 existência não é afetada, nem alterada, pelo fato de virem a ser exercitados ou não. MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – Conceito e Legitimação para agir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

No Brasil, os interesses difusos encontram-se devidamente resguardados na Constituição Federal, de acordo com o artigo 129, III, o qual determina as funções institucionais do Ministério Público, ou seja, a promoção de inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

430 Cf. DIAFÉRIA, Adriana. Princípios estruturadores do direito à proteção do patrimônio genético

humano e as informações genéticas contidas no genoma humano como bens de interesse difuso. p.176.

431 Cf. DIAFÉRIA, Adriana. Princípios estruturadores do direito à proteção do patrimônio genético

.

Os grandes investimentos econômicos, que impulsionaram o desenvolvimento de tecnologias específicas para a realização das pesquisas científicas no campo da genética humana, provocam a necessidade de uma profunda reflexão sobre o processo de “coisificação (reificação) e apropriação privada de elementos do corpo humano” não restritos à sua “disposição onerosa ou apropriação derivada” (comercialização).432

O direito à proteção do patrimônio genético, conforme exposto anteriormente, já se apresenta inserido na Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 225, §1º, inciso II, impondo ao legislador, o estabelecimento da proteção do meio ambiente, em face das possibilidades de manipulação do patrimônio genético433 no País434. Biologicamente falando, a informação genética, pode ser entendida como a somatória dos caracteres de um organismo, que se manifestam através das características fenotípicas e genotípicas nele pertencentes.435

432

GEDIEL, José Antônio Peres. Tecnociência, dissociação e patrimonialização jurídica do corpo

humano. In: FACHIN, L. E. Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo.

Renovar: 1998. p.58-85.

433

Para o bioquímico Albert L. Lehninger, patrimônio genético é o conjunto de elementos que formam o ácido desoxirribonucléico – DNA - que é o possuidor da informação genética que caracteriza um indivíduo. LEHNINGER, Albert L.Fundamentos de Bioquímica. Sarvier: São Paulo, 1977. p.375.

434 A proteção do patrimônio genético humano está diretamente relacionado ao princípio da proteção da

integridade de espécie humana (amplamente consagrado em diversos documentos internacionais). Este princípio proíbe a manipulação genética com vistas a alterar as características hereditárias dos descendentes ou, sem fins terapêuticos. No Brasil, com já mencionado este princípio encontra-se recepcionado pelo artigo 225, parágrafo 1o, inciso II: “ [...] parágrafo 1o: Incumbe ao Poder Público: [...] II preservar a diversidade e aintegridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

Este dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei de Biossegurança (Lei 8974 de 1995), que dispõe em seu art. 13o: “[...] art. 13o.Constituem crimes: I - a manipulação genética de células germinais humanas; II – a intevervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como: o princípio da autonomia e o princípio de

beneficiência, e com a aprovação prévia da CTNBio. Pena – detenção de três meses a um ano.”

435

O fenótipo corresponde a todas as informações que caracterizam as expressões externas de um organismo, ou seja, suas características físicas, como: cor da pele, estatura, a forma dos cabelos, cor de olhos, sexo, etc. Estas informações são influenciadas pelos genótipos e, também, pela influência das condições ambientais. Porém, as alterações ambientais do fenótipo não refletem em alterações no genótipo, mas, sim, na resposta do organismo ao seu ambiente e nas atitudes comportamentais do ser vivo diante desta influência. O ambiente, portanto, fornece a ‘arena’ na qual o genótipo age e, conseqüentemente, o fenótipo representa a expressão final da interação do genótipo com o ambiente. A análise dos conceitos de genótipo e fenótipo trazem à tona o debate no seio das ciências naturais em torno do dilema natureza /

criação. Trata-se de um dilema histórico, por assim dizer, da biologia. Alguns pesquisadores fecham

questão no sentido de que as características aparentes do indivíduo (o seu fenótipo) se deve quase exclusivamente ao seu genótipo, ou seja, são características hereditariamente herdadas (este é o pensamento daqueles que defendem que a mapeamento do genoma humano (PGH) “explica” tudo sobre o ser humano. Por outro lado, sustentam alguns que a realidade não é bem essa. Sem dúvida a hereditariedade é um fator

Ao serem analisadas situações relacionadas ao ser humano, devemos levar em consideração o caráter racional deste, o que o distingue dos demais seres vivos. Em relação a este aspecto (racionalidade do ser humano) e sua relação com a natureza, vale citar Jacques Monod:

[...] Fora da espécie humana, não encontramos, em parte alguma no reino animal, organizações sociais altamente diferenciadas, exceto em alguns insetos: formigas, cupins ou abelhas. Nos insetos sociais, a estabilidade das instituições não deve quase nada a uma herança cultural, mas tudo à herança transmissão genética. O comportamento social é inteiramente inato, automático. No homem, as instituições sociais, puramente culturais, jamais poderão atingir tal estabilidade. Aliás, quem desejaria isto? A invenção dos mitos e das religiões, a construção de vastos sistemas filosóficos, são o preço que o homem teve de pagar para sobreviver enquanto animal social, sem se dobrar a um puro automatismo. Mas a herança puramente cultural não seria bastante segura, bastante poderosa por si só, para escorar as estruturas sociais. A essa herança era necessário um suporte genético, que fizesse dela um alimento exigido pelo espírito. (grifo nosso).436

Em vista de tudo isto, o ser humano, recebe tratamento jurídico diferenciado, não mais vinculado ao direito tradicional. Ante o surgimento de novos pressupostos e princípios surgidos com a evolução da sociedade, formam-se os recentemente chamados direitos de terceira dimensão, ou ainda, Direitos de Fraternidade ou Solidariedade, conforme analisados no primeiro capítulo. Estes direitos, têm por primeiro destinatário, o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existência concreta.437

Como dissemos anteriormente, a complexidade do tema está justamente na dificuldade de se dimensionar a interface de interesses decorrentes da manipulação genética: o direito individual de dispor do patrimônio genético e o direito difuso do gênero humano de ter preservada sua dignidade e de receber os benefícios dessas novas

importante mas não o único de nossa natureza e portanto o mapeamento do genoma humano é uma conquista importante mas não pode ter pretensões de concluir este dilema. Notamos que , em que pese os grandes avanços da ciência na área da genética, também na ciências naturais existem “dilemas abertos” e ideologias. (Sobre isto. Ver. LEWONTIN, Richard.A Tripla Hélice e A Doutrina do DNA.)

436 MONOD, Jacques. O acaso e a necessidade. p.185/186; Apud: DIAFÉRIA, Adriana. Princípios

estruturadores do direito à proteção do patrimônio genético humano e as informações genéticas contidas no genoma humano como bens de interesse difuso. p.181.

descobertas biotecnológicas.438