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CAPÍTULO 1. DIREITOS HUMANOS, MODERNIDADE E ESTADO DE

1.2. A CONSTRUÇÃO JURÍDICO – POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS

1.2.1. As dimensões de Direitos Humanos

1.2.1.3. Os Direitos Humanos de terceira dimensão

Mais recentemente (sobretudo após o advento da segunda guerra mundial e seus impactos humanitários e ambientais em escala global) podemos falar nos direitos de terceira geração. Estes direitos, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, emergiram da reflexão sobre temas concernentes à solidariedade que deve pautar as relações humanas. Extrapolam a titularidade individual e coletiva, são direitos difusos que têm por destinatário o gênero humano. Figuram no conjunto dos direitos de solidariedade: o direito ao desenvolvimento69, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

Podemos fazer a seguinte contextualização didática: os "direitos de terceira dimensão" são apresentados como os direitos de solidariedade (os direitos de primeira dimensão seriam direitos de liberdade; os direitos de segunda dimensão seriam direitos de igualdade). Estes direitos "de solidariedade" remetem aos chamados direitos LASSALLE, Ferdinand.Essência da Constituição; e HESSE, Konrad. Força Normativa da Constituição). A respeito deste tema, aplicabilidade e força normativa da Constituição, em matéria de doutrina brasileira lembramos a obra de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2000).

66THIMM, Andreas. “Necesidades basicas y derechos humanos” . InDoxa, n.7, Madrid, 1990, p.85. 67 Este também é o entendimento de Philipp Alston, “Implementation and guarantees of social rights-

International cooperation”. In Recueil des Cours - 27a Seção de ensino do Instituto Internacional de Direitos Humanos. Strasbourg,1996.

68Sobre isto ver. BOBBIO, Norberto.A Era dos Direitos.

69Conforme E. Mbaya o direito ao desenvolvimento refere-se tanto a Estados como a indivíduos. Segundo este autor, em relação aos indivíduos, “este direito se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada.”Apud. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p.523.

metaindividuais - direitos coletivos e difusos. O que caracteriza esta nova categoria de direitos é que seu titular não é mais o homem individual, mas sim categorias ou grupos de pessoas (como família, povo, nação), não sendo propriamente classificada como pública ou privada70.

Em busca de uma apresentação destes direitos de terceira dimensão, encontramos duas classificações possíveis. Uma mais abrangente e outra mais específica.

A interpretação mais abrangente, que tem a seu lado autores como Celso Lafer,71 Gilmar Bedin72, Paulo Bonavides e Ingo Wolfgang Sarlet73, defende que estes direitos incluem os direitos relacionados ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente sadio, à sadia qualidade de vida, o direito de comunicação, o pluralismo político e ideológico, o direito de informação (e todas suas implicações)74, entre outros.

A visão mais específica reconhece estes direitos, como sendo direitos de titularidade coletiva e difusa, onde se destacam o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor.75Importa ressaltar, neste trabalho, que compreendemos o chamado “direito ambiental” não como mais um ramo específico do direito. O direito ambiental, assim como os direitos humanos (ao qual está ligado a nosso ver), é, talvez, o “ramo” ou 70 Interessa observar que a grande inovação destes chamados “direitos metaindividuais” é que eles

transcendem as tradicionais pendências ideológicas historicamente construídas entre os defensores dos direitos privados (liberais, políticos, burgueses) e os defensores dos direitos coletivos (sociais, culturais, econômicos). Entre um conflito entre individualistas-capitalistas e socialistas-sindicalistas, surgem os direitos difusos como “direitos de toda a humanidade”. A partir desta nova principialística, destacam-se então o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor (principalmente o primeiro). Surgem então novos princípios e ideários, universalistas, políticos, como os “direitos das futuras gerações” o “desenvolvimento sustentável”, os princípios de direito ambiental como “precaução” e “participação informada e educada”. Assim, ao menos no plano formal, conseguimos ultrapassar a velha, já carcomida (mas ainda viva) dicotomia esquerda/direita¸ visualizada entre os direitos individuais (dos que têm acesso ao consumo e satisfação das necessidades) e os direitos coorporativos (dos que conseguem e aceitam se organizar em moldes sindicais herméticos em seu coletivismo).

71

LAFER, Celso.A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

72BEDIN. Gilmar Antônio.Os Direitos do Homem e o Neoliberalismo. 2.ed. Ijuí: Editora Unijuí, 1998. 73 Deste autor ver. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998;

Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:

Livraria do advogado editora, 2001.

74O direito à informação é um exemplo de como os direitos humanos e fundamentais não devem mais ser

pensados separadamente. A realização deste direito integra as diferentes dimensões de direitos fundamentais (desde a liberdade, privacidade, desenvolvimento, participação política, entre outros). A respeito das diversas implicações de ordem jurídica, sociológica, política e econômica relacionadas ao “direito à informação”, ver recente trabalho de Fernanda Balbinot, Estado e Mídia: violação de direitos

fundamentais. Monografia de conclusão de curso de Direito, Univali – Biguaçu, 2004.

75 Para uma análise mais técnica-jurídica deste tema ver. MAZZILLI, Hugo Nigro.Os direitos difusos em

“matéria”, por assim, dizer mais interdisciplinar do meio jurídico. Neste sentido, afirmamos que os “direitos humanos ambientais” têm raízes e exercem influência por todo o mundo jurídico.76

De acordo com esta segunda versão, mais técnica, podemos apresentar os direitos metaindividuais em seu aspecto subjetivo (titularidade), como sendo direitos cujos titulares são indeterminados ou indetermináveis. Caracterizam-se, em relação ao ponto de vista objetivo, pela indivisibilidade do objeto, isto é, a realização do pedido - a satisfação do interesse, não pode ser fracionada entre os interessados.77

Uma das questões mais polêmicas em relação a tais direitos é a diferenciação entre direitos coletivos e direitos difusos. Pode-se afirmar que os direitos coletivos têm seus sujeitos determinados ou determináveis: envolvem interesses comuns no interior de organizações de classe, sociais, de sindicatos e associações profissionais e decorrem de uma relação jurídica de base (entre os sujeitos interessados ou destes com a parte oposta). Os direitos difusos, por sua vez, são marcados pela alta indeterminabilidade dos sujeitos interessados, decorrendo de situações fáticas, em geral de graves efeitos e imprevisíveis ou contingentes.

Importa salientar que os novos direitos transindividuais começaram a ganhar reconhecimento no pós-Segunda Guerra Mundial, momento em que ocorreram grandes violações de direitos de toda a humanidade: bomba atômica, genocídio, destruição ambiental. A consciência ambiental viria a crescer ainda mais a partir do acelerado processo de industrialização (e conseqüentes riscos) na segunda metade do século passado. O direito do consumidor também ganhou relevo a partir das décadas de 1970 e 1980, sobretudo nos EUA e Europa.78

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Não separamos, portanto, os direitos humanos do direito ambiental. Sustentamos (sem com isso entrar no mérito do debate entre antropocentrismo e biocentrismo) que o “meio ambiente sadio e equilibrado” é um direito humano por excelência que está na base de todos os demais direitos humanos. Neste sentido acompanhamos o pensamento de Antônio Augusto Cançado Trindade (Direitos Humanos e Meio

Ambiente: Paralelo dos sistemas de proteção internacional.).

77 Sobre isto consultar o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/ 1990). Consultar doutrinadores

como MAZZILLI, Hugo Nigro.Os direitos difusos em Juízo; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Direitos

Coletivos e Difusos; SAUWEN, Regina F & HRYNIEWICZ, Severo. O direito 'in vitro': da bioética ao biodireito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

78 Didaticamente, podemos dizer que uma das questões mais atuais em matéria de direitos de terceira

dimensão é a relação da proteção ambiental com os direitos do consumidor. Isto tem aflorado a partir do cultivo e consumo em larga escala dos chamados alimentos transgênicos. Este tema, por si só, justificaria um outro trabalho acadêmico. Entendemos contudo, que embora revele a sintomática problematização

No Brasil, como coroamento do trabalho de diversos doutrinadores, temos o marco da Lei de Ação Civil Pública, Lei no. 7347/ 1985, que disciplina e protege o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, entre outros bens de interesse coletivo e difuso.79

Em razão das transformações sociais das últimas décadas, os direitos metaindividuais têm abarcado também outros direitos que tradicionalmente não seriam coletivos e difusos. É o caso dos direitos de gênero, como as questões relacionadas à dignidade da mulher, os direitos da criança80, os direitos do idoso - terceira idade81, os direitos do deficiente físico e mental, os direitos das minorias (étnicas, religiosas, sexuais) e os novos direitos da personalidade (como intimidade e honra entre outros).

Segundo Paulo Bonavides esta “relação dos direitos de solidariedade é apenas indicativa daqueles direitos que se delinearam em contornos mais nítidos

envolvida no avanço da biotecnologia no atual estágio da modernidade, não constitui objeto central do presente trabalho. A título mais provocativo, no entanto, trazemos à baila um texto de Sean Murphy, que apresenta diversos pontos “positivos” da engenharia genética voltada para alimentos transgênicos: “The genetic engineering made possible by biotecnology will likely yield some of the greatest technological breakthroughs for the new millennimu. Over the next fifty years, it is possible that thousands of novel, genetically modified organisms could be developed and released into the global environment for pharmaceutical, agricultural, medical, environmental remediation, alternative fuel, and other purposes. Myriad biotecnology applications have the potencial to alleviate some of the most pressing problems facing the global community, as well as to reduce dramatically human suffering and to improve the quality of life, particulary in the developing world. For instance, recent estimates indicate that around 790 million people in developing stages are chronically undernourished (meaning their food intake is insufficient to meet basic energy requirements on a continuing basis) and millions more experience undernutrition (meaning they lack essential vitamins and minerals in their diet). Absent biotecnology developments, one might doubt that traditional plant-breeding techniques could increase the world’s food supply enough to feed the estimated global population of 9.4 billion in the year 2050.” (In. MURPHY, Sean. D. “Biotechnolgy and International Law”. In.Harvard International Law Journal. Vol. 42. n. 1, winter 2001, p. 47). Este entendimento, com relação aos potenciais, e até mesmo, da necessidade da biotecnologica, para efeitos de abastecimento alimentar da sociedade, não é tão simples, ou matemático, como apresentou este autor. Sobre isto, sugerimos consultar também: ABRAMOVAY, Ricardo. O que é Fome? (col. Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 1996.

79 Os trabalhos de autores como Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira foram

fundamentais para a aprovação da Lei que tutela interesses metaindividuais no Brasil (Lei 7347/85). Para melhor compreender este tema ver: LEITE, José Rubens M. "Interesses meta-individuais: conceitos - fundamentações e possibilidade de tutela. In: OLIVEIRA JR. José Alcebíades de; LEITE, José Rubens Morato (orgs).Cidadania Coletiva. Florianópolis: CPGD/Paralelo 27, 1996.

80 O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) inova ao reconhecer que a legitimidade para

tutelar, não se resume aos responsáveis legais, mas estende-se a toda a coletividade. Sobre este tema, ver o trabalho de VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

contemporaneamente; é possível que haja outros em fase de gestação, podendo o círculo alargar-se à medida que o processo universalista se for desenvolvendo.”82

Como visto, a visão dos direitos humanos veio enriquecendo-se, sendo que mais recentemente, além do acréscimo dos “direitos econômicos e sociais” aos “direitos de liberdade”, também somam-se a estes, os chamados direitos humanos de terceira geração ou dimensão (os direitos de solidariedade)83:

n direito ao desenvolvimento

n direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado

n direito à paz

n direito de propriedade sobre patrimônio comum da humanidade

n Direito à informação e à comunicação

n Direito ao pluralismo

Tem-se como inequívoco o entendimento de que a consagração dos direitos humanos fundamentais, e com isto a construção de uma cidadania verdadeira e efetiva, envolve o exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente assegurados.84

Embora muitos autores continuem enfocando esta temática, particularmente no locus dos direitos políticos e de participação, é necessário compreender que “o exercício pleno destes últimos tem como condição o exercício de todos os demais direitos fundamentais”.85

John Friedmann demonstrou como a exclusão política dos indivíduos pertencentes aos extratos pobres da população está condicionada por sua exclusão social. Segundo o autor “é a pobreza que efetivamente os exclui do exercício pleno de seus direitos.”86

Constata-se a impossibilidade de realização da democracia sem a realização, por assim dizer, da cidadania. Para tanto, faz-se imprescindível, a implementação, pelo

82BONAVIDES,Curso de Direito Constitucional. p.253.

83VASEK, Karel. Alonga luta pelos direitos humanos; Apud. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional, p. 523.

84 Nesse sentido ver PIOVESAN, Flávia.Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional; e da

mesma autora:Temas de Direitos Humanos. (São Paulo: Max Limonad, 2003).

85BARATTA, Alessandro.Criança, democracia e liberdade no sistema e na dinâmica da Convenção das

Nações Unidas sobre o direito das crianças. Conferência apresentada no encontro “Direito e

Modernidade”, Florianópolis, 17 de setembro de 1996. p.04-05. (Texto obtido diretamente com o autor).

Estado, dos direitos sociais e econômicos (direitos prestacionais, de “2a dimensão/geração”). Na mesma direção é o lúcido entendimento de Paulo Sérgio Pinheiro:

A implementação dos direitos sociais e econômicos não pode ser considerada separadamente ou como adicional à consolidação da democracia: a realização da cidadania, essencial para a democracia política tornar-se ela mesma realidade, requer reformas sociais e econômicas. O que é urgente não é apenas a extensão da já existente democracia política para novas áreas sociais e econômicas, mas reformas substantivas para remover obstáculos sociais e econômicos que impendem a própria cidadania. Evidentemente não pode haver cidadania efetiva sem democracia. Há um sério risco diante das reformas neoliberais sem políticas sociais (como é o caso do Brasil e Argentina) na atual conjuntura do capitalismo global de se preconizar a institucionalização da democracia sem o efetivo empowerment da população como cidadãos.87

Alerta, ainda, este autor, para a urgência de reformas sociais a fim de enfrentar esta situação de violência estrutural existente na sociedade brasileira, sob o risco de termos um “modelo de democracia sem cidadania”.