• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. DIREITOS HUMANOS, MODERNIDADE E ESTADO DE

1.2. A CONSTRUÇÃO JURÍDICO – POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS

1.2.1. As dimensões de Direitos Humanos

1.2.1.2. Os Direitos Humanos de segunda dimensão

Os direitos de segunda dimensão estão associados ao princípio da igualdade, notadamente no marco do constitucionalismo da social democracia. São os direitos sociais, econômicos e culturais, direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social. Exigem do Estado prestações ou uma ação positiva, em que parece ser possível enquadrar o direito de igualdade em sentido material. São direitos destatus positivo ou direitos prestacionais, no sentido dado por Robert Alexy.56

Estes direitos podem, portanto, ser entendidos como “direitos positivos”, uma vez que não se colocam contra o Estado (como é o caso dos direitos de primeira dimensão). Os direitos de segunda dimensão representam garantias para todos os indivíduos, por parte do poder público. Conforme salienta Celso Lafer57, aqui também, o titular do direito continua sendo o homem em sua individualidade.

55 Em que pese as expressões “liberdade, igualdade e liberdade” de ordem jusnaturalista, o Estado de

Direito veio em sua origem consagrar principalmente valores liberais e individualistas, agregando ao direito fundamental de liberdade, o também direito fundamental e “sagrado” de propriedade. Não tardaria, após a revolução industrial (que teve origem na consagração estatal do direito de propriedade) a que houvesse novas revoluções (reivindicando novos direitos) ou riscos de revoluções.

56Cf. ALEXY, Robert.Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 194-196. 57LAFER, Celso.A reconstrução dos direitos humanos. p. 127.

Um fator histórico determinante desta segunda dimensão de direitos é o processo de industrialização e os impasses socioeconômicos característicos do ocidente na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX.

Enquanto os direitos de primeira dimensão correspondem a um período de capitalismo liberal concorrencial, os direitos de segunda dimensão são contextualizados com um capitalismo “regulado” pelo estado. Após a crise do modelo liberal de Estado, instaura-se um novo modelo: o Estado de Bem- Estar. É neste tipo de Estado, o Estado providência que vão ser reconhecidos estes “novos” direitos prestacionais. Este período também é marcado pelo surgimento de correntes anarquistas, socialistas e reformistas.

Algumas das principais referências de direito positivo deste período, como já foi dito anteriormente, são a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição Alemã de Weimar de 1919, bem como também a Constituição Espanhola de 1931 e a Constituição Brasileira de 1934.

Pode-se concluir a partir dos escritos de Norberto Bobbio, que embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre - com relação aos poderes constituídos - apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios.58

Historicamente, no entanto, os direitos ditos de primeira geração, referentes, entre outros, ao direito de liberdade, sobretudo em seu sentido negativo (impedir os malefícios do poder, como visto), têm tido uma grande prevalência sobre os direitos sociais ou de segunda dimensão, em que se estabelecem os direitos de igualdade. Isto, sem dúvida, ocorreu e tem ocorrido em função da falta de previsão e clareza normativa destes segundos e pelo fato de aí se exigir uma prestação (e não apenas abstinência) estatal.

Esclarece Robert Alexy que este direito à “prestação” estatal, pode ser dividido em dois tipos: prestação fática e prestação normativa. O primeiro pode ser chamado como direito a prestações em sentido estrito, e o segundo como direito a prestações em sentido amplo. Quando falamos em “direitos humanos prestacionais”, normalmente nos referimos aos direitos prestacionais de ordem fática. É necessário que se frise, contudo, a diferença existente. Feito este esclarecimento, podemos aludir a alguns exemplos dados por Alexy de direitos prestacionais (do tipo fático):

Se trata de un derecho a una acción positiva fáctica cuando se supone un derecho de un propietario de una escuela privada a recibir ayuda estatal a través de subvenciones, se fundamenta un derecho a un mínimo vital o se considera una ‘pretensión individual del ciudadano a la creación de plazas de estudio’. El hecho de que la realización de este tipo de derechos se lleve a cabo de una forma en algún modo jurídica no altera en nada el carácter del derecho como un derecho a una acción fáctica. Para la realización del derecho es indiferente la forma como ella se lleve a cabo. Lo decisivo es únicamente que después de la realización de la acción, el propietario de la escuela privada disponga de medios suficientes; el necesitado, de las condiciones mínimas de existencia y el que desea estudiar, de una plaza de estudios.59

É notável como o Estado Contemporâneo, inserido em larga medida na lógica da globalização econômica, tem deixado claramente “de lado” a aplicação das normas e princípios referentes aos direitos sociais ou de segunda geração, sobretudo com relação a seus aspectos “fáticos”.60

Nesta direção, é elucidativo o entendimento de Boaventura de Sousa Santos, para quem o capitalismo tem agido com criatividade sendo praticamente uma “unanimidade” mundial atualmente. A esta modalidade, contemporânea, de capitalismo, o autor chama de “capitalismo desorganizado”61. Observa Boaventura Santos duas soluções adotadas

59Sobre isto ver tb. ALEXY. Robert.Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 195.

60 Embora o conceito de “globalização” seja, por si, bastante complexo, e muitas vezes também

ideologizado, podemos trazer à baila uma definição, introdutória, de José Maria Gómez: “Embora constantemente utilizado, raras vezes o conceito de globalização é definido. Em uma aproximação mais simples, poder-se-ia dizer que o termo denota o incremento das interconexões globais. Manifestações evidentes disso não se encontram apenas no domínio econômico, mas virtualmente em todos os aspectos da vida social contemporânea. Um rápido olhar basta para constatar a facilidade e a freqüência com que informações, contaminação ambiental, migrantes, turismo, armas, imagens, idéias, doenças, criminalidade, etc., fluem através das fronteiras territoriais nacionais. Exemplos não faltam para ilustrar o crescimento e intensidade de atividades, fluxos, interações e redes em escala transnacional e global (desde o aumento do turismo internacional – de 70 milhões em 1960, para 500 milhões em 1995 -, até os impactos globais visíveis da degradação ambiental – buraco na camada de ozônio, efeito estufa etc. – passando pelo aumento das ONGs de dimensão internacional – de 176 no início do século para 30 mil em 1993 – e pela magnitude da gravitação das finanças, comércio e das corporações transnacionais). (In. GÓMEZ, José Maria. “Globalização, Estado-Nação e Cidadania”, In.Contexto Internacional, vol. 20, n.1, jan/jul de 1998, p. 42- 43).

61 Desorganizado, diga-se no quer respeita a critérios formais/legais/estatais de observação. Do ponto de

vista de sua hegemonia, não há que se suscitar de uma “desorganização”. Sobre isto ver SANTOS, Boaventura de Souza.Pela mão de Alice – o Social e o político na pós modernidade. Este autor faz uso de uma categorização de Claus Offe, que trata dos três períodos históricos do Capitalismo: um primeiro período de capitalismo liberal; um segundo período de capitalismo organizado (Estado de Bem Estar) e um terceiro período (corresponde à atualidade) de capitalismo desorganizado, onde prevalecem interesses econômicos transnacionais de grandes empresas globais. Em relação este ponto , especificamente a respeito

pelo capitalismo após os anos 60 (Estado Social): “a difusão social da produção e o isolamento político das classes trabalhadoras enquanto classes produtoras”, o que acabou transformando o operariado em “mera força de trabalho”, possibilitando, como se vê atualmente, estratégias de flexibilização ou de “precarização da relação salarial”62.

Tal realidade, verifica-se também, no contexto mundial, na Organização das Nações Unidas, criada após duas guerras mundiais, com o claro objetivo político de promover a paz e o respeito aos direitos humanos fundamentais no mundo, o que seria também uma forma (indireta), de Estados como França, Inglaterra e Estados Unidos, sobretudo este último de contrapor-se ao regime socialista soviético.

Sabe-se que daí resultaram importantes documentos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como os dois Pactos Internacionais que vieram lhe completar: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Há que se notar, portanto, que a ONU, apesar de sua pretensa neutralidade, foi idealizada, fundada e tem sido comandada principalmente pelas nações aliadas vencedoras da Segunda Guerra Mundial.63

da perda de governabilidade dos tradicionais Estados-Nação, ver também BAUMAN, Zygmunt, que em diversos trabalhos trata deste tema (ver especialmente Modernidade e Ambivalência; e O Mal-Estar da

Pós-Modernidade). No que respeita a aspectos jurídicos, como o nascimento de “novos direitos” ver

WOLKMER, Antônio Carlos "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos Direitos'.", p.9. Em relação à crise dos Direitos Humanos em face do neoliberalismo, característico deste terceiro período de “capitalismo desorganizado”, ver ainda. BEDIN, Gilmar. Os Direitos do Homem e o

Neoliberalismo. e WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil.)

62

Conclui este autor:“A difusão social da produção e o isolamento político das classes trabalhadoras

nestas duas últimas décadas têm sido acompanhados no plano político- cultural por uma constelação ideológica em que se misturam o renascimento do mercado e da subjetividade como articuladores nucleares da prática social.”(In. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice - O social e o político na pós-modernidade. 2.ed. São Paulo. Cortez:1996, p.87 e ss).

63

Neste sentido é apropriada a reflexão de Rodrigo Reis Pastore, que pautado por uma visão realista das relações internacionais, pondera a respeito das novas instituições pós 2a Guerra Mundial: “Em que pese todas as considerações positivas a essa prevalência da esperança de ser criado um mundo menos violento e mais orientado por padrões mínimos de respeito ao ser humano, o fato é que tais medidas somente puderam ser efetivadas em quadro, raríssimo, de colaboração quase total entre todos os Estados hegemônicos e que pôde ser sustentado apenas no período imediatamente posterior ao da guerra. [...] Ou seja, se o direito tem sua importância na construção de um mundo menos violento mas só pode ser aplicado quando há uma colaboração e sujeição praticamente irrestrita a ele, de que vale sua existência quando esse desejo de cooperação já está presente por meio de arranjos diplomáticos e políticos? Ou, por outro lado, se não há condições de convívio diplomático e político, por qual razão nações soberanas submeteriam-se ao império da lei se a aplicação dessa lei é contrária ao seus interesses?”(In. PASTORE, Rodrigo Reis. Ordem,

Hegemonia e Repressão: uma análise sobre a aplicação do Direito Internacional Penal no Século XX.

Tudo isto tem amplos reflexos no mundo jurídico e mais diretamente, sobre os direitos fundamentais, especialmente os de cunho prestacional, nomeadamente os econômicos, sociais e culturais.

Assim, não importa se estamos vivendo em um Estado Liberal ou Social que dê um mínimo resguardo, a custa de muita pressão social, aos direitos sociais e econômicos. Atualmente a forma tem importado cada vez menos. De acordo com o sistema jurídico racional vigente, os direitos humanos, e assim também os direitos fundamentais, devem ser encarados de uma forma conjunta. Não se justifica efetivar direitos sócio-econômicos a custa de direitos civis e políticos, ou vice versa.64

Contata-se que, em vista de seu caráter positivo (exigem um agir do Estado), os direitos sociais estão fadados à perda de efetividade, tanto em âmbito interno constitucional (como vem de fato ocorrendo, visto que tais normas, muitas vezes, têm “sido entendidas”, apenas como “programáticas” ou de eficácia contida ou limitada, que necessitam de regulamentação e portanto não gozam de plena aplicabilidade), como internacional (como é o caso típico do Pacto dos direitos econômicos, sociais e culturais).65

64 Trata-se da tese já suscitada da indivisibilidade e da universalidade dos direitos humanos (consagrada na

Declaração de Viena sobre Direitos Humanos, 1993). Há que se mencionar contudo que a idéia de “universalidade” da Convenção de Viena éflexível a ponto de reconhecer as características e peculiaridades de cada país. É o que proclama o artigo 5o da Declaração e Programa de Ação de Viena : “o

reconhecimento de que as particularidades históricas, culturais e religiosas devem ser levadas em consideração desde que não os direitos universais.”

Cite-se também que, ao menos no que tangem à maioria das democracias ocidentais, o discurso racionalista dos direitos humanos/fundamentais foi formalmente reconhecido. Fala-se atualmente de uma “arquitetura” dos direitos humanos onde não mais se separam o direito internacional dos direitos humanos e os direitos humanos reconhecidos em Constituições e normas - direitos fundamentais- dos Estados Nacionais. No caso do Brasil lembramos o dispositivo do artigo 5o, parágrafo 2o, de nossa Constituição Federal. Sobre esta discussão ver PIOVESAN, Flávia (“Direitos Humanos, Democracia e Integração Regional: Os Desafios da Globalização.”In. Revista de Direito Constitucional e Internacional; A atual dimensão dos Direitos Difusos

na Constituição de 1988. - Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional). ; ALVES, José

Augusto Lindgreen (A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos) e BOBBIO, Norberto (A Era dos

Direitos).

65Este dilema não é novo. Citamos o debate entre Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse, em torno da força

normativa da Constituição. Com o devido cuidado para não cair em reducionismos materialistas, parece ainda atual a conceituação de Lassalle, a respeito dos Fatores Reais de poder. De acordo este autor, os

fatores reais de poder existentes em sociedades determinadas (como o Sistema Financeiro, a Igreja, os

Latifundiários, as oligarquias ou mesmo o movimento social operário, por exemplo) são a Constituição

concreta e real de um Estado. Desta forma, polemiza que, se uma determinada Constituição (Formal,

documental), não estiver de acordo com os interesses dosfatores reais de poder (sejam eles as oligarquias ou o Partido Comunista) esta Constituição (formal) não passaria de uma merafolha de papel. Pensamos ser esta crítica ainda “aplicável” aos dias atuais, mas que necessita de uma nova contextualização em face da maior complexidade da sociedade contemporânea em relação àquela de Lassalle. (Sobre isto ver.

Para Andreas Thimm66, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tem o caráter de um catálogo de objetivos simpáticos, mas que dificilmente pode ser entendido como um instrumento legal.67

Os direitos de liberdade tiveram uma evolução paralela à do princípio do tratamento igual. Com relação ao direito de liberdade vale o princípio de que os homens são iguais. Pode-se afirmar que desde o estado de natureza, conforme entende Locke, os homens são todos iguais, até mesmo na forma de gozar a sua liberdade, sendo que uns não podem ter mais liberdade do que outros.68