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CAPÍTULO 1. DIREITOS HUMANOS, MODERNIDADE E ESTADO DE

1.2. A CONSTRUÇÃO JURÍDICO – POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS

1.2.1. As dimensões de Direitos Humanos

1.2.1.4. Os Direitos Humanos de quarta e quinta dimensões

Atualmente, fala-se também, na possibilidade de uma quarta (e até mesmo de uma quinta) dimensão de direitos humanos/fundamentais. Um exemplo, de interesses e direitos de quarta dimensão, seria o direito fundamental à integridade genética.88 O 87

PINHEIRO, Paulo Sérgio. O passado não está morto. Prefácio da obra: DIMENSTEIN, Gilberto.

Democracia em pedaços - direitos humanos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.22.

88 Esta configuração tem por base os trabalhos de Norberto Bobbio (A Era dos Direitos) e de José

Alcebíades de Oliveira Júnior (Teoria Jurídica e Novos Direitos). A idéia de quatro ou cinco dimensões é, em si mesma, polêmica. Adotamos esta classificação, sem querer entrar no mérito de sua pertinência, como uma forma de melhor contextualizar o surgimento de interesses e direitos relacionados à biotecnologia. A classificação em quatro ou cinco dimensões, conforme apresentada nesta tese não é a mesma adotada por Marshall (precursor desta “apresentação”) ou por Paulo Bonavides (para citar um doutrinador brasileiro). Para Paulo Bonavides esta quarta geração/dimensão envolveria os direitos à democracia, à informação, e ao pluralismo. Para este autor os direitos de primeira, segunda e terceira geração, são infra-estruturais, conformam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia, coroamento da globalização política. Tais direitos então, “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política”. (Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

reconhecimento de tais direitos não se dá de forma consensual. Para muitos, trata-se, ainda, de valores e interesses que não foram consagrados positivamente. Outros autores destacam que estes valores e interesses de ordem fundamentalmente bioética (como se verá nos próximos capítulos da tese) já constituem uma dimensão real de novos direitos. Neste sentido, uma das classificações mais recentes no Brasil é a de José Alcebíades de Oliveira Júnior89 (amparada na obra A era dos Direitos, de Norberto Bobbio), aqui citada por apresentar uma classificação em cinco dimensões dos "novos" direitos, a nosso ver, bastante esclarecedora.

A quarta dimensão de direitos tem sido entendida como os direitos referentes à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética. "Trata dos direitos específicos que têm vinculação direta com a vida humana, como a reprodução humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, cirurgias intra-uterinas, transplantes de órgãos, engenharia genética ("clonagem"), contracepção e outros."90

Nota-se a que a natureza destes direitos de quarta dimensão é polêmica, interdisciplinar e complexa. Desperta o interesse de diversos estudiosos: médicos, juristas, biólogos, filósofos, teólogos, psicólogos, sociólogos entre outros pesquisadores de campos das ciências humanas, biológicas e técnicas. Como bem salienta Noberto Bobbio, estes reconhecidos direitos de "quarta geração" revelam os "efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo"91.

Em face da emergência destes novos direitos, no final do século XX, diversos doutrinadores têm defendido a necessidade de se corrigir o descompasso e os limites da ciência jurídica tradicional, para regulamentar e proteger estes novos interesses jurídicos. Nesta perspectiva, tem-se verificado um esforço normatizante, sobretudo em escala internacional, dada a dimensão dos impactos possíveis dessas novas tecnologias biocientíficas em associação à informática. Cite-se, como exemplos mais destacados, as novas técnicas de procriação assistida, tráfico de embriões, órgãos e tecidos humanos,

89 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2000, p.83-96.

90WOLKMER, Antônio Carlos "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos Direitos'.",

p.12; Ver também BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.

produção de armas bioquímicas, novas práticas possíveis com a engenharia genética: clonagem, manipulação genética e novas modalidades de eugenia.92

Em combinação com esta quarta dimensão de direitos e interesses, ou melhor dizendo, como fundamento desta, surge a Bioética e conseqüentemente o vem se chamando, doutrinariamente, de biodireito93. A bioética propriamente dita, tem sua origem na década de 1970, quando dos primeiros desafios interdisciplinares envolvendo o progresso das ciências biomédicas e as revoluções tecnológicas aplicadas à saúde humana. Originalmente a bioética foi "pensada" como uma reflexão deontológica envolvendo a ética médica (relação entre biologia, medicina e vida humana). Atualmente, contudo, a bioética tem ganhado dimensões bem mais amplas do que as pensadas originalmente. Além disso, tem levado a uma maior normatização, que incorpore juridicamente suas novas reivindicações ético-valorativas. Fala-se, então, do surgimento do "biodireito".94Este é um tema específico do terceiro capítulo do trabalho. Entretanto entendemos ser necessário, desde já, para efeito de melhor contextualização da tese, apresentar uma primeira definição do que seja “biodireito”, justamente por ser o “representante maior” desta quarta dimensão de direitos humanos.

O biodireito pode ser entendido como um novo ramo do Direito referente aos novos fatos oriundos das pesquisas sobre as ciências da vida, sobretudo no que tange ao aumento de poder do homem sobre o próprio homem, decorrentes do progresso técnico. A capacidade do ser humano em dominar a natureza e outros homens deve ser regulada em seus novos aspectos relacionados ao avanço da biologia, da biotecnologia95 e da medicina96. O Biodireito surge, portanto, insuflado pela bioética, como um sistema de

92SAUWEN, Regina F & HRYNIEWICZ, Severo.O direito 'in vitro': da bioética ao biodireito. 93

O chamado “Biodireito” tem despertado grande interesse (recente) por parte dos doutrinadores do Brasil e do mundo. Trata-se de conceito diretamente relacionado à Bioética, de onde originou-se. Podemos dizer também que o biodireito é a consagração da “quarta dimensão” de direitos humanos. Sobre biodireito já existe ampla bibliografia.

94Os conceitos debioética e biodireito são essenciais para este trabalho e serão aprofundados no decorrer

do mesmo, principalmente no terceiro capítulo da tese. Por ora interessa uma contextualização inicial dos conceitos.

95 Os avanços da biotecnologia vão nos chamar a atenção inicialmente, por seus efeitos “extra humanos”,

no meio ambiente natural. Destacamos a biotecnologia aplicada a produção de medicamentos e de alimentos. Ou seja, trata-se da biotecnologia aplicada, num primeiro momento, a plantas e animais (que não o ser humano). Sobre este assunto, consultamos MAYOR, Federico. “As Biotecnologias no início dos anos noventa: êxitos, perspectivas e desafios” In.Estudos Avançados, USP, n. 16, 1992, p. 7- 28).

96 Para melhor situar o surgimento deste “biodireito”, fazemos referência à importância do debate

regulação ao homem não como ser individual, mas como espécie a ser preservada, sendo esta, sua novidade principal. Vai além da ótica liberal individualista e, também, da visão coletiva e difusa (tal como apresentada nos direitos de segunda e terceira dimensão). Estaria mais próximo dos diretos de terceira dimensão, mas, desta se destaca, em razão de um novo elemento a que podemos chamar de “solidariedade via espécie”.97

É interessante notar a primeira reação do mundo jurídico ante o incremento de complexidade social. A resposta do direito, quase que instintiva, é quase sempre, no sentido de normatizar os novos problemas.98

Podemos elencar algumas iniciativas legais pioneiras em relação à bioética (e ao nascente biodireito): Código de Nuremberg (1947), Declaração de Helsinque (1964), Lei Brasileira de Biossegurança (n. 8974), de 5-1-1995 e Lei de Doação de Órgãos (n. 9.434), de 4-2-1997. Existem, também, vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre clonagem, reprodução humana assistida e eutanásia.99

biossegurança. O avanço a bioética e do biodireito, no sentido mais voltado aos seres humanos, é algo cujo desenvolvimento tem se dado mais recentemente. A preocupação ambientalista, contudo, já data de conferências internacionais importantes como Estocolmo (1972) e Rio (1992). Os três “neologismos”, biodivesidade, biotecnologia e biossegurança, têm, para Sandrine Dubois, sua consagração, com a Convenção da Diversidade Biológica (um dos documentos assinados na Conferência Rio-92). Esta Convenção que define o significado de biotecnologia como “toute application technologique qui utilise des systèmes biologiques, des organismes vivants, ou des derivés de ceux-ci, pour réaliser ou modifier des produits ou de procédés à usage spécifique (art. 2o) [...] Le développment biotecnologique soulève d’importants enjeux économiques et sociaux. Il fait entrevoir de larges modifications des techniques agricoles et de la condition des agriculteurs, craignant pour eux-mêmes une dépendance accrue vis-à-vis des firmes multinationales” (In. MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. “Biodiversité, biotechnologies, biosecurité: Le droit international desarticulé”. In. Journal du Droit International. Paris, n. 4, Octobre- Novembre-Decémbre, 2000, p. 950-951).

Ainda em matéria de biossegurança, há que se destacar o Protocolo de Biossegurança (também conhecido como Protocolo de Cartagena), negociado sob os auspícios da Convenção da Diversidade Biológica.

97

Esse novo tipo de solidariedade fundamenta-se noprincípio da responsabilidade, tal como, proposto por Hans Jonas em sua obraEl Princípio de Resposabilidad. (Barcelona: Herd, 1995). Este autor propõe um novo modelo ético (de responsabilidade), para fazer frente ao “utopismo tecnológico” da modernidade contemporânea. Este novo saber deve levar em consideração as condições globais da vida humana, bem como, o risco inerente trazido pela técnica moderna, inclusive para a própria sobrevivência do ser humano como espécie. Fala-se, portanto, de uma ética de responsabilidade intergeracional (que tem dimensões alargadas de tempo e espaço). Sobre isso, ver também: Morato Leite, José Rubens & Ayala, Patryck de Araújo.Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004.

98 WOLKMER, Antônio Carlos de. "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos

Direitos'.", p.14.

99Sobre este tema, ver também: BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de & PESSINI, Léo.Problemas

atuais de bioética. 4ed. São Paulo: Loyola, 1998; SGRECCIA, Elio. Manual de bioética. São Paulo:

Loyola, 1996, 2v; DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001; SAUWEN, Regina F & HRYNIEWICZ, Severo.O direito 'in vitro': da bioética ao biodireito.

Em matéria de biossegurança, fazemos menção ao Protocolo de Biossegurança (também conhecido por Protocolo de Cartagena), sob os auspícios da Convenção da Diversidade Biológica.100

Ainda, em se falando das "dimensões" de direitos, há que se fazer referência, por fim, à chamada "quinta dimensão de direitos". São os "novos" direitos relativos às tecnologias de informação (internet), e da realidade e espaço virtual. Fala-se, atualmente, de uma "era digital", de "inclusão digital" e, por que não, de uma "cidadania digital". Tudo isto se deve ao impressionante impacto das novas tecnologias virtuais, como a cibernética, comércio eletrônico e redes de computadores. Houve uma transição da sociedade industrial para a sociedade da era virtual101.

Frise-se, que estas duas recentes "dimensões de direitos", têm direta relação com os impactos das novas tecnologias (biotecnologias e tecnologias da era digital). Representam sem dúvida, desafios inesperados para o direito estabelecido no decorrer da modernidade.

Assim como no tocante às biotecnologias (quarta dimensão), o debate sobre a normatização, regulamentação e controle do mundo digital, tem dividido opiniões. Alguns posicionam-se contrariamente à incidência legal na realidade virtual. Outros são favoráveis à aplicação do direito e da jurisprudência também no âmbito do ciberespaço.102

100

Este documento tem grande relevância na matéria de movimento transfronteiriço de OGMs (organismos geneticamente modificados). Acaba assim relacionando as chamadas terceira e quarta dimensões de direitos humanos, pois versa sobre matéria ambiental (latu sensu) e bioética. Atualmente este tema também tem importantes implicações comerciais, como revelam Peter Phillips e William Kerr: “Successful completion of the Protocol has the potencial to positively influence international trade in three significant ways. First, increased trade transparency according to the use the AIA (Advanced informed agreement) principle should remove friccion in the market. Second, the scientific risk assessment procedures should increase trade fairness by ensuring that risks to biodiversity from genetically modified products, whether domestic or foreign, are assessed consistently using credible scientific risk assessment procedures. Third, the Protocol should overcome the lack of domestic regulations in those countries with little or no experience with regulating genetically modified products. […] The global benefit, shared by all countries, is the overall conservation and protection of biodiversity.” (In. PHILLIPS, Peter. W.B. & KERR, William A. “Alternative Paradigms – The WTO Versus the Biosafety Protocol for Trade in Genetically Modified Organisms”In. Journal of World Trade. USA, V. 34, n. 4, August 2000, p.67).

101Ver. LÉVY, Pierre.As tecnologias da inteligência.

102 Cf. WOLKMER, Antônio Carlos "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos

Direitos'.", p. 15. Sobre isto, ver: ROVER, Aires José (Org.). Direito, sociedade e informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.

É fato que alguns dos grandes problemas do mundo contemporâneo e que, portanto, são apresentados como problemas a serem resolvidos pelo direito (cujo sentido é justamente "resolver problemas" ou "solucionar conflitos"), decorrem das novas tecnologias, como a biotecnologia e a informática. Temos, então, o surgimento, no seio desta "quinta geração" de direitos, de alguns "ramos especializados" do tradicional direito moderno, tais como um “direito civil da informática” e um “direito penal da informática”. O primeiro versaria sobre relações privadas em matéria de informática como direitos autorais, transações econômicas e comerciais, entre outros. O segundo trataria de formas preventivas e repressivas a fim de regular o uso cotidiano da informática.

Vale suscitar aqui uma discussão que será travada no quarto capítulo da tese. Trata-se do argumento de que a sociedade contemporânea e suas instituições de governabilidade, forjadas na modernidade, encontram-se em uma crise de proporções paradigmáticas.

Em conseqüência deste desequilíbrio haveria uma perda de governabilidade das instituições de governabilidade modernas, tais como o Estado de Direito e o Sistema Inter-estatal de Proteção dos Direitos Humanos. Restaria aos aparatos modernos apenas a tarefa de controle e repressão social, em outras palavras, garantir a sustentabilidade da ordem tal qual se encontra, ainda que socialmente injusta (uma vez que não estimula a produção, acelera as desigualdades sociais em uma dimensão global nunca vista) e ambientalmente degradante.

De maneira consciente ou não, diversos autores seguem de certa forma o mainstream regulatório do direito moderno, sustentando que urge ao direito regulamentar a ciência da informática, o direito à privacidade e à informação, e o controle de crimes através da rede: incitação de crimes de uso de droga, racismo, abuso e exploração de outros.103

Assim como os direitos de "quarta dimensão" aqui, também, as referências normativas são escassas. Destaca-se a existência de projetos de lei tramitando no

103 Cf. WOLKMER, Antônio Carlos "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos

Congresso Nacional Brasileiro, mais especificamente relacionados com a punição à pornografia e à violência por meio de mensagens eletrônicas e dainternet.104

Em se tratando de "novos" direitos, cumpre apresentar uma problematização referente, sobretudo, aos direitos de quarta e quinta dimensões, com relação à titularidade dos mesmos (que pode ser individual, coletiva e difusa). Observa-se que os chamados direitos de quarta e quinta dimensões podem consagrar direitos tanto puramente individuais, como, também, metaindividuais (coletivos e difusos). Sobre isto, preleciona Paulo de Tarso Brandão, que “as gerações de direitos terminam por induzir ao errôneo entendimento de que a evolução dá-se sempre no sentido da coletivização do exercício dos direitos, o que não corresponde à realidade. [...] o espaço dos direitos de cunho individual continua a existir plenamente, evoluem e até se ampliam, como ocorreu com a tutela da intimidade [...]".105

Este autor sustenta ainda que os direitos de quarta e quinta dimensõescontemplam direitos classificados como tipicamente individuais, sociais e transindividuais. Assim, por exemplo, os direitos decorrentes da biotecnologia e da bioengenharia ensejam direitos sociais, que podem dizer respeito ao consumidor quando se trata de alimentos modificados geneticamente.106

A mesma biotecnologia pode, portanto, apresentar uma questão de direitos coletivos e difusos (ex: impactos sobre o meio ambiente, a qualidade de vida, entre outros), uma questão de interesses individuais (ex: eutanásia, transplantes de órgãos e conservação artificial da vida), e também uma questão de direitos de quarta dimensão (possibilidade de afetar a “integridade genética” ou “patrimônio genético da humanidade”).

Esta diversidade de contextualizações possíveis dos "novos" direitos também implica em desafios processuais com relação às formas de garantir a tutela destes direitos.

104 Cf. WOLKMER, Antônio Carlos "Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos 'Novos

Direitos'.", p.16. Sobre este assunto ver: LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

105BRANDÃO, Paulo de Tarso.A tutela judiicial dos “novos” direitos: em busca de uma efetividade para

os direitos típicos da cidadania. Florianópolis: CPGD, 2000, p.126.

O direito tem-se mostrado bastante lento ou até inerte, se contextualizado com a rapidez do avanço da ciência em matéria de biotecnologia e informática.107

Dentro da ótica jurídica, algumas reflexões racionalizadoras merecem ser citadas. Pensadores como Antônio Carlos Wolkmer e Roxana Cardoso Borges, sustentam a urgência em criar e incorporar novas concepções de direito, pautados pela ampliação "de direitos individuais para a categoria de direitos coletivos lato sensu", ou ainda "uma inesperada mudança no conceito de alguns institutos jurídicos, como processo , dano, propriedade, vida e reordenação do sistema jurídico [...]", rumo a uma concepção "interdisciplinar e solidária do Direito".108

Em razão de esforços doutrinários, já presentes desde o final do período ditatorial brasileiro, uma série de disposições normativas têm surgido no intuito de consagrar esta nova juridicidade metaindividual (coletiva e difusa).

Pode-se destacar instrumentos como a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/95), a lei de proteção às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei n. 7853/89); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei. 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), bem como disposições constitucionais sobre os direitos da personalidade (Constituição brasileira de 1988: Titulo II, Capítulo I, art. 5o, V, IX, X, XIV, XXV, XXVII e XXVIII).

Do exposto acima, neste item, fica clara, a relação de necessária dependência dos titulares destes "novos" direitos em relação ao Estado, para a concretização dos mesmos. Tem-se aqui, um eixo crítico deste trabalho. Ora, em que medida o Estado nação (agente regulatório central da modernidade), que vem perdendo, a nosso ver, o status central, tem condições, no mundo contemporâneo (com sua complexidade e ambigüidade), de dar conta das reivindicações de todas estas dimensões de direitos?

Em que pese a coerência lógica e normativa das cinco "dimensões" de direitos, há que se analisar a própria condição do Estado de Direito no contexto da modernidade, para bem compreendermos os reais desafios à realização dos citados direitos. Destacamos neste trabalho que os chamados direitos de quarta dimensão, trazem um dilema, para o 107SALDANHA, C. B.; BRANDÃO, P.T.; FERNANDES, T.B. Bioética e biodireito. In. CARLIN, Volnei

I. (Org.)Ética & bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998, p. 102.

108 BORGES, Roxana Cardoso B. Processo, ação civil pública e defesa do meio ambiente: os direitos

difusos em busca de uma concepção não-individualista de tutela e ampla legitimidade. In. LEITE, José R. Morato (org.).Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p.158.

qual o Estado de Direito Moderno não estaria preparado. Isto implicaria em uma insuficiência paradigmática do Estado de Direito para solucionar os novos conflitos daí advindos, mesmo em se considerando todos os avanços normativos e processuais acima citados.