• Nenhum resultado encontrado

A (con)vivência da sexualidade e do amor na conjugalidade

3. AMOR E CONJUGALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

3.3 A conjugalidade na contemporaneidade

3.3.1 A (con)vivência da sexualidade e do amor na conjugalidade

A partir de então, abordarei a discussão sobre o amor e a sexualidade na conjugalidade, pois em nossos dias, a conjugalidade é o lugar apropriado e necessário para que o amor seja desenvolvido. Em pesquisa realizada na França com pessoas entre 18 e 69 anos que mantinham

relacionamentos de conjugalidade, Bozon (1998) encontrou elementos importantes para pensar as relações sexuais nos relacionamentos amorosos. Ele revelou que existe, no início do relacionamento, um número considerável de relações sexuais. E casais que ainda conseguem manter um número razoável de relacionamentos sexuais na vida conjugal tendem a ficar por mais tempo juntos, o que demonstra o quanto às relações sexuais adquirem importância no universo de conjugalidade. O autor revela isso porque, na pesquisa que realizou, percebeu que existe uma diminuição dos relacionamentos sexuais entre o casal depois de um período de tempo. Muitas vezes, a diminuição da freqüência das relações sexuais causa, entre os elementos do casal, um distanciamento e, em determinados momentos, a separação.

Bozon revela que a função da sexualidade, no início de relacionamento, é construir a relação e que esta construção se dará a partir de um conjunto de roteiros e de significações que serão atrelados a uma série de elaborações de sentidos dados aos comportamentos dos parceiros. Mas o que acontece é que, muitas vezes, a relação sexual se dá em uma situação de interpretação, que implica processos e resultados diferentes entre os integrantes do casal. Tais condições causam, em determinados momentos, dificuldades aos integrantes destas relações, pois existem, segundo o próprio pesquisador, fantasmas, que são os cenários mentais que causam excitação entre as pessoas que mantêm a relação de conjugalidade. Por exemplo, os homens, no relacionamento conjugal, valorizam, e muito, a relação sexual como uma forma de renovar o desejo. Assim, conseguem redimensionar a sua identidade individual. Por outro lado, as mulheres realizam a atividade sexual como uma forma de manter a relação de conjugalidade, inclusive com o poder de resolver situações de conflito. Desta forma, homens e mulheres não compreendem as relações de intimidade da mesma forma, o que torna esta uma fronteira difícil de ser ultrapassada, segundo o autor.

Luhmann descreve a existência de uma diferenciação entre o amor conjugal e o amor paixão. Para ele, o que incide sobre a duração do amor é o prazer. Também afirma que o amor apaixonado não necessita de nenhum fundamento moral e de nenhuma garantia de duração (1990: 121), pois seu fundamento é a “brevidade da vida” e não “a vida eterna”. Assim, pessoas apaixonadas podem viver a brevidade do momento, sem intenção alguma de se responsabilizarem por um futuro, que, para elas, não existe. Já nos relacionamentos conjugais, de maior duração, existe uma necessidade de pensar no futuro da relação. Mas cada vez mais este futuro está atrelado ao desejo que os amantes sentem um pelo outro.

Apesar disso, percebo que nas relações de conjugalidade há uma relação muito próxima entre paixão e amor, de modo que essas categorias quase não se diferenciam. Existe uma forma de co-alimentação entre as duas. Um amor no interior da conjugalidade que não tenha elementos apaixonados pode logo deixar de existir, e outras interações podem fazer o sujeito amar uma outra pessoa.

A tradição relacionada à conjugalidade ainda aparece em pesquisas de Varenne (1986), que identificou que família, nos Estados Unidos, é sinônimo de crianças. Um casal sem filhos não pode ser considerado um modelo de família. Aqui, ainda se podem perceber as representações que reportam ao passado não muito distante, como demonstramos anteriormente. Assim, o casal conjugal que se ama deve manter um relacionamento que produza filhos como projeto. Podemos ver o quanto elementos de tradição ainda se fazem presentes dentro da conjugalidade.

Essas posturas tradicionais não são mais homogêneas no mundo moderno. Inclusive essas descontinuidades sobre o amor e as conjugalidades têm feito com que os autores pensem muito no que vem ocorrendo nos dias de hoje. Em seu texto Cartografias do desejo o esquizoanalista Felix Guatarri – autor de diversos livros ao lado do filósofo Gilles Deleuze – e Sueli Rolnik, psicanalista professora do programa de pós-graduação da PUC de São Paulo, abordam como o amor e a conjugalidade vêm sendo vividos no mundo moderno.

Para Guatarri e Rolnik (1996), as transformações que têm ocorrido no amor e na conjugalidade ocorreram em virtude do sistema capitalista ter transformado o amor em posse. É claro que isso tem relação direta com a forma que família burguesa constituiu a conjugalidade e os laços de amor em torno dela. Eles revelam que isto tem causado sérios problemas em função de, ao mesmo tempo em que ocorre a idéia de posse sobre quem amamos, temos, no mundo moderno, cada vez mais procurado uma individualização maior. Os relacionamentos, assim, constituem-se como aquilo que os autores identificam como reterritorializações, na medida em que ele Guatarri revela que existe hoje uma outra possibilidade de vida em conjugalidade que não seja sob a ótica da violência ou da opressão de um pelo outro, mas sob uma nova “suavidade”. Dessa maneira, as relações se refazem a cada dia para poderem continuar a ser interessantes para quem vive em conjugalidade. Mas vale dizer que o amor não diminuiu sua intensidade com isso: ele hoje se faz cada vez mais presente a partir das imagens que formamos, através do sistema capitalista, reforçando o amor. Como o amor se constitui sob uma égide individual, ele é procurado dentro de situações cada vez mais hedonistas, responsáveis muitas vezes, pela visão

que a conjugalidade seja vivenciada como uma perda da individualidade. Assim, o amor, no mundo contemporâneo, sente necessidade de se reterritorializar a cada momento, tentando fugir do seu destino, que é terminar.

Foi com essas continuidades e transformações que a conjugalidade se formou no mundo contemporâneo. Vale dizer que as relações entre conjugalidade e amor no mundo contemporâneo estão cada vez mais estreitas, mas não estão menos tumultuadas, pois as crenças e valores atrelados ao casamento, mesmo não tendo tanta importância, ainda povoam as relações sociais. Mas podemos dizer que a interiorização dos sentimentos foi um motivo fundamental para que o amor se intensificasse dentro da vida do casal moderno. A questão que dificulta hoje os relacionamentos afetivo-sexuais é que existe uma espera contínua por amor dentro dos relacionamentos, ao passo que estes, cada vez mais, estão lado a lado com uma busca por prazer individual. Portanto, a conjugalidade se constitui como um projeto vivido a dois, além da presença dos filhos, sendo ainda que estes, quando nascem, desencadeiam um processo de difícil adaptação por parte do casal. Isto muitas vezes acaba levando à separação ou mesmo a relações extraconjugais, uma vez que, segundo Porchat (1992), o casamento é diretamente influenciado por uma política que direciona para o ego. O amor, assim, é um projeto individual que é buscado na conjugalidade. As pessoas querem satisfazer prazeres individuais com os amados, ou com outras pessoas, mas vivendo uma relação de conjugalidade.

Vale dizer que esta busca por individuação dentro do casamento acaba tornando-se um artifício difícil de ser administrado. Se pensarmos que, como nos diz Foucault (1999b, 1999c), primeiro a religião atrelou o casamento à reprodução e não ao amor, então o sexo foi uma forma incorporada pelo próprio cristianismo de controlar algo que se entendia não poder mais coibir. Depois, o autor revela que, através do casamento, a família burguesa confiscou o relacionamento sexual e assim também o amor para o interior da conjugalidade. O que existe, para Foucault (1999b), é uma forma de controle sobre a sexualidade da qual apenas o casal heterossexual está livre. Apenas o casal heterossexual se encontra fora dos discursos disciplinadores e das acusações, desde que, evidentemente, eles sigam as normas estabelecidas pelos discursos disciplinadores dos corpos. Dessa forma, a conjugalidade se constituirá como aquilo que o autor denominará de um sistema de alianças, sedo que este,

[...] dispositivo de aliança se estrutura em torno de um sistema de regras que define o permitido e proibido, o prescrito e o ilícito; o dispositivo de sexualidade funciona de acordo com técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder (FOUCAULT, 1999b: 101).

Há, portanto, um dispositivo de poder que, se antes era realizado através da religião, a partir da ciência será desenvolvido pela psiquiatria e pela psicanálise. O sexo dentro das relações de conjugalidade terá fundamental importância, pois ele irá se constituir como um biopoder que se materializa a partir de um disciplinamento da sexualidade e do corpo, utilizando, inclusive, o próprio casal para estes fins.