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As diferenças de gênero no campo das representações sociais da AIDS

2. O PROBLEMA DA AIDS NO MUNDO E NO BRASIL

2.5 Estudos sobre as representações sociais da AIDS

2.5.3 As diferenças de gênero no campo das representações sociais da AIDS

Como a AIDS está relacionada ao campo da sexualidade, devemos perceber que podem existir diferenças nas representações sociais quando as relacionamos com as identidades de gênero, uma vez que existem crenças e valores referentes às sexualidades feminina e masculina que influenciam as representações sociais que homens e mulheres elaboram sobre a sexualidade e a AIDS. No caso das relações de conjugalidade e de intimidade, não se pode desprezar as diferenças das identidades de gênero, pois elas são componentes importantes dentro das mediações sociais e interferem nos comportamentos preventivos. Aqui será compreendida a mediação como a interação entre os sujeitos, sendo que os discursos são negociados dentro do que os parceiros entendem como valores e normas sociais (GIAMI, 1998).

Em pesquisa de Giami (1998) com garotos de programas, estes definiam com quem usar preservativo através das características físicas que eles definiam como “beleza” e “feiúra”. Na compreensão deles, com aqueles que consideravam belos, julgavam menos arriscado contrair

13 Usarei o termo roteiro no lugar de scripts devido ao fato de a tradução utilizada da obra do criador do conceito,

HIV, ao passo que, com “maus ou feios”, consideravam correr um risco maior. Com estes, o cuidado deveria ser redobrado. Eles também pensavam ser menor o risco de contrair HIV quando a parceira era mulher. A idéia de que a mulher não era transmissora do HIV começou a mudar a partir de meados da década de 90, mas, ainda assim, em determinadas pesquisas ainda aparecem estes indícios de que a AIDS seria uma síndrome exclusiva de homens (GUIMARÃES, 1996a).

De maneira geral, entre as mulheres, é comum a estratégia de tomar o parceiro único como uma forma de prevenção, pois este representa segurança. Este comportamento, por não se tratar de comportamento “promíscuo”, é mais aceito na sociedade. Isso foi demonstrado em pesquisa realizada entre mulheres da periferia do Rio de Janeiro (SOUSA FILHO, 1998). As respostas apontaram que, em primeiro lugar, houve por parte delas, para prevenir a AIDS, a escolha de um parceiro único e, em segundo, o uso da camisinha. As casadas tentavam dialogar com os parceiros sobre o uso do preservativo; já as solteiras, como eram mais independentes e seus relacionamentos eram ocasionais, tinham maior autonomia para solicitar uso de preservativo. Para muitos grupos, o fato de conhecer as pessoas com quem se relacionavam era uma forma de prevenção do HIV.

A pesquisa de Camargo (2000) revelou que jovens homens e mulheres de cursos das áreas das ciências da saúde e do centro sócio-econômico da Universidade Federal de Santa Catarina possuem representações sociais da AIDS atreladas à noção de “prevenção sexual”. Esta representação social está ancorada, provavelmente, na maior possibilidade de tratamento da AIDS. A pesquisa demonstrou que, mesmo com a representação social da AIDS atrelada à prevenção, homens e mulheres compartilharam a noção de AIDS relacionada à comportamentos promíscuos. As mulheres disseram que pessoas se infectam pelo HIV por falta de informação; para os homens, a AIDS se transmitia por um descuido de quem não fazia a prevenção frente ao HIV.

Assim como o estudo anterior, a investigação de Paiva e Amâncio (2005) revela que o fenômeno da AIDS está relacionado com os diferentes papéis sexuais que desempenham homens e mulheres em sociedade. Elas fizeram um estudo descritivo e exploratório entre Brasil e Portugal. Segundo as pesquisadoras, a intimidade e a segurança levam as pessoas a terem mais confiança no parceiro. As entrevistadas, em sua maioria mulheres, confirmam esta afirmação na pesquisa. A palavra “AIDS” suscitou, entre os entrevistados, medo, cuidado, preservativo e preconceito para as brasileiras e portuguesas. Mas, para as portuguesas, as representações estão

mais ligadas às idéias de doença e de sofrimento. As autoras afirmaram a importância que a idéia de amor romântico tomou nos resultados da pesquisa:

Há que se considerar, ainda, que no jogo das oposições apresentado graficamente, a partir da análise fatorial, apreendem-se representações que expressam um movimento contraditório vivido pelos(as) universitários(as) no qual ora subestimam a vulnerabilidade – quando adotam a visão romântica do amor –, ora demonstram a possibilidade de estarem alertas para perceberem o risco de infecção pelo hiv (PAIVA & AMÂNCIO, 2005: 3122).

A pesquisa de Alves (2003) com homens do sertão de Pernambuco demonstrou depoimentos interessantes sobre a discussão. Segundo a autora, a sexualidade, principalmente masculina, no Brasil tem sido pesquisada e marcada principalmente por estudos que identificam que o ato sexual está atrelado à penetração e que os parceiros devem ser, de preferência, múltiplos, ou seja, extraconjugais. A pesquisa também revelou a clássica distinção realizada por homens: que a AIDS acomete alguns grupos, geralmente considerados perigosos ou mesmo diferentes daqueles a que pertencem os entrevistados. O “outro” aparece como aquele com identidade diferente dos entrevistados. Vale dizer que na pesquisa, realizada pela autora com 22 homens jovens do sertão paraibano, mais da metade teve sua primeira relação em prostíbulo, ou seja, exatamente com os grupos que consideram muitas vezes perigosos. Essa iniciação com profissionais do sexo aconteceu quando tinham entre 16 e 14 anos, tendo sido conduzidos por amigos ou por primos. Os entrevistados fizeram uma diferenciação entre sexo e amor. Sexo, para eles, pode ser realizado com qualquer pessoa, e amor é com quem se gosta. Eles revelam que o sexo bom é aquele com carinho, que, por vezes, eles relacionam ao amor. Os entrevistados atrelaram a sexualidade deles à animalidade, por serem homens. Por isso, eles justificaram que homens se relacionam sexualmente com outras pessoas. Todos os entrevistados revelaram que conheciam o preservativo no momento da entrevista, mas nem todos fazem ou já fizeram seu uso. Com relação ao preservativo,

[...] há uma percepção negativa desta [utilização do preservativo] quando se considera a possibilidade de utilizá-la. Para eles, ela não permite que se sinta o gosto ou tira o prazer; pode favorecer a uma performance ruim ou fraca, levando-o a broxar; prende e retém algo que deveria ser solto e jogado no útero da mulher. Esta parece ser a representação mais forte em relação ao preservativo (ALVES, 2003: 437).

Eles ainda argumentaram questões interessantes para a prevenção à AIDS; por exemplo, alguns deles revelaram que deve fazer mal para a saúde da mulher ficar sem receber o esperma, pois isto, segundo os entrevistados, pode prejudicar o útero. Para estes, os grupos que têm maior risco de contrair o HIV são os homens que se relacionam com “qualquer uma”, isto é, com as mulheres que possuem muitos parceiros, e, por último, os homossexuais, que, para eles, representam a negação da virilidade masculina. Eles ainda revelaram que existem pessoas – citaram as prostitutas – que podem contrair o HIV e disseminá-lo para todas as demais.

Portanto, compreendo que as representações sociais da AIDS, atreladas às histórias de referência dos indivíduos, fazem com que as pessoas tomem determinadas ações de prevenção, ou não, a partir de roteiros sexuais estruturados dentro das suas interações sociais. Entendo, ainda, que, para este estudo, o universo cultural do significado do “amor” e da “conjugalidade” são referências fundamentais para a construção das escolhas preventivas por parte dos participantes da pesquisa.

Assim para compreender as estratégias tomadas para prevenir-se ou não da AIDS no contexto da conjugalidade, portanto é necessário discutir o papel do amor e da conjugalidade dentro das relações afetivas sexuais.