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A AIDS é um risco que afeta as pessoas que se relacionam sexualmente sem

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1 As representações sociais da AIDS para os participantes da pesquisa

6.1.2 A AIDS é um risco que afeta as pessoas que se relacionam sexualmente sem

Esta classe foi mais caracteristicamente composta por mulheres que tinham menor nível de escolaridade e que não utilizaram preservativos. Ela correspondeu, de forma sistemática, a representações sociais da AIDS atreladas a pessoas que se relacionam sexualmente sem preservativo com pessoas consideradas de comportamento perigoso.

6.1.2.1 O exame

Apareceu, nesta classe, a importância que os entrevistados deram ao exame, como única forma de saber quem é ou não portador do HIV. Apesar de o exame ter aparecido em quase todas as respostas dos sujeitos entrevistados, ficou presente que saber da sua importância não quer dizer realizá-lo. Homens e mulheres mostraram dificuldades em fazê- lo. Um homem com idade superior a cinqüenta anos utilizou o artifício de doar sangue como forma de saber sua condição sorológica. Mesmo quem o fez, justificou porque teve um relacionamento com alguém que considerou de comportamento arriscado – por exemplo, com uma prostituta. Ou seja, o exame foi utilizado como um recurso técnico e científico para tirar uma dúvida sobre algo que já aconteceu. Em nenhum momento, o exame foi citado como algo incorporado dentro do universo dos entrevistados como um monitoramento constante de sua saúde. Os exames, apesar de serem bastante citados por esta classe composta predominantemente por mulheres, também foram mencionados como “evitação” por parte de homens entrevistados, os quais revelaram receio em fazê-los em virtude de se terem relacionado com alguém com comportamento dito perigoso.

Foram interessantes as estratégias adotadas pelos participantes para saber de sua condição sorológica: enquanto alguns revelaram fazer doação de sangue, outros obrigaram o companheiro a fazer o teste. Um dos entrevistados disse que nunca fez exames, apenas doou sangue, visto que, através da doação, ficaria sabendo se era ou não portador do HIV.

problema do teste é ter de passar por um olhar de avaliação do “outro” – neste caso, do técnico de saúde ou de quem fica na sala de espera, é reconhecer que aquela pessoa corre o risco de estar infectado pelo HIV. Este artifício foi utilizado como uma proteção à identidade dos sujeitos, porque, se estivessem com saúde, não haveria problemas; e, se por acaso o exame desse algum resultado positivo, eles seriam chamados, mas não teriam de passar pela situação específica de terem de ir “fazer o exame”. É importante salientar que ele tem ainda forte impacto para os sujeitos e mulheres pesquisadas devido a estas lembrarem, de forma muito presente, que os primeiros grupos a contraírem o HIV foram grupos “chamados de risco”. Ir fazer teste seria ter a possibilidade de ser confundido com um desses grupos – isso porque a AIDS, tem como formas de infecção a relação sexual atrelada aos homossexuais ou a prostitutas, além do uso de drogas injetáveis. Pensar em fazer o exame significaria assumir ter tido uma relação sexual perigosa.

Os participantes ainda se sentiram pressionados, com muito medo, pelas muitas informações desencontradas que o círculo social acaba passando. Um dos sujeitos revelou que ficou muito irritado devido a uma pessoa que conhecia tê-lo alertado sobre a necessidade de fazer o teste anti-HIV devido à possibilidade de estar na janela imunológica. O medo de ter contraído o HIV fez com que ele dissesse que não saberia o que fazer se o teste indicasse positivo para a infecção. Podemos identificar que as representações sociais se disseminam pelas redes sociais, estão na comunicação diária estabelecidas no cotidiano e são suportes importantes para que os sujeitos elaborem suas ações no mundo social (JODELET, 2001; MOSCOVICI, 1998).

Esta representação social também demonstrou a presença ainda constante da idéia de uma “falha” na conduta sexual e moral das pessoas como um dos elementos responsáveis pela infecção pelo HIV. As pessoas possuem concepções de estar em maior ou menor vulnerabilidade a partir da promiscuidade sexual. Esta concepção povoou o pensamento dos participantes da pesquisa. Caso uma mulher ou homem não tenha requisitos morais que lhe façam ser considerado uma pessoa “confiável”, os participantes demonstraram medo em ter mantido relacionamento sexual ela. Eles apenas identificaram este medo quando a identidade social da referida pessoa foi diferente das suas.

semelhante à sua, estas dúvidas ocorreram em muito menor nível. Podemos identificar que a identidade social, no processo de organização das práticas sociais, tem fundamental importância, pois, além de preparar a organização das ações, ela se relaciona diretamente com os aspectos cognitivos e atitudinais (MOSCOVICI, 1978) que fazem os sujeitos se posicionarem positivamente, ou não, frente a uma situação específica. Outro aspecto importante foi que existiu um processo de justificativa para as representações sociais da AIDS entre participantes da pesquisa (ABRIC, 1998). Os participantes da pesquisa demonstraram que construíram uma realidade prática, na qual podem fazer suas escolhas e saber como agir frente às situações que se apresentam. A função justificatória agiu nas representações sociais da AIDS através de um princípio de regulação do comportamento, para criarem estratégias de ação de prevenção. Vale dizer que estes aspectos ficaram evidentes entre os entrevistados quando estes foram questionados sobre sua vulnerabilidade com relação a uma infecção pelo HIV. Na maior parte das entrevistas, principalmente os homens, que eram casados, quase sempre colocaram o risco sendo externo à relação do casal.

Desta maneira, foi compreensível entender que uma pessoa ficasse aterrorizada se teve relacionamento sexual sem preservativo ou se o mesmo estourou no meio da relação sexual com alguém que não conhecia, porque na relação com um desconhecido, com algo que foge da possibilidade de avaliação da sua conduta. As representações sociais acerca da AIDS, assim, auxiliam na compreensão de como agir em determinado contexto e com quais pessoas.

6.1.2.2 A reprodução

Outros aspectos que influenciaram as respostas nesta classe foram às idéias atreladas à reprodução. Como ela foi predominantemente formada por mulheres, a reprodução foi bastante referenciada nas UCE’S. Isso demonstrou a importância que as relações de gênero têm na constituição das relações de sexualidade e da negociação sexual (BARBOSA, 1999; GUIMARÃES, 2001; entre outros), sendo que esta “negociação sexual” foi sempre constituída em relações de poder (FOUCAULT, 1998, 1999) em que homens e mulheres

preocupou mais as mulheres que os homens entrevistados. Com isso, as possibilidades, ou não, de negociação no âmbito da sexualidade ficaram à mercê de uma situação muitas vezes hierarquizada e desigual entre homens e mulheres (MONTEIRO, 1999a, 1999b). As estratégias de prevenção da gravidez reveladas pelas participantes, principalmente a pílula contraceptiva, foi a forma privilegiada, para não dizer única de prevenção. Tanto as mulheres quanto os homens entrevistados fizeram distinções entre uso de preservativo e pílulas contraceptivas. O preservativo foi relacionado com doenças e com “estranhos”, e a utilização da pílula para evitar gravidez e a ser acionada com o parceiro estável ou conjugal. Essa distinção mostrou-se presente, e não apareceram diferenças entre mulheres e homens entrevistados. As únicas respostas diferentes estiveram presentes nas falas de homens jovens que não viviam em coabitação. O que a pesquisa demonstrou foi que, com a coabitação, o sentimento de controle/segurança aumentou entre os parceiros, o que fez com que, com o tempo, eles diminuíssem o uso de preservativo ou o abandonassem.

6.1.2.3 A AIDS e o perigo

Podemos identificar que ambas as representações sociais atrelaram ao comportamento perigoso dos sujeitos a responsabilidade sobre a infecção do HIV. Em outros termos, existiu uma teoria segundo a qual, quem não se identifica com chamados grupos de risco do início da epidemia, percebeu uma possibilidade quase remota de contrair o HIV. Existiu, de forma compartilhada, uma sensação de quem contraiu o vírus, o fez porque não era responsável em utilizar o preservativo. Mesmo havendo uma percepção sobre a vulnerabilidade de forma mais acurada entre os participantes com formação escolar superior, sinalizando que as pessoas “casadas” hoje se encontram em risco eminente da epidemia, ainda assim estes tiveram dificuldades em se perceberem em vulnerabilidade e disseram não utilizar preservativo em suas relações conjugais. Alguns entrevistados revelaram, inclusive, que tiveram relacionamentos extraconjugais e não utilizaram preservativos, pois a pessoa com quem se relacionaram era de seu círculo social. Mediante tais dados, foi possível identificar que as representações sociais sobre a AIDS são compartilhadas, ainda, em uma relação direta com as primeiras informações da epidemia da

participantes agem e pensam.

6.2 Os roteiros sexuais dos participantes da pesquisa e as histórias de referência de