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As dimensões das representações sociais

1.1 Conceito de representações sociais

1.1.1 As dimensões das representações sociais

Conforme Moscovici (1978), as representações sociais possuem três dimensões: a informação, o campo de representação ou imagem e a atitude. A informação se relaciona com um sistema de conhecimento que grupos específicos possuem sobre um fenômeno. Esta informação condiciona o tipo de representação sobre um objeto. O campo de representação ou imagem “(...) remete-nos à idéia de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto da representação” (MOSCOVICI, 1978: 69).

Sobre o componente afetivo, podemos pensar que ele motiva as ações a partir das representações sociais, já que sobre elas as relações afetivas possuem forte influência na medida em nos fazem tomar posição de maneira favorável ou desfavorável frente a um fenômeno.

Segundo Campos e Rouquette (2003), as pesquisas têm demonstrado a importância da afetividade dentro da experiência privada ou subjetiva para as representações sociais. Segundo os autores,

[...] a dimensão afetiva é importante à medida que influencia, às vezes organiza ou determina cognições ou comportamentos avaliativos. A partir do momento

em que os indivíduos produzem uma avaliação do objeto de representação, ou de alguns de seus aspectos, pode-se dizer que uma dimensão afetiva é ativada, dentro de um raciocínio do tipo “isto me agrada”, ou “isto não me agrada” (CAMPOS & ROUQUETTE, 2003: 436).

Eles defendem, em seus estudos, que existe uma relação “sócio-afetiva-cognitiva” que faz com que o núcleo figurativo entre em associação direta com a dimensão afetiva e de comunicação de forma eficiente, possibilitando que uma representação social tenha sentido para um determinado grupo. Estes elementos auxiliam na organização das ações que se realizarão frente a um fenômeno social. Portanto, aqui existe uma questão importante, pois, para uma representação social ser compartilhada, são necessários fatores cognitivos-emocionais-comunicacionais que permitam uma construção social por intermédio da qual as pessoas darão sentido àquelas representações. Vale dizer aqui que concebemos a construção social como a concebem Berger e Luckmann (2003) e Alfred Schutz (1979). Podemos, então, relacionar a idéia de construção social, ou de sociologia do conhecimento, à representação social, pois esta é um fenômeno que é fundamentalmente elaborado e compartilhado entre os grupos sociais, através das relações interpessoais. Para que as representações sociais se constituam como expressão de uma determinada forma de pensamento socialmente compartilhado, são necessários alguns fatores que fazem a representação tomar este lugar de pensamento de “senso comum”. Segundo Vala (1993), existem três fatores sociais que constituem as representações sociais. São eles: dispersão da informação, focalização e pressão à inferência.

A dispersão da informação acontece quando as informações vão disseminando-se de inúmeras formas, conforme as características dos grupos em que elas circulam. “A informação não circula da mesma forma, como não circula o mesmo tipo de informação em todos os grupos sociais, como ainda a ambigüidade da informação não se manifesta da mesma forma para todos" (VALA, 1993: 364).

A focalização é outra constituinte das representações sociais. Ela é marcada por aspectos morais, profissionais e posicionamento ideológico. Estes impulsionam o sujeito a fazer um filtro por um conhecimento que seu grupo tenha como aspecto norteador. Assim, irá compreender um fenômeno de forma mais concreta ou mais fluida, dependendo do objeto que se representa e do conhecimento dele ou que seu grupo já possua.

A pressão à inferência acontece quando um sujeito e seu grupo, a partir de seu posicionamento social, tomam posições específicas em face de um fenômeno que faz com possa

agir de forma rápida em conformidade com os conhecimentos que ele tenha da realidade construída por seu grupo identitário. Moscovici (1978) identificou isto em seu estudo sobre a psicanálise, quando percebeu que os diferentes grupos pesquisados transformaram a psicanálise em um fenômeno possível de ser entendido e explicado, a partir de cada identidade grupal que a constituiu. Assim, a teoria não tinha mais os conceitos originais, mas sim outros transformados a partir do que os grupos pensavam (MOSCOVICI, 1978).

Quando Moscovici (1978) chamou os sujeitos de “sábios amadores”, assim o fez porque compreendeu que, apesar de não serem cientistas, ainda assim não deixavam de discutir o fenômeno novo que se encontrava dentro da sociedade. Eles transformaram os conhecimentos disseminados socialmente, de forma a assimilá-los e compreendê-los. Assim, ele descreveu que existe uma divisão entre o que o chamou de “universo reificado” e “universo consensual”.

De acordo com Fátima de Oliveira e Graziela Werba (2000), o universo reificado caracteriza-se pelo conhecimento científico e objetivo, geralmente sistematizado por técnicos através de conceituações científicas e abstratas. Neste universo, existem especialistas e as pessoas que são consideradas leigas, sem conhecimento científico sobre determinados assuntos. No universo consensual, em que circulam os conhecimentos tidos como senso comum, as relações se dão entre pessoas no cotidiano, através das práticas sociais, e estas produzem as representações sociais.

Para a compreensão destes universos, devemos identificar como os mesmos são constituídos e quais são os processos que tornam uma representação social fenômeno compartilhado quem orientam as práticas do cotidiano. Os dois processos que irão constituir os universos reificados e consensuais são: a ancoragem e a objetivação, fundamentais para a estruturação das representações sociais para um grupo (MOSCOVICI, 1981).

A ancoragem é um processo de organização e de classificação em que o não-familiar deve estar relacionado com um conhecimento já familiarizado e conhecido. Esta identificação é quase sempre um juízo de valor, de uma informação nova ancorada sobre uma outra informação que já se estruturou cognitivamente (OLIVEIRA e WERBA, 2000). Ela acontece em dois momentos: antes e depois da objetivação. Quando acontece antes da objetivação, ela exerce um poder de nomear (categorizar) fenômenos para os grupos sociais. Quando acontece depois, refere-se a uma função social de classificação.

Segundo Moscovici (1981), a classificação é uma das principais características da ancoragem, devido à necessidade que os seres humanos têm de descrever os fenômenos que os cercam. Motivo pelo qual criam um rótulo para poder compreender aquilo que lhes é desconhecido. A classificação realizada pelo processo de ancoragem é uma forma de “dar um lugar” a um determinado fenômeno, dentro de um conhecimento já estruturado por um determinado grupo.

Quando se classifica um determinado fenômeno ou uma pessoa, geralmente acontece de forma positiva ou negativa, pois é uma atribuição que se dá através de juízos de valores estabelecidos antecipadamente, tanto por ela quanto por seu grupo. A classificação significa o enquadramento ou a ligação de uma imagem previamente conhecida, de um fenômeno ou pessoa a um determinado grupo. Por exemplo, quando pensamos em uma pessoa que é doente de AIDS, caracterizamo-la através de seu corpo, de sua saúde e seus comportamentos, porque, de alguma maneira, a AIDS adentrou no imaginário social com imagens que nos fazem entendê-la a partir de estereótipos articulados com um imaginário social que nos é conhecido.

A classificação é descrita através de dois processos: a generalização e a individualização. A generalização acontece quando quem ancora aproxima a imagem de um objeto que não lhe é familiar com um familiarizado. Já o processo de individualização ocorre quando o novo fenômeno que está sendo ancorado é percebido com uma grande distância dos outros já reconhecidos. Com isto se cria uma imagem que se demonstra como um desvio de um modelo tido como normal. A nomeação – também chamada de categorização – é compreendida por Moscovici (1981) como fundamental para a ancoragem. A necessidade de nomear um determinado fenômeno significa colocá-lo dentro de uma “matriz de identidade”, atribuindo-lhe determinado status e características específicas. Precisamos nomear os fenômenos, pois, de outra forma, se torna impossível comunicá-los como imagens possíveis de entendimento para um grupo. A nomeação pode produzir três efeitos: a) atribuir qualidades sobre um fenômeno específico; b) distinguir fenômenos e objetos de naturezas distintas; c) tornar algo diferente conhecido.

A objetivação, assim como a ancoragem, é um processo fundamental para compreender as representações sociais. A objetivação pode ser definida como a “(...) forma como se organizam os elementos constituintes da representação e o percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade e formam expressões de uma realidade vista como natural” (VALA, 1993: 360).

Como definiu Moscovici (1978), a objetivação materializa um objeto abstrato. Ela transforma algo desconhecido em uma imagem familiar.

O processo de objetivação se dá por três etapas distintas: redução, esquematização estruturante e naturalização. A redução consiste em decompor um fenômeno para poder explicá- lo de forma mais eficiente, mas se acentuam pontos que, para este grupo, pode ser mais importante que outros. Assim, amplificam-se aspectos que talvez não fossem igualmente relevantes entre outros grupos. Podemos, aqui, compreender que existe um processo de tipificação ou mesmo de uma estereotipia. A esquematização estruturante constituirá padrões de relações e estruturas de conhecimento que irão formar a representação social.

Desse modo, as explicações de um grupo sobre um determinado fenômeno se estruturam e tornam-se compartilhadas. Na naturalização, o grupo percebe que um fenômeno específico passa a ser visto como realidade para eles, e esta “realidade” passa a ter status de verdade material para o grupo. Os agrupamentos explicam, assim, os objetos novos que os rodeiam a partir das imagens e das metáforas que eles mesmos têm sobre o mundo que os circunda (VALA, 1993).

As representações sociais vão sendo agrupadas em conjuntos de significados, permitindo a interpretação dos acontecimentos do cotidiano e auxiliando na classificação e na ordenação dos fenômenos vivenciados na sociedade. Elas são formas de conhecimento compartilhado no senso comum, formando um saber que exerce uma função prática para as pessoas (JODELET, 1984).