• Nenhum resultado encontrado

A importância dos Roteiros Sexuais nas Histórias de Referência

1.2 A Teoria das histórias de referência e a sexualidade

1.2.1 A importância dos Roteiros Sexuais nas Histórias de Referência

A perspectiva dos roteiros sexuais defendida por Gagnon (2006) aborda a construção da sexualidade e do desejo, assim como o amor, a partir de uma relação de roteirização destes fenômenos. Assim, ele defende que as pessoas irão amar pessoas específicas porque existe uma condição social e cotidiana que dá possibilidades para que isto ocorra.

A Teoria dos roteiros sexuais segundo Simon e Gagnon (1986) serve como uma metáfora para explicar a produção de um comportamento dentro da vida social. Os autores lançam esta proposta criticando a visão de inconsciente de Freud, que contempla a idéia de um desejo individualista, independente da realidade social e histórica. Os roteiros podem ser definidos como

[...] um papel dentro da aprendizagem da significação dos estados mentais internos, dentro da organização em seqüências de práticas sexuais, da decodificação de situações inéditas; elas fixam os limites de respostas sexuais e relêem as significações dos aspectos não sexuais das existências das experiências propriamente sexuais (GAGNON, 1999: 73, tradução livre). Assim, os roteiros fazem com as pessoas, em um determinado contexto, escolham seus parceiros e se relacionem com estes de uma forma específica, devido às convenções sociais e sexuais partilhadas, criando laços de dependência mútua entre um ou mais sujeitos.

Para Gagnon (1999: 73), os roteiros sexuais são produzidos a partir de:

a) uma conduta sexual [que] pressupõe um esquema cognitivo estruturado (que se chama de script) sem o qual os atores não poderiam reconhecer o caráter potencialmente sexual da situação; b) que um tal reconhecimento necessitaria uma interação complexa entre um ator e um contexto, mais que uma resposta simples a sinais sexuais universais; e c) que a conduta sexual acha fontes mais no contexto que ela não resulta de uma pulsão interna. É um arranjo, e não o efeito de um automatismo de um instinto (tradução livre).

Segundo os autores Simon e Gagnon (1986), os roteiros são formados por três níveis. O primeiro está relacionado aos cenários culturais, que estão atrelados aos significados coletivos da sexualidade. O segundo remete ao que ele denominou de roteiros interpessoais, os quais se apresentam como uma interface entre os cenários culturais e a vida psíquica e possibilitam que o sujeitos respondam frente a um comportamento de outro sujeito e a regras de condutas

determinadas. Por último, os roteiros intrapsíquicos relacionam a constituição das características individuais do desejo do sujeito com sua experiência de vida.

Os autores necessariamente não estipularam quais dos níveis predominam nas práticas sociais, mas podemos identificar que as últimas publicações, principalmente de Gagnon (2006), se têm encaminhado para uma discussão mais próxima de uma sociologia da sexualidade. Hoje, segundo Gagnon e Parker (1995), talvez uma das principais contribuições da teoria esteja em compreender como a ação sexual – pressupondo-a como uma prática que circula dentro dos laços sociais – ocorre em determinados contextos. Para tanto, os autores revelam que é necessário entender a sexualidade a partir das redes sociais. Eles aproveitam e fazem uma crítica às formas como foram realizadas as pesquisas sobre AIDS, estabelecidas a partir da idéia de risco sem uma preocupação com as formas simbólicas, por meio das quais se constituem as relações sexuais.

Ainda podemos identificar que a perspectiva, atual, defendida por Laumann e Gagnon (1994), trata da sexualidade como um campo da ação social entre sujeitos em rede. Ele questiona veemente a leitura deste campo de conhecimento a partir das idéias de instintos ou mesmo dos impulsos. Portanto, a partir das colocações dos autores, é possível pensar que agimos de determinadas formas em virtude da existência de roteiros, condutas sociais, que as orientam dentro de um cenário que eles identificam como cultural.

Portanto, é imprescindível compreender que contexto o cultural influencia sobremaneira as formas de relacionamento sexual. Isso ocorre por questões identitárias ou mesmo de ordem intrapsíquica a partir de conhecimento e de aprendizagem produzidos socialmente, mas internalizados de forma singular. Assim, dentro de um cenário cultural, existem uma série de formas de identificar como se comportar em um momento específico como manter um relacionamento social e mesmo sexual. Isto acontece porque, segundo os autores, os sujeitos fazem adaptações individuais da cultura para elaborarem seus padrões de sexualidade. Os roteiros dão noções práticas a respeito de como se deve ou não se comportar em uma situação.

Por exemplo, Bozon e Heilborn (2001), trabalhando com esta perspectiva, identificaram que existe, entre o Brasil e a França, formas diferentes de jovens abordarem suas futuras parceiras sexuais. No Brasil, a relação é muito mais direta e se faz com maior contato físico, já na França a as interações são mais demoradas e necessitam, por parte dos interessados, um nível maior de investimento através de diálogo. Isso demonstra que existem diferenças culturais que se expressam nos roteiros sexuais em diferentes culturas.

Nesse sentido, o contexto cultural e a relação com a identidade dos grupos são importantes, pois, segundo Laumann e Gagnon (1995), geralmente possuímos amigos com características iguais às nossas. Por isso, há uma necessidade de contextualizar os cenários culturais. Os autores exemplificam que ser católico em um local não é a mesma coisa que o ser em outro, pois existem estas diferenças dentro dos contextos sociais que podem fazer existir diferenças mesmo dentro de religiões ou de tradições culturais. Assim, existe uma probabilidade que sujeitos encontrem parceiros sexuais dentro de um grupo do qual, estes, já façam parte ou em relação ao qual tenham identidade próxima.

Portanto, a importância da relação entre o grupo e o sujeito que faz dele faz parte é fundamental para a constituição do que compreendemos como sexualidade hoje. Segundo Bozon (1999), o significado dado às práticas sexuais é constituído dentro do tecido social. Por exemplo, em pesquisa realizada sobre relações de conjugalidade na França, o autor ainda indica que os pesquisados compreendiam as experiências sexuais positivas como uma relação na qual havia uma fusão, carinho, além de uma atração intensa com a pessoa amada. Ao contrário, as experiências que consideravam negativas eram percebidas como frias, sem carinho, tediosas e indiferentes.

Para o autor não damos sentido aos atos sexuais sem a contribuição dos roteiros, pois estes são necessários para a compreensão das práticas sexuais dentro deste cotidiano social. Por exemplo, em relação a conjugalidade, no mundo ocidental existem roteiros positivos atrelados ao casamento, sendo que sua antítese aparece atrelada à paixão, e sua forma de compulsão ao prazer, sem um vínculo afetivo mais profundo. Por isso, quem sabe possamos compreender a relação existente entre as relações afetivas sexuais no casamento atreladas à vulnerabilidade de infecção pelo HIV através da dicotomia: “sentir-se seguro dentro dele ou em risco fora dele”. Quem mantém um relacionamento por longo tempo se considera com menor risco do que aquele que estabelece um relacionamento com alguém que conhece recentemente, porque cada sociedade estabelece suas significações às relações sexuais. Estas construções sociais da sexualidade expressam muito bem o que pensamos sobre a sexualidade. Bozon (1999), por exemplo, cita os verbos que representam a relação sexual na linguagem: palavras como dar, comer, foder, conferem, de uma certa forma, sentido às práticas sociais sobre a sexualidade em uma sociedade.

Autores como Laumann e Gagnon (1994) descrevem que estas significações demonstram que a sexualidade não pode ser compreendida como um mero impulso que acomete as pessoas,

mas sim como um conjunto de significações. Estes autores afirmam que os sujeitos fazem adaptações da cultura para elaborarem seus padrões de sexualidade. Para eles, os cenários culturais, juntamente com os roteiros interpsíquicos e intrapsíquicos, nos orientam a manter um sistema de ação interpessoal. Os roteiros dão a noção de devemos ou não se comportar em uma situação. Com isso, existem probabilidades de encontrarmos parceiros sexuais dentro de um grupo do qual façamos parte ou com o qual nos identificamos. Desta forma, partilhamos significações através das redes nas quais circulamos. Portanto, podemos compreender que o preservativo, dentro de uma relação pautada em roteiros que nos dizem como devemos ou não agir, acaba tornando-se uma peça incômoda no momento da relação sexual.