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As histórias de referência a partir dos roteiros sexuais

1.2 A Teoria das histórias de referência e a sexualidade

1.2.2 As histórias de referência a partir dos roteiros sexuais

Sharman Levinson (2001), a partir da idéia de roteiros sexuais e de representações sociais, criou a Teoria denominada de “histórias de referência”. Para esta autora, tais histórias circulam nas relações entre pessoas que iniciam suas vidas sexuais; são produtos sócio-históricos, além de guias para a interpretação das relações sexuais. Ela revela ainda que as decisões de relacionar-se ou não com alguém são tomadas a partir do posicionamento dos envolvidos nos eventos, da sua organização temporal e do sentido que a ação tem para o observador. Desta forma, podemos afirmar que as condutas das pessoas se materializam a partir de conhecimentos partilhados sobre diferentes tipos de histórias de amor e de sexualidade, bem como sobre agir em uma determinada situação.

Podemos identificar isso na pesquisa da referida autora realizada com adolescentes e que revelou como estes diferenciavam sexo e amor, sendo que este último foi visto como uma forma de relacionamento com durabilidade. Levinson ainda indicou que existe uma importância da esfera da amizade para os entrevistados e que as histórias sexuais são tanto objetos privilegiados de trocas entre as pessoas quanto de reconstruções de experiências próprias. Esta mesma autora identificou dois elementos importantes para a composição destas histórias.

1. As significações afetivas do espaço – tempo: os períodos e lugares dos encontros, a duração da relação e os intervalos de tempo destes encontros; tempo durante o qual saíram e se relacionaram antes do relacionamento sexual.

2. As razões que explicam os acontecimentos em relação ao encontro: a primeira vez que os parceiros saíram juntos e se beijaram, a primeira relação sexual e a ruptura da relação.

Assim, as histórias de referência se tornam boas indicações para analisar a vida sexual das pessoas através das características, exigida ou não, da “confiança” entre os parceiros e da correspondência, ou não, das afinidades entre eles.

Portanto, é a partir deste elemento social importante dos roteiros sexuais que Levinson irá construir a sua compreensão sobre a sexualidade. Vale dizer que, para compreendermos quais as referências que as pessoas possuem dentro de um determinado contexto social, é necessário compreender os indicadores destas relações. Existe a necessidade de saber onde as pessoas se conheceram, em qual contexto isso aconteceu, em que situação ocorreu, a idade que possuíam na época, as rupturas e enlaces, além da duração da relação entre a parceria.

A autora revela que, para se identificarem as histórias de referência no âmbito da sexualidade, é necessário prestar atenção em alguns elementos que irão compor os significados de afetividade para as pessoas. Ela cita três:

1. Descrição das atitudes que o sujeito teve em relação ao que concebe como amor, sexualidade e ainda os primeiros tipos de relação sexual deste.

2. Descrição dos parceiros por quem se interessou ou mesmo com quem manteve relacionamento afetivo-sexual.

3. Relato sobre como foram as relações sexuais destas pessoas.

Vale dizer que estes aspectos não devem ser concebidos de forma estática, mas sim considerados formas de reconstruções da própria experiência das pessoas através do que podemos conceber como trocas privilegiadas. Por exemplo, na pesquisa de Levinson (2001) sobre concepções de relacionamento afetivo-sexual entre adolescentes, ela identificou que existia uma esfera muito importante da amizade, assim como uma separação, por parte dos entrevistados, de relação amorosa e relação sexual. Segundo eles, a relação amorosa tem uma relação de duração de sentimentos que a relação meramente sexual não possui.

Ela identificou que as histórias de referência auxiliam no conhecimento de um conjunto de roteiros relacionais possíveis, para uma determinada ação entre as pessoas. Assim, com estes roteiros, as pessoas sabem como se comportar dentro do mundo social que as cerca.

As histórias de referência vão-se consolidando a partir do que Bozon (2004a) chamará de “orientações íntimas”, que são construções de si no campo da sexualidade. Tal categoria está determinantemente ligada ao que consideramos lógicas sociais, as quais são responsáveis por que as pessoas saibam como e o que fazer, dentro de um contexto específico, ou seja, de forma roteirizada da vida social. Elas são expressas por representações e por normas sociais, além das interações entre os parceiros. E mesmo as práticas consideradas mais idiossincráticas passam por uma elaboração cultural. Para Bozon (2001b: 13), “as orientações íntimas constituem verdadeiros quadros mentais, que delimitam o exercício da sexualidade, definindo o sentido que lhe é dado e indicando o papel da sexualidade desempenhado dentro da construção de si” (tradução nossa).

Assim, existe uma estreita relação entre a influência das representações sociais e os processos de interiorização das biografias sexuais das pessoas. Desta forma, a rede social atrelada à sexualidade aparecerá como uma forte tendência a dar legitimidade à identidade das pessoas, como, por exemplo, à comunidade gay ou heterossexual, porque a sexualidade deve ser percebida como uma sociabilidade, como qualquer outra que encontramos nas redes sociais. Podemos, assim, identificar que as histórias de referência podem auxiliar na compreensão das práticas sociais atreladas à sexualidade, porque constituem a relação entre rede social e orientação do sujeito para a ação, tão necessária para a compreensão das representações sociais, principalmente do campo de estudos da AIDS.

2. O PROBLEMA DA AIDS NO MUNDO E NO BRASIL