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As representações sociais da AIDS e a comunicação

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1 As representações sociais da AIDS para os participantes da pesquisa

6.1.1 A AIDS é uma doença que causa medo e morte entre as pessoas e que se tornou

6.1.1.1 As representações sociais da AIDS e a comunicação

Podemos pensar que este distanciamento da AIDS como um perigo direto, pode ter sido ocasionado pelas formas de sua disseminação no mundo social através dos meios de comunicação de massa. Isso apareceu nos relatos dos entrevistados sobre como tomaram conhecimento acerca da AIDS, a maior parte por meio da mídia. Os jornais e a televisão foram, segundo os participantes da pesquisa, primordiais para a elaboração daquilo que entendem por AIDS hoje. Este dado corresponde à literatura que apresentamos para a importância das reportagens na construção da epidemia como uma série de imagens atreladas: “sexualidade, morte e doença” (GIOVANNETTI & ÉVORA, 1997: 129). Por exemplo, Biancarelli (1997) revelou que poucas reportagens foram realizadas até 1991, mas que elas tinham principalmente um caráter ameaçador.

Os participantes da pesquisa citaram que tomaram conhecimento da AIDS através de reportagens sobre atores, atrizes e cantores nacionais e internacionais. Foram as principais referencias que trouxeram, segundo os participantes, a AIDS para o seu conhecimento. Portanto, é compreensível que grande parte deles, quando solicitados a expressar uma imagem da AIDS, revelaram algo que lhes remetia muito a “medo ou terror”. Um dos participantes lembra o cantor Cazuza, quando este foi capa da revista Veja, em uma reportagem que denunciava seu adoecimento pela AIDS. A imagem do cantor à “beira da morte” marcou os entrevistados, pois foi citada diversas vezes como uma imagem que

que revelou que a imagem causava medo teve, na época, um relacionamento sexual sem preservativo com uma pessoa que conhecia. Isso aconteceu, segundo ele, porque a oportunidade apareceu e ele “não tinha preservativo na hora. Ou seja, o medo existia, mas a AIDS não se mostrava próxima dele – estava distante, nas capas dos jornais, das revistas e na televisão.

A representação social da AIDS a partir dos relatos da maior parte dos participantes teve um componente atrelado ao medo que a síndrome ainda trouxe para eles. Apesar da mídia ser uma forte fonte na construção das representações sociais, como afirma Moscovici (1978), o autor ainda revela que existe uma reconstrução, por parte dos sábios amadores, através da qual estas informações da mídia são transformadas e adquirem para eles sentidos práticos na vida cotidiana. Podemos identificar isso nas outras representações que algumas pessoas trouxeram para a síndrome. Alguns participantes identificaram na AIDS um grande “mal”, sendo que imagens como “diabo, tigre, serpente” apareceram. Elas não foram homogêneas, mas expressam cognições que se fazem em torno da AIDS, e a partir delas podemos identificar como elaboram suas rede de relações sociais ou suas práticas. Uma das entrevistadas, por sinal a única que se auto-revelou soropositiva para HIV, disse que, quando soube que era portadora do vírus, seus familiares não a deixavam sequer lavar os pratos. Ela disse que tal impedimento remetia ao medo de que ela passasse a doença para as outras pessoas. Essas diversas formas de discriminação são muito presentes na pesquisa de Pereira (2004), que identificou que as pessoas portadoras e doentes de AIDS são percebidas como se fossem como um “emblema do mal” vivo e presente dentro da sociedade, ou seja, as pessoas tornam-se o perigo iminente.

Segundo a teoria das representações sociais, podemos compreender que os participantes ancoram a AIDS na égide de um mal que acomete principalmente quando estas são consideradas de múltiplas parcerias sexuais. Além disso, como a AIDS possui uma forma infecciosa, as pessoas têm grandes receios de entrar em contato com ela. Este receio é organizado a partir de um cuidado com o contato com pessoas sabidamente soropositivas e cujo comportamento se pode “desconfiar”. É interessante que, assim como existiram pessoas citadas como sendo de comportamento duvidoso, surgiu certa “proteção” em relação a determinados grupos, como aqueles dos quais os entrevistados e as

auxiliam na formação de possibilidades de comportamentos (MOSCOVICI, 1981; OLIVEIRA & WERBA, 2000; ALMEIDA, SANTOS & TRINDADE, 2000). Isso aconteceu porque os participantes ancoram a AIDS nestas imagens do “mal ou do perigo”, objetivando, dessa maneira, que epidemia esteja vinculada a comportamentos que consideram perigosos à sua saúde. É claro que aí começam as dificuldades na organização de suas ações. As representações se estruturam em relação ao perigo vinculado à AIDS, mas os comportamentos sexuais dos participantes com pessoas conhecidas se estruturam dentro de uma situação de afetividade, de amabilidades, de solidariedades, de reciprocidades, o que aumenta, ainda mais, quando se fala na sensação de segurança para aqueles que estão em relacionamento de conjugalidade. A pouca capacidade de utilização de preservativo dos participantes com relacionamento conjugal pode ser motivada por elementos como esses.

Podemos pensar, a partir de Valsiner (2003), que esta dificuldade de uso de preservativo dentro da relação sexual em conjugalidade acontece porque os sujeitos entrevistados necessitam dar uma significação para suas vidas orientadas ao futuro. Esses pensamentos necessitam de alguma forma, controlar as inseguranças na vida das pessoas. Ou seja, o risco de contrair o HIV é pensado como algo que pode ocorrer, sim, se as pessoas entrarem em contato com sujeitos que não têm um comportamento sexual semelhante aos delas. Quando os indivíduos estão em uma relação direcionada ao futuro com alguém por quem se sentem atraídos, quando sentem desejo de continuar com esta pessoa, a vulnerabilidade acaba sendo percebida como menor. Isso se registra na pesquisa de Rosenthal, Gifford e Moore (1998), que perceberam que quando seus entrevistados procuravam relacionamentos amorosos, não utilizavam preservativo nas relações sexuais. Elas acreditavam que o preservativo afastava a possibilidade de relacionamento mais profundo. Podemos pensar que essas formas estão motivadas por representações sociais negativas em relação à AIDS que se estruturam na contraposição do que os participantes pensaram sobre amor e conjugalidade.

A concepção que opõe AIDS a amor e conjugalidade se dá em virtude de um “estranhamento” em relação à AIDS devido ao fato de seu surgimento estar atrelado a grupos específicos, como já discorri anteriormente. Além disso, auxilia, nesta difícil

síndrome. Até contemporaneamente, a origem da epidemia tem sido objeto de discussão cientifica, o que faz circular, entre os participantes, duas das principais teorias sobre seu surgimento. A primeira delas, e a mais freqüente, são sobre a origem Africana. Esta teoria afirma que existe uma disseminação do HIV devido ao fato de a alimentação dos africanos ser de carne de macacos portadores do HIV. Foi citado também, por parte dos entrevistados, que pode ter havido relacionamentos sexuais entre homens e animais e que isso fez com que o vírus se disseminasse. A outra teoria citada com freqüência, mas em menor intensidade que a anterior, foi a da “mutação genética” em laboratório. Esta teoria afirma que o vírus foi criado em laboratório para fins de uma guerra biológica. Apesar das duas terem respaldo nas respostas dos entrevistados, a primeira foi mais predominante, até porque existem, nos meios de comunicação, explorações maiores sobre hipóteses como estas. Mais uma vez, identificamos a importância que os aspectos de comunicação têm para a elaboração e para o compartilhamento das representações sociais (MOSCOVICI, 1978). Grande parte dos participantes respondeu de maneira muito homogênea a estas questões, devido à disseminação da mídia.

O surgimento da AIDS, e sua proliferação foram muito disseminados pela mídia no surgimento da epidemia. Portanto, vale dizer que as pessoas acabam tomando essas informações como “verdades” que irão orientar as suas ações de maneira coerente com estas representações sociais.

É interessante salientar que os entrevistados, de maneira geral, apresentaram certa propriedade no conhecimento sobre as formas de infecção, demonstrando certo esclarecimento, ao menos em relação às formas de infecção pelo vírus e sobre a epidemia. Identificamos que existe compartilhamento quanto às formas gerais de infecção, mas, ainda assim, algumas pessoas demonstraram dúvidas acerca da transmissão da AIDS através do beijo, da saliva ou do suor, por exemplo. Os participantes revelaram que existe um número significativo de informações circulando entre os grupos e que estas informações de prevenção são compreendidas pela maior parte das pessoas. Entretanto, alguns participantes revelaram ainda ter dúvidas sobre formas de transmissão, e muitos disseram que teriam “cuidado” maior se tivessem contato com doentes de AIDS. A transformação do conhecimento científico em representações sociais (MOSCOVICI, 1978, 1981, 2003;

caráter prático que irão auxiliá-las em suas compreensões acerca do mundo, além de auxiliá-las em uma ação prática nele. Isso quer dizer que, mesmo que se tenha “consciência” dos reais riscos frente a uma epidemia como esta, através de informações transmitidas por veículos de comunicação de massa, ainda assim, expressam dúvidas relativas ao que diz a ciência. Além disso, não é possível, por parte dos veículos de comunicação, garantir que não existam interpretações diversas sobre a epidemia, pois as pessoas acabam formulando diversas explicações que darão sentido para as suas experiências de vida e a partir das quais pensarão os fenômenos novos que se apresentam.