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3. AMOR E CONJUGALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

3.1 A vivência do sentimento amoroso

Para iniciarmos nossa análise, vamos partir de um clássico sobre o assunto: o livro de Dennis de Rougement ([1939] 2003). Este pensador suíço nascido no ano de 1906 escreveu a obra A história do amor no ocidente, publicada em 1939 e considerada, por muitos autores, uma das mais importantes do século XX sobre a temática do amor. Para realizar sua análise, o autor partiu do mito de Tristão e Isolda. Em seu estudo, revelou quanto a idéia de amor, reinante em nossos dias, é relativamente nova, surgida em torno do século XII, estando fortemente marcada por características ocidentais. Isso não quer dizer que não existia relação integrada entre o afeto e a sexualidade, como nos revela o pensamento grego a partir da leitura de Foucault (1998, 1999b). Mas o que vale ser ressaltado é que, a partir do século XII, o amor passa a ter uma identidade que lhe dá certa autonomia e liberdade com relação às interações sociais. A partir deste momento, parece que o amor não necessitava de outros ingredientes. Ele bastava a si mesmo.

Para fazer valer seus argumentos, Rougement levantou aspectos que dessacralizam o casamento como lugar onde o amor deveria acontecer, principalmente quando surge a idéia de amor romântico, ou seja, no século XII. Ele, assim, levanta importantes questões que demonstram que, na sociedade ocidental, o “amor paixão”, naquela época, esteve atrelado ao adultério. As principais literaturas de romance estão pautadas no adultério. Aqui, o amor se constituiu como algo que se encontra fora da união chamada casamento e não dentro dele. O referido autor demonstra que a concepção cristã de casamento não contemplava o “amor paixão”, identificando

tal questão na discussão sobre a relação extra conjugal. Apesar de compreender que as regras que constituíram a obra de Tristão e Isolda, um mito Celta, sejam de uma época dominada por representações especificas de mulheres e homens, ainda assim Rougement revelou que muitas das imagens sobre o amor foram criadas por este romance e que elas ainda circulam, fazendo-se presentes até os nossos dias. Neste mito, existe um componente expressivo sobre a luta e o sofrimento atrelados ao amor. As personagens do romance celta lutam até a morte para ficarem juntas.

Para o autor, o amor verdadeiro parece, ao contrário dos filmes de romance, nunca acabar bem, tanto para homens quanto para mulheres. Este autor afirma que o “amor paixão” conhecido por nós, ocidentais, é derivado do amor cortês, que irá constituir-se em uma oposição ao modelo de casamento da Idade Média. O exercício do “amor paixão” faz o seu atrelamento à infelicidade, ou seja, ele se torna inalcançável, algo que não é possível realizar, mas que se vive incessantemente. Podemos pensar, inclusive, no modelo popular shakespeareano de Romeu e Julieta, em que os amantes morrem no final.

O “amor romântico” se constitui, assim, como aquele que nunca alcança a correspondência, continuando como uma busca contínua. É ainda Borges que cita o exemplo do romance de Tristão e Isolda, a mesma obra analisada por Denis de Rougement, apontando que, nesse mito, o amor é percebido como uma doença da alma, que pessoas como Isolda, personagem do romance, decide contrair. Podemos perceber isso a partir do que os estóicos pensavam sobre o amor. Para eles, o amor retirava a tranqüilidade da alma, aquela necessária para o bom andamento e para a tranqüilidade da vida. Os estóicos retomam e amplificam a idéia de que o sofrimento e o prazer no amor são faces da mesma moeda. Eles revelam que as pessoas têm possibilidades de acostumar-se com a dor através do amor.

Logo abaixo, vale perceber como o referido autor sistematizou as principais diferenças que ressaltam a importância do “amor cortês” e suas diferenças para o cristianismo nos costumes ocidentais.

DOUTRINA APLICAÇÃO

TEÓRICA

HISTÓRIA PAGANISMO União Mística (amor

divino feliz)

Amor humano (infeliz) Hedonismo, paixão rara e desprezada. CRISTIANISMO Comunhão (sem união Amor ao próximo Conflitos dolorosos e

essencial) (casamento feliz) paixão exaltada. Fonte: Rougement (2003: 97).

A idéia do “amor cortês”, segundo Rougement (2003) que deu origem ao nosso hoje conhecido “amor romântico”, será constituída, principalmente, a partir do século XII, em contraposição aos ensinamentos cristãos. Vale ressaltar uma peculiaridade: esta forma de “amor” será elaborada principalmente a partir de um olhar masculino, mas um olhar que coloca o homem como servo da mulher. Cabe ressaltar aqui que, nesse momento, a mulher se encontra como figura mais importante para a constituição do futuro amor romântico. Apesar de as trovas românticas serem desenvolvidas por homens, que descreviam seus amores e desamores pelas mulheres, estas se tornavam o seu alvo primordial. O tema era repetido, mas causava muito impacto para a época: a dama fora de alcance que não poderia ser tocada pelo cavalheiro que a desejava. Essa foi à tônica principal do “amor cortês”.

Segundo Freire Costa (1998), estas informações são importantes para podermos compreender que as pessoas hodiernamente vivem baseadas em representações sociais do amor romântico, que fazem uma “mistura de ilusão e realidade, de ganhos e perdas, de avanços, paradas e recuos no campo das relações humanas” (1998: 150). Assim, o amor, segundo o autor, “é suporte de predicação moral” (Idem: 161) e tanto pode representar felicidade quanto sofrimento.

Vale ressaltar que a idéia de amor não correspondido é a tônica dos principais romances da cultura ocidental. Para Borges (2004), a literatura amorosa representa uma grande contribuição para entender como o amor é compreendido na modernidade. A autora usa como exemplo a obra de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, que, segundo ela, foi causadora de inúmeros suicídios no século XVIII. Tal livro trata da dor de um amor não correspondido. Segundo Borges, a idéia contemporânea de amor surge do pensamento grego, que pressupõe três tipos de amor: Eros, philia e caritas. Eros é originado do pensamento platônico e lembra o amor romântico, aquele que talvez seja o mais próximo deste conhecido atualmente. Este tipo de amor está ligado à falta, ou seja, ao sofrimento. Seria aquele amor que busca ser alcançado. Já o amor philia está próximo ao pensamento de Aristóteles e encontra-se relacionado a um desejo de partilhar a companhia do outro, principalmente se for através da virtude. É querer o bem do outro. Por último, o amor ágape ou caritas, que está mais próximo da philia, é um amor que está atrelado ao

bem do outro, muito próximo do humanismo cristão. Assim, gostar de alguém seria amar esta pessoa incondicionalmente e só fazer o bem a ela. O amado nada mais é, para o amante, que alguém a quem se deseja fazer o bem.

Podemos perceber, aqui, que existe uma relação entre as características que Rougement define para o amor romântico e as atribuições que Borges estabelece ao que Platão chamara de Eros. Isso ocorre porque, segundo Rougement (2003), o amor cortês foi constituído a partir de uma “idealização do amor carnal”. Ele faz relações que demonstram que o amor cortês tem uma influência mística ou mesmo religiosa. Por exemplo, em alguns poemas de trovadores que cantavam o amor à mulher amada, esta era comparável a Deus, à perfeição. Rougement defende que “o amor-paixão glorificado pelo mito foi realmente, no século XII, data de sua aparição, uma RELIGIÃO na mais plena acepção do termo e especialmente UMA HERESIA CRISTÃ HISTORICAMENTE DETERMINADA” (2003: 192; grifo do autor).

O amor, assim, constitui-se através da mística religiosa; constitui-se, nesta época, pelos trovadores e com características muito marcadas de um forte idealismo. Esta compreensão também aparece nos discursos de alguns filósofos importantes que analisaram o amor a partir de sua fórmula mais conhecida: o amor/Eros. O Banquete de Platão, por exemplo, é um elogio ao amor, principalmente aquele que se estrutura sobre a virtude. As personagens descritas pelo filósofo dizem que nada pode ser censurado se for para elevar a virtude do amor. O amor, desta forma, é visto como uma virtude – ou como um bem – conhecida por aqueles que amam.

Outros historiadores também se debruçaram sobre a temática, como, por exemplo, Georges Duby (1989), especialista em Idade Média, que revelou que o amor cortês foi uma estratégia dos homens, principalmente senhores, para controlar o ímpeto dos jovens descasados que eram dedicados à guerra. Assim, a dama, que era cobiçada pelos cavalheiros e que nunca era conquistada, servia para causar certo sentimento de tranqüilidade ou uma dedicação que já não era mais somente focada na guerra, mas também nos jogos amorosos. Esta era uma forma de manter os jovens guerreiros sob controle. O amor era, então, incentivado como um bem que acalmava os guerreiros. Duby afirma que o amor cortês sempre foi um jogo construído pelos homens, sendo as mulheres um objeto do desejo masculino.

Outro autor que também dissertou sobre o amor foi o sociólogo Georg Simmel, que viveu entre 1858 e 1918. Ele elaborou fragmentos de textos organizados em uma obra chamada

Filosofia do amor, na qual realizou uma discussão que aborda o amor a partir do egoísmo, definindo-o como:

[...] uma função imanente, diria eu formativa da vida psíquica, também, se atualizando seguramente a partir de uma incitação do mundo, mas nada determinando de saída quanto aos portadores dessa incitação. Este sentimento está mais completamente ligado à unidade que engloba a vida do que muitos outros talvez a maioria dos outros. A maioria dos nossos sentimentos de prazer e dor, de veneração e desprezo, de temor e de interesse, nascem e vivem numa distância bastante grande do ponto em que se unem as correntes da vida subjetiva ou, antes, do centro de onde elas brotam (SIMMEL, 2001: 126). Para Simmel, o amor é um sentimento que se atrela mais diretamente ao seu objeto, ou seja, o objeto amado. Ele se estabelece de uma forma que, quando consolidado, descarta o aspecto central que o mediou, sendo percebido como um acontecimento transcendental a si mesmo. Assim, veremos que o amor é, na maioria das vezes, percebido como algo transcendente à sua própria existência, ou seja, a relação na qual ele surgiu. O sujeito que ama – defende o autor – tem a impressão de que a vida dele está única e exclusivamente mediada pelo amor do sujeito amado e a serviço dele. Simmel ainda faz uma reflexão importante, pois, segundo ele, no amor há uma condição trágica que promove, entre os sujeitos que amam, a necessidade de se fundirem à pessoa amada, de modo a constituírem uma só pessoa. Ele postula tais questões a partir de princípios sociológicos, pois descarta a idéia do amor com motivações apenas biológicas. O casamento por amor é um exemplo. As pessoas se casam, em nossos dias, porque se gostam e não por um contrato de outro tipo, muito menos para a reprodução humana, como pensaram os evolucionistas. Para Simmel (2001), isso faz com que haja uma relação entre amor e individualismo, pois o “amor cristão é dominado por uma idéia que transcende a vida pela filiação divina comum, ou pelos mandamentos de Jesus, ou pelo amor a Deus, de que é a ascendência ou a representação” (SIMMEL, 2001: 168). Ao fim de seu texto, afirma que o casal monogâmico depende destas formas de pensamento para poder manter um relacionamento afetivo-conjugal.

Vale dizer que esta idéia de amor transcendental, como foi descrito por Simmel, é muito comum com relação ao sentimento amoroso. Podemos identificar tal associação em pesquisas sobre coup de foudre, realizadas por Marie-Noelle Schurmans e Loraine Dominicie (1997). Elas pesquisaram o que seria, para nós, a idéia de “amor à primeira vista”, ou seja, arrebatador e quase místico. De acordo com esta concepção, o amor vem de algum lugar que não se consegue

identificar e é vivido de forma intensa em relação a alguém especifico. Seria a idéia de que o sentimento estaria contido naquela pessoa ou intrínseco à relação entre aqueles dois sujeitos e não como algo construído dentro de uma perspectiva inter-relacional.

Em outro estudo de Simmel, publicado originalmente em 1909 e chamado A psicologia do coquetismo, o autor faz a relação do amor entre o “ter e o não ter”. Ele também revela que o amor se configura como um esgotamento quando se realiza. Ou seja, quando o amante possui o objeto amado, ele passa a não existir mais. O autor revela que o amor é mais buscado quanto mais difícil se torna realizá-lo – mais uma vez, a imagem do amor inalcançável atrelado ao sofrimento se faz presente. Para a conquista do objeto amado, o autor revela que homens e mulheres entram em uma relação a que ele denomina coquete. O autor descreve o coquetismo como uma forma específica de homens e mulheres estarem um em relação ao outro que faz com que se sintam atraídos ou atraentes entre eles. O significado do coquetismo tem uma relação direta com tornar- se desejável ao outro, através dos gestos ou mesmo de comportamentos. O coquetismo seria o jogo de sedução elaborado pelos amantes para fazer desencadear ou despertar o sentimento do amado. O autor, nesta época, já descreve as diferenças de gênero na constituição do que ele denomina de coquete. Para ele, os homens teriam menos condições de resistir à conquista do que as mulheres, pois delas é esperado resistência à conquista dos homens. Esta resistência faz parte daquilo que era esperado, pelos homens, no processo de conquista da amada. O autor revela que o charme da conquista se faz pela incerteza. É isso que possibilita que as pessoas sintam o interesse e amem outra pessoa.

Continuando a discussão sobre o “amor à primeira vista” a partir da pesquisa de Schurmans e Dominicie (1997), elas afirmam que esta lógica de pensamento do coup de foudre são formas de dar respostas religiosas, ou mesmo através de crenças e de magias, para explicar o mundo em que se vive. As autoras utilizam Jung para concluir que o amor está ligado a uma relação de autonomia e troca. Para tais autoras, a paixão revela uma forma de fazer o sujeito valorizar o objeto amado e desvalorizar-se em relação a si e, assim, tornar a relação fusional, já que na “paixão” existe uma abolição de limites entre o outro e si mesmo.

Assim, a “paixão” faz o sujeito estar absorvido no outro, de modo que este o absorve em si mesmo. Neste caso, constataram que a paixão faz com que as fronteiras entre os sujeitos desapareçam e que este sentimento seja, assim, supervalorizado. Existe, nestas compreensões, a

idéia de que aquele sujeito encontrado pelo amor à primeira vista é o pedaço que falta àquele que o encontra.

Por último, vale voltar a Borges (2004), que conta, a partir de Sócrates, a metáfora sobre as origens do amor. Segundo o filósofo, o amor é filho de Pênia, a pobreza, e Poros, o esperto. Nesta parábola de Sócrates, Pênia, deitando-se ao lado de Poros, que estava em um jardim, embriagado, concebe o filho, Eros, que possui características dos pais. Por um lado, ele é “pobre, rude e sujo como sua mãe, vivendo a mendigar de porta em porta”, por outro é “astuto e trama estratagemas e maquinações” (BORGES, 2004: 15) Assim, o amor, dentro da cultura ocidental, irá configurar-se como “a busca pela sua metade perdida, busca que evidencia a carência constitutiva de sua pobreza intrínseca” (Idem: ibidem). Essa metáfora define aquilo que o mundo ocidental compreende a respeito do sentimento amoroso, segundo a autora.

Para tanto, vale ressaltar que a paixão na mística cortês significa sofrimento, já que a paixão do amante é, antes de tudo, um narcisismo, pois ele não quer possuir a amante, mas sim morrer de amor. Segundo Simmel, um homem apaixonado é expropriado de si mesmo. Desta forma, portanto, o ser humano se torna um sujeito que não consegue viver sem ser controlado por este amor que arrebata.

No estudo de Schurmans e Dominicie (1997) as referidas autoras chegaram à conclusão de que o amor à primeira vista é vivido, muitas vezes, como sentimento benéfico ou maléfico. O início do encontro é percebido como maravilhoso, mas as dificuldades que o relacionamento apresenta posteriormente vão terminando com esta imagem. Os sujeitos, no amor à primeira vista, podem colocar-se como agentes da história ou passivos em relação a esta, dependendo das características que encontram dentro de cada relacionamento. Os entrevistados relataram o amor à primeira vista como algo que acontece como um flash, algo instantâneo. Existem metáforas de corrente magnética como imã, por exemplo, para descrever este encontro. Além disso, ele é também percebido como um impacto violento, e o olhar dos amantes é como um prenúncio do “couple de foudre”. Muitas vezes, está relacionado à irracionalidade ou a sentimentos fora de controle. Os entrevistados revelaram, de maneira geral, que o amor à primeira vista é algo que não se pode controlar.

Existe, no amor à primeira vista, conforme Schurman e Dominicie, um recurso à magia e ao sagrado. Nas questões que aparecem em suas pesquisas, as metáforas enunciadas têm relação com o que os entrevistados relacionam ao fogo, a isto que marca os relacionamentos já no

primeiro encontro. Os entrevistados revelam que o julgamento físico tem muita importância e que há, de maneira geral, um fascínio pela beleza, o que o torna um dos primeiros indicadores para a efetivação deste tipo de sentimento. Em diversas situações, relacionam este “fogo” a algo incontrolável ou a algo que vai às raízes da loucura.

Assim, as autoras afirmam que, nas falas dos entrevistados, este tipo de amor não passa por um processo de reflexão, mas sim, pura e simplesmente, por um processo de relação com o sagrado e com o mágico. Vale dizer que, apesar de os entrevistados revelaram a forte influência do pensamento sentimental sobre o amor, eles fazem referência direta à interação social. Os participantes da pesquisa citada afirmaram que existia uma situação de distanciamento depois que conheciam a pessoa com intensidade e que aquele sentimento que era até então agradável se tornava sofrimento. Isso acontece porque à medida que se conhecem, vão ressaltando diferenças cotidianas ou projetos em comum, e isto nada mais é do que o que consideramos práticas socialmente instituídas.

Podemos perceber, neste caso, que, em muitas situações, o “amor” não está relacionado ao que chamamos de um projeto a ser vivido em conjunto, como afirmou Simmel. Ele é um evento que por vezes pode parecer transcendental e que faz as pessoas darem sentidos às suas vidas. O amor vira “objeto em si mesmo”. Isso pode ser identificado no famoso Fragmentos de um discurso amoroso, publicado originalmente em 1977 pelo filósofo, escritor e semiólogo francês Roland Barthes. Este importante autor revela que, por vezes, na anulação, característica de um dos fragmentos deste discurso amoroso, o amor se torna um fenômeno procurado pelos amantes que resulta em uma anulação pessoal quando acreditam que o encontram. Para o autor, existe, portanto, uma relação de dependência com o objeto amado. Os amantes sentem uma sensação de ausência de realidade quando amam. O mundo torna-se sem concretude, já que este amor é percebido como realidade.

3.1.1 O sofrimento amoroso

Uma das características que têm surgido nas pesquisas sobre “amor e conjugalidade” têm sido as referências ao “sofrimento”. Miriam Pillar Grossi (1998), antropóloga social, que vem, há muito tempo, fazendo pesquisas sobre a violência contra mulheres e que descreve o quanto o amor atrelado ao sofrimento aparece como uma justificativa considerada pelas mulheres para a

não separação do companheiro agressor. A autora revela que mulheres, mesmo possuindo amparo social, não conseguiam separar-se de seus maridos que as violentavam. A autora revelou, em sua pesquisa, que existe uma contradição que é construída dentro do mundo ocidental sobre o amor e que este pode estar por trás dessas difíceis relações estabelecidas pelas entrevistadas, pois o mundo ocidental estrutura o amor oscilando entre o “desejo e a falta” (GROSSI, 1998: 299).

Assim, a violência se torna uma forma de comunicação entre o casal. A autora lembra que o sofrimento e o amor têm sido duas perspectivas muito semelhantes utilizadas ao longo do tempo desde o cristianismo, pois temos, na “Paixão de Cristo”, um modelo de entrega amorosa. O mundo ocidental acaba retomando este modelo através de histórias de amor como os clássicos Tristão e Isolda e Romeu e Julieta.

Freire Costa (1998) afirma que o amor, em nossos dias, é percebido como um sofrimento porque ele entra em contradição com o que compreendemos historicamente sobre o que ele significa. Para o autor, “o amor erótico é o signo do supremo Bem” (FREIRE COSTA, 1998: 11). O amor está atrelado a um “bem” que, se não alcançado, leva ao sofrimento. Vale dizer que este