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3. AMOR E CONJUGALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

3.4 A conjugalidade como um estilo de vida

3.4.1 A felicidade e a reciprocidade

O psicanalista brasileiro Freire Costa (1998) cita a relação do amor com a felicidade, ao contrário do que argumenta Rougement. Segundo Freire Costa (1998), o romantismo amoroso é uma marca da sociedade ocidental. O amor “deixou de ser um meio de acesso à felicidade para tornar-se seu atributo essencial” para alcançá-la (FREIRE COSTA, 1998: 19). Portanto, hoje as pessoas buscam o amor como sinônimo de felicidade. Mas o que dificulta a vivência nas relações amorosas na modernidade é, como afirma Freire Costa (1998), o fato da modernidade ter construído uma dupla moral sobre o amor: “de um lado, a sedução das sensações; de outro, a saudade dos sentimentos” (Idem: 21). Dessa maneira, o amor é buscado pelos ocidentais, desde os gregos, como algo que deve ser bom e verdadeiro, mas pelo qual se sofre. O amor romântico é visto como algo singular, raro, possuidor de enorme valor na cultura ocidental. Ele representa, para aqueles que amam aquilo que se entende por bem e por belo. Pode-se dizer que “o afeto precede o conhecimento, e o verdadeiro Bem se mostra na experiência, extática de fusão com o amado” (Idem: 39). Não é de admirar que cada vez mais sujeitos encontram frustrações quando procuram à felicidade nos relacionamentos amorosos, principalmente no interior de uma relação de conjugalidade, por isso o sofrimento é gradativamente maior quando esta felicidade não vem atrelada ao casamento (D’INCAO, 1992).

Segundo D’Incao (1992), o amor se configura como uma busca no interior do relacionamento conjugal que coloca o relacionamento entre o contrato, que estabelece a vida a

dois, e a felicidade, buscada na satisfação individual. Portanto, o amor romântico acaba tendo fundamental importância no contexto atual. Vale dizer que não é muito difícil pensarmos a contradição existente entre essas duas formas de pensamento, pois, ao mesmo tempo o amor rompe com a simples relação contratual do casamento existente até o século XIX. Mas ele promulga a difícil situação de uma busca por idéias de lealdade e de pureza atreladas a ele, constituindo-se como uma forma de busca quase eterna pela alma gêmea, estrututurando-se a partir de uma relação oriunda dos discursos da Igreja católica, que discorria sobre a comunhão das almas.

Por mais contraditório que seja nas sociedades modernas o casamento, se constitui como um lugar onde deve existir a felicidade e a estabilidade. A conjugalidade buscada está atrelada à felicidade. O status elevado do marido pode ser considerado um traço de felicidade conjugal para as mulheres entrevistadas. Citando Thaup, Valencia-Bundiz (2004) revela que os homens felizes no casamento atribuíram essa felicidade aos aspectos de docilidade das esposas; e os infelizes, à não passividade das mesmas. A felicidade ideal esteve relacionada ao conceito de amor. Mas a autora revela que as imagens de felicidade são mais imaginadas pelos entrevistados do que reais.

A diferença entre o ideal romântico e a realidade vivida é perceptível principalmente através das mulheres. O amor, na pesquisa, esteve relacionado, na conjugalidade, com a reciprocidade, “dar e receber”. Para Marcel Mauss (2003), antropólogo francês que estudou a dádiva, nas sociedades modernas, esta ação responsabiliza quem recebe algo em devolver outro bem, sentimento ou presente, em troca do que nos é ofertado. Esta reciprocidade requer um engajamento moral que viabiliza que se tenham reconhecimento social com essas trocas. Segundo Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2004), a ausência da troca faz com que nos sintamos em uma relação de indiferença ou mesmo de uma violência, uma vez que a reciprocidade promove, entre as pessoas, a idéia de pertencimento social. Neste caso, penso que as relações de conjugalidade são formas privilegiadas de estabelecimento de reciprocidade dentro do mundo contemporâneo, visto que, dentro das relações de conjugalidade, existe uma relação de forte engajamento afetivo.

É importante dizer que o ideal afetivo tem sido uma das referências mais comuns no universo da conjugalidade. Segundo pesquisa de Valencia-Bundiz (2004) com homens e mulheres que viviam em conjugalidade no México, o ideal afetivo apareceu a partir de três dimensões:

1. O amor verdadeiro é o amor que não é passageiro e que faz superar as dificuldades; 2. A força do amor faz acreditarem na idéia de que ele torna tudo possível;

3. Amor profundo é aquele sentido como constante, estável e durável.

Ainda segundo Valencia-Bundiz (2004), para que exista o enlace entre os parceiros é necessário que haja, na escolha dos mesmos, elementos como proximidade e semelhanças de valores. Os entrevistados de sua pesquisa revelaram que se conheceram através das famílias ou nos espaços profissionais, lugares que freqüentavam socialmente. Aparecem na pesquisa metáforas referidas ao cônjuge como “minha metade”. A idéia de “troca” no amor aparece em várias das respostas dos entrevistados: “dar e receber” (VALENCIA-BUNDIZ, 2004: 191). Nesta relação, a autora revela que as mulheres se doam mais, pois são percebidas como aquelas que administram o casamento.

Os resultados da referida pesquisa apontam que os homens dão mais valor ao casamento tradicional, enquanto as mulheres colocam peso maior na fidelidade. A relação entre sexualidade e comunicação foi considerada indispensável para as mulheres. O que marcou a relação entre os casais no início do relacionamento foi à construção da relação; depois, a consolidação do casamento e a vida sob o mesmo teto. Mas a pesquisa indicou também que a instituição do casamento tradicional faz parte de uma memória coletiva. Existem crenças e material simbólico que influenciam o imaginário social dos entrevistados com fortes marcas da religião católica. Por exemplo, sujeitos atrelados à religião descreveram a idéia de durabilidade infinita no relacionamento. As estratégias de resolução de problemas de conjugalidade foram espirituais (Deus), interativas (discussão), circunstanciais (mudanças, conforme a situação), afetivas (amor que sentem) e preventivas (evitar comportamentos não desejados).

O modelo ideal de relacionamento afetivo centrou-se sobre a idéia de “amor romântico”. A pesquisa revelou ainda que o tempo de casamento foi valorizado pelas mulheres. Quanto maior o tempo de casados, mais estas conferiam valor positivo ao casamento. Portanto, pode-se compreender que as mudanças nos papéis dentro do relacionamento de conjugalidade e dos comportamentos colocam em risco o casamento e a relação.