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2 DOS MODELOS DE GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A

2.2 A PROFISSIONALIZAÇÃO DA FUNÇÃO PÚBLICA

2.2.2 A concretização do sistema de merecimento

O merecimento representa na seara antropológica um dos diversos critérios de distinção, hierarquização e organização social que se tem desenvolvido no sistema jurídico brasileiro. E a preocupação em utilizar-se desse critério possui ilustrações ao longo da história constitucional brasileira.

Foi com o modelo burocrático de administração pública que o merecimento ganhou pauta enquanto símbolo de modernidade, garantia ética, baluarte contra a corrupção e garantia de imparcialidade no setor de gestão de pessoas (BILHIM, 2012). E, adiante, somado à bandeira da eficiência na reforma administrativa, o discurso meritocrático renovou força dentro do sistema jurídico brasileiro em combate ao modelo de favorecimento baseado na linhagem familiar e em acordos políticos, fruto de uma cultura patrimonialista ainda persistente no sistema político- administrativo até os dias atuais.

O princípio do merecimento (como axioma e não como norma) não está enunciado na Constituição Federal, mas sua presença se revela pela análise sistemática de outros princípios e regras, tais como o princípio da igualdade, eficiência, impessoalidade etc. Sobre essa ótica, Vieira (2011, p. 140-141) esclarece "Estes princípios convergem no princípio do merecimento que, por sua vez, se densifica em diversas regras, algumas delas, é verdade, no âmbito do direito à função pública (concurso, avaliação de desempenho)".

O autor continua a análise:

[...] o merecimento é princípio jurídico acolhido pelo sistema constitucional brasileiro e que implica na justa distribuição e manutenção de oportunidades pessoais, conforme procedimentos objetivos voltados à comprovação de desempenho pessoal, que visam ao equilíbrio entre interesses dos candidatos, da organização de caráter público e da comunidade interessada em seus serviços. No âmbito da função pública, é possível perceber dois subprincípios derivados deste que acabamos de anunciar: o princípio do

merecimento objetivo no provimento de cargos públicos; e o subprincípio do merecimento no desempenho de cargos públicos

(VIEIRA, 2011, p. 141, grifos nossos).

Sobre a diferenciação do merecimento em dois subprincípios: "merecimento objetivo" e "merecimento no desempenho de cargos públicos", mencionados acima, destaca-se o estudo realizado por Silveira (2015) ao denominá-los de "mérito atual" e "mérito potencial", respectivamente.

Sobre o primeiro, a jurista entende que o tratamento isonômico e neutro antecede a formalização do indivíduo enquanto servidor e se dá por meio da realização do concurso público de provas ou de provas e títulos. A administração debruça sua atenção ao certame com o fim de apurar o mérito do futuro servidor, garantindo assim a escolha dos profissionais mais capacitados ao desenvolvimento das atribuições inerentes ao cargo ao qual concorre19 (SILVEIRA, 2015).

MEIRELLES (2014, p. 530) define o concurso público como:

[...] o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter- se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso público afastam-se, pois os ineptos e os apaninguados que constumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismos e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.

A esse mérito individual do aspirante ao serviço público apurado pelo concurso público, e que precede o ato da posse, Silveira (2015) chama de mérito atual, ou seja, as habilidades intelectuais, técnicas, operacionais e morais que o servidor já possui quando ingressa no serviço público.

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Quando já investido no cargo, e no desenvolvimento da atividade pública, espera-se do já servidor, progresso pessoal, moral e intelectual, como consequência lógica da evolução do ser humano sob estímulos proativos, nesse caso, do Estado.

A esse "mérito no desenvolvimento do cargo", Silveira (2015, p. 165) denomina de "mérito potencial" e esclarece: "É potencial porque está sempre e sempre em constante e contínua expectativa de crescimento, até que os horizontes profissionais cessem e o caminho se interrompa pelo ato da aposentadoria".

Se para alguns estudiosos, como Silveira (2009), o concurso público trata-se de uma fenomenologia que na atualidade não avalia o candidato dentro dos requisitos esperados para o desenvolvimento satisfatório do cargo em específico, apesar de ainda ser o critério mais indicado. Por outro lado, não se olvida que é no bom desempenho do cargo que o mérito deve ser analisado como critério legítimo a "remir diferenças, a distinguir os indivíduos e a justificar a eleição dos melhores para o exercício de determinados postos e tarefas" (SILVEIRA, 2015, p. 165).

E é com o fim de permitir esse desenvolvimento no cargo que a Constituição Federal passou a prever o dever do Estado de investimento em capacitação e aperfeiçoamento funcional ou mesmo, se porvetura não demonstrar mérito no desempenho no cargo, respaldo legal para subsidiar a exoneração do servidor após a devida avaliação de desempenho e a consequente desaprovação.

Em outras palavras, a assunção, mobilidade e ascensão profissional devem se pautar objetivamente no desempenho das atribuições exercidas pelo servidor. O não reconhecimento dos talentos existentes ou a premiação indevida geraria insatisfação e desestímulo, induzindo acomodação, gerando injustiça e a desmoralização das cobranças e dos planejamentos previstos nas organizações (BARBOSA, 2013).

A profissionalização da função pública se materializa a partir do tratamento neutro, isonômico e pela valorização humana dada pelo Estado ao servidor, contribuindo com isso para um sistema por merecimento.

Para a existência de um quadro de pessoal composto por servidores eficientes, é imprescindível que esses profissionais sejam estimulados ao progresso funcional constante, oportunizando por vezes a assunção em cargos em comissão (chefia, direção e assessoramento), não sendo suficiente apenas a contrapartida remuneratória, em muitas Instituições defasadas frente às atribuições dos cargos públicos.

Em que pese a atualidade do discurso meritocrático, há administradores e estudiosos como Barbosa (2013) que, embora o defenda, vislumbram a prática meritocrática como um mito, visto que a vontade política existente na alta administração para sua implementação está ainda permeada pela cultura patrimonialista. Barbosa (2013, p. 81) retrata esse critério como mero formalismo existente nas organizações públicas e privadas, ao discorrer:

[...] entre nós, a meritocracia constituiu-se e constitui-se ainda como um critério formal e eventual em permanente disputa com o nepotismo, o fisiologismo e os privilégios corporativos. Expressões e eufemismos do tipo "ministro da cota do presidente", "cargo ou ministério técnico", "política de reciprocidade", "é dando que se recebe", "QI (quem indica)", "entrar pela janela", "amigos do rei", "apadrinhados", "afilhados", entre outros, são utilizados frequentemente no linguajar político, organizacional e cotidiano para ilustrar as lógicas e as práticas de preenchimento, promoção e reconhecimento, promoção e reconhecimento de cargos e funções que as pessoas julgam ser prevalecentes entre nós, tanto nas organizações públicas como privadas, e que soam, pelo menos discursivamente, de maneira condenatória.

Corroborando com a análise feita por Barbosa (2009), Bilhim (2012), ao analisar a reforma administrativa de Portugal e o novo sistema de recrutamento e seleção da alta direção no ano 2011 ocorrido lá, afirmou que não há ninguém que não milite em prol do mérito, mas não se acredita na efetividade do sistema e, o mesmo militante acaba por pedir favores para a contratação de um familiar ou amigo.

A dinâmica atual de fato impõe uma gestão de recursos humanos focada em uma mudança cultural que supere apadrinhamentos e que reconheça o trabalho daqueles que o fazem em detrimento dos que não fazem, "os encostados". A implantação da meritocracia, por fim, ainda direciona para a necessidade de formação de banco de talentos.

Todo esse arcabouço converge para o estudo da avaliação especial de desempenho, por configurar o contexto político-administrativo que está incutido na sua natureza. É na mudança do modelo burocrático para o gerencial que a eficiência se firma como bandeira de uma administração focada na qualidade do serviço público prestado ao cidadão e, sendo o servidor público o agente imediato da vontade estatal, seu recrutamento e desempenho passam a ser observados pela ótica meritocrática, tanto no combate aos enraizados apadrinhamentos típicos do

patrimoniliasmo, como na qualificação do serviço público por meio de profissionais aptos a corresponder as necessidades da sociedade.

Daí a Profissionalização da Função Pública representar a ótica na qual se debruça a avaliação de desempenho do servidor em estágio probatório, pois ela entrelaça todos esses conceitos com o instrumento avaliativo, que representa, se aplicado com efetividade, meio de resguardar ao Estado o cumprimento da atividade administrativa; à sociedade o atendimento contínuo do serviço público com qualidade e ao servidor a atualidade e capacitação necessária para a maximização do desempenho exigido.

3 DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO COMO INSTRUMENTO DE