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2 DOS MODELOS DE GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A

2.2 A PROFISSIONALIZAÇÃO DA FUNÇÃO PÚBLICA

2.2.1 O Princípio da Eficiência

O termo Princípio deriva do latim principium, que denota origem, começo, que em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começaram a existir. No sentido Jurídico, em sua forma plural, são ideias matizes instituídas como base do ordenamento jurídico. Além disso, revelam o conjunto de preceitos que se fixou para servir de norma a toda ação jurídica, traçando, pois, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica, como verdadeiros axiomas.

A regra, assim como o Princípio, tangencia do mesmo gênero, a norma, sendo aquela analisada na ótica da aplicação total ou não aplicação, editada para ser direcionada a uma situação jurídica determinada, ou seja, a regra deve ser cumprida na conformidade exata do seu texto. O Princípio, ao contrário, pode ser cumprido em diferentes graus e a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, senão das jurídicas. Tratando-se, pois, de uma norma abstrata. Ávila (2004, p. 39-40), em outro sentido, conclui:

[...] a característica específica das regras (implementação de consequência predeterminada) só pode surgir após sua interpretação. Somente neste momento é que podem ser compreendidas se e quais as consequências que, no caso de sua aplicação a um caso concreto, serão supostamente implementadas. Vale dizer: a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada no suposto método tudo ou nada de aplicação das regras, pois elas precisam para que sejam implementadas suas consequências, de um processo prévio – e por vezes, longo e complexo como o dos princípios – da interpretação que demonstre quais as consequências que serão implementadas. E, ainda assim, só a aplicação diante do caso concreto é que irá corroborar as hipóteses anteriormente havidas como automáticas.

Nessa ótica epistemológica, encontra-se o Princípio da Eficiência, que se elevou a patamar constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 19 de 1998

(Emenda da Reforma Administrativa), expressa no caput do art. 3714, entre os princípios da Administração Pública, como consequência das inspirações do modelo de administração gerencial.

A inserção do Princípio não era prevista na Proposta de Emenda à Constituição - PEC nº 173. No texto original estava previsto o termo "qualidade dos serviços prestados", sendo então substituído, quando em discussão no Senado Federal, por "eficiência", ao reconhecer no termo uma conotação mais genérica do que a primeira, que alcançaria apenas um setor da administração, a saber, a prestação de serviços públicos15 (MODESTO, 2000).

Modesto16 (2000) denominou a postulação do Princípio na Constituição de "desnecessária e redundante" ao acreditar que já era intrínseco à Administração Pública agir com eficiência.

Em verdade, a eficiência não se tratou de postulado inédito no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em conta a expressão dele no Decreto-Lei nº 200/67 como constructo para uma boa administração, quando submete toda a atividade do Executivo ao controle de resultado, fortalece o sistema de mérito, sujeita a Administração indireta à supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (MEIRELLES, 2014).

Ainda no âmbito infraconstitucional, a Lei Federal nº 8.987/9517, em seu art. 6º, §1º, já estabelecia que o serviço adequado é o que satisfaz, dentre outras, as condições de eficiência.

Por conseguinte, Meirelles (2014) já afirmava a eficiência como um dever administrativo, ou seja, uma exigência no sentido que a atividade administrativa fosse exercida com perfeição, presteza e rendimento funcional, pois não basta a atividade administrativa ser exercida apenas com observância da legalidade,

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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifos nossos) [...]

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O termo "qualidade dos serviços prestado", tinha o sentido restrito aos "serviços públicos", quando as atividades estatais são quatro, conforme Di Pietro (2015): intervenção, polícia administrativa (poder de polícia), serviços públicos e fomento.

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Paulo Modesto foi, à época da Reforma Administrativa, assessor especial do Ministro de Administração e Reforma do Estado (MARE), Bresser-Pereira.

17 A Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.

necessitando a produção de resultados positivos para o serviço público e atendimento satisfatório aos cidadãos.

Aliás, registre-se que ao tempo da inserção da eficiência entre os princípios constitucionais, esse foi tido como a base da administração gerencial defendida por Besser-Pereira (1997) no Brasil e como o modelo capaz de substituir o padrão tradicional da administração burocrática, calcada principalmente no postulado da legalidade.

Na relação entre os princípios da eficiência e da legalidade destaca-se inicialmente a eficiência com o enfoque de juridicidade que dispensa formalismos inócuos e que, por vezes, sobrepõe-se ao princípio da legalidade (OLIVEIRA, 2015). Contudo, esses princípios não devem ser entendidos em contraposição, mas sim harmonizados na proteção do interesse público primário, pois, de outra forma, o Estado de Direito e a segurança jurídica correriam riscos.

Nesse sentido, Mello (2014) entende que o princípio da eficiência não pode ser concebido senão na intimidade do princípio da legalidade, visto que jamais uma suposta busca da eficiência justificaria a postergação daquele que é o dever administrativo por excelência.

O autor continua, ao conjugar dessa vez a eficiência como uma faceta do princípio da boa administração, afirmando que essa representa o desenvolvimento da atividade administrativa "[...] do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins à serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto" (FALZONE apud MELLO, 2014, p. 126).

Vale pontuar que a inclusão do aludido princípio na Constituição de 1988 concedeu-lhe caráter vinculante, ou seja, incutiu no Estado a obrigação de observância e real cumprimento do princípio da eficiência quando da realização de todas suas funções, harmonizado com os demais princípios constitucionais, quando, por exemplo, da atividade legislativa infraconstitucional, da atuação administrativa do Estado e do controle cabível à espécie.

Carvalho (2009, p. 196) salienta que "[...] ao escolher os meios através dos quais o Estado buscará satisfazer as necessidades coletivas, é imperioso considerar ser obrigatória a eficiência em atingir os objetivos públicos".

A propósito, Carvalho Filho (2014) traz a reflexão de que de nada adianta a referência constitucional à eficiência se não houver por parte da Administração

Pública a intenção em melhorar a gestão pública. Nenhum órgão público vai se tornar eficiente, porque a eficiência ganhou patamar de princípio, é preciso uma mudança na mentalidade dos governantes, visando os reais interesses da coletividade e expurgando os interesses pessoais dos administradores públicos.

O Princípio da eficiência parece ter se desenvolvido sob duas linhas. Uma delas relaciona o conceito de eficiência como fruto da Revolução Industrial, sendo definido como a relação entre um produto útil e aquele teoricamente possível com os meios empregados, para, em seguida, na Economia, ser associado à ideia de produtividade, isto é, de uma relação mensurável ou estimável entre produto e insumos à administração privada e pública.

No âmbito da Ciência da Administração, Duarte (2011) expõe o significado de eficiência:

(1) Capacidade de realizar corretamente, de forma racional e organizada, dentro de um processo, uma determinada tarefa. (2) Avaliação do desempenho na realização de uma atividade, trabalhando dentro de princípios determinados. (3) Solução precisa para um problema específico e complexo. (4) Realização da providência certa, no tempo certo, no lugar certo e pela pessoa certa. (5) Obtenção de resultado operacional maior e melhor, com menores custos e riscos, conseguindo a satisfação total das partes. (6) A eficiência relaciona-se com a qualidade do processo, sendo este eficiente quando há sincrono-tempos nos procedimentos. (7) A eficiência produz a eficácia, que resulta na efetividade.

A outra linha destaca a origem do conceito de eficiência em estudos jurídicos de vanguarda, desenvolvidos a partir do século XX por juristas do porte de Rafaelle Resta e de Guido Falzone, superando o conceito de poder-dever de administrar, apenas focados na eficácia, para estabelecer o dever da boa administração, respaldado nas concepções gerenciais, voltados então à eficiência (MOREIRA NETO, 2014).

Dessa linha de desenvolvimento, cabe observar a distinção dos termos eficiência, eficácia e efetividade no quadro 1 tantas vezes confundidos ou mesmo usados no mesmo sentido, e que representa a distinção ao qual se filia a presente pesquisa.

Quadro 1 - Distinção entre os termos eficiência, eficácia e efetividade

Eficiência

Transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa. A idéia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes.

Eficácia Tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na

administração. O sentido aqui é tipicamente instrumental.

Efetividade É voltada para os resultados obtidos com as ações administativas Sobreleva nesse aspecto a positividade dos

objetivos.

Fonte: Carvalho Filho, 2014, p. 30.

O desejável é que os três componentes (eficiência, eficácia e efetividade) sejam observados simultaneamente entre as condutas administrativas, pois, ao contrário do que se observa no âmbito privado, não se deve sacrificar valores juridicizados na proteção do interesse coletivo em nome do cumprimento de metas exclusivamente financeiras. O ideal é que se alcance a efetividade através do emprego dos meios e modos adequados.

Di Pietro (2015) expõe em sua obra dois aspectos de atuação da eficiência, uma em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados, e a segunda ante ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, igualmente com o escopo de alcançar os resultados positivos.

Como ilustração do primeiro aspecto dado por Di Pietro (2015), pode-se destacar a exigência de avaliação especial de desempenho para a aquisição da estabilidade pelo servidor público (art. 41, §4º da CF/88) e a perda de cargo do servidor estável "mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa" (art. 41, §1º, III da CF/88) (ALEXANDRINO; PAULO, 2014).

Ademais, tem-se previsto constitucionalmente o dever de criar um sistema de "escola de governo"18, para todos entes federativos (União, Estados e o Distrito Federal), sendo facultada a celebração de convênios ou contratos entre os entes, voltados para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos.

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"As Escolas de Governo são instituições públicas criadas com a finalidade de promover a

formação, o aperfeiçoamento e a profissionalização de agentes públicos, visando ao fortalecimento e à ampliação da capacidade de execução do Estado, tendo em vista a formulação, a implantação, a execução e a avaliação das políticas públicas." (INEP, 2016)

Valendo-se de que o postulado da eficiência não expressa nenhuma carga valorativa, mas se associa aos fins que a ação estatal há de alcançar numa hipótese em concreto, delimitando a discricionariedade administrativa, Carvalho (2009, p.197) discorre sobre a amplitude do alcance dela para a administração que se quer construir:

Cabe ao Estado otimizar resultados e maximizar as vantagens de que se beneficiam os administrados, mediante uma melhor utilização dos recursos públicos, substituição dos mecanismos obsoletos, bem como uma maior produtividade e melhor qualidade nas atividades. Para tanto, é mister que haja uma gestão com efetiva participação democrática, capaz de, senão evitar, diminuir a burocratização e lentidão administrativas e, ao mesmo tempo, de obter um maior rendimento funcional e rentabilidade social, sem desperdício de material ou dos recursos humanos. A fim de obter uma real superação das mazelas do Estado, é necessária uma adequação técnica aos fins da Administração, bem como um planejamento adequado da atividade pública seguido de uma execução aperfeiçoada, sujeita ao controle que assegure presteza, perfeição e rendimento funcional. Ademais, a utilização das inovações científicas e tecnológicas existentes, bem como o empenho efetivo no aperfeiçoamento das técnicas utilizadas, podem viabilizar a melhoria e expansão da atividade pública.

Como se observa, não é primazia da eficiência espelhar quaisquer reduções de custos, diminuição do quadro de servidores, redução da carga tributária, ou de política econômica recessiva. Há sim a obrigação de reduzir a desigualdade social, combater a pobreza, e promover o desenvolvimento nacional, ou seja, a maximização da produtividade da máquina pública (FLESCH, 2012). E a avaliação especial de desempenho dos servidores é instrumento hábil para essa maximização administrativa.

Vê-se também, da análise de Carvalho (2009) que a ideia de eficiência se aproxima por um dos seus aspectos da ideia de economicidade, mas a ela não se pode de forma alguma reduzir. Outros aspectos devem ser considerados pela Administração Pública, tais como: "qualidade do serviço ou do bem, durabilidade, confiabilidade, universalização do serviço para o maior número possível de pessoas etc." (OLIVEIRA, 2015, p. 33). A análise de todos esses aspectos da eficiência devem ocorrer de forma objetiva por meio das metas de desempenho, para que não se esvaia no subjetivismo do administrador público.

Por fim, associando especificamente o princípio da eficiência com o servidor público, a reforma administrativa propiciou nova pauta para a profissionalização da

função pública, valorizando o merecimento por meio do concurso público e da avaliação de desempenho, criação de escola de governo etc, como já debatido.

Nesse enfoque, Carvalho Filho (2014, p. 68) aduz:

É mister que os sujeitos da atividade tenham qualificação compatível com as funções a seu cargo. Indiscutível, pois, o rigor com que se deve haver a Administração para o recrutamento de seus servidores. Quando estes possuem qualificação, escolhidos que foram pelo sistema do mérito, as atividades da Administração são exercidas com maior eficiência.

Dessa forma, melhor meio não há na consecução da qualidade do serviço público senão o investimento nos recursos humanos da Administração Pública que realizam diretamente a atividade administrativa.