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A condição operária, os modos de produção na lógica acumulativa do mercado e as

1.3 O trabalho

1.3.2 A condição operária, os modos de produção na lógica acumulativa do mercado e as

Com relação à Revolução Industrial, Castel (2009) aponta como suas principais características o recurso à máquina e a reunião dos trabalhadores na fábrica – o que possibilita melhor divisão do trabalho, vigilância e dedicação completa do operário à tarefa. É ao operariado fabril e suas transformações que esse autor se refere ao fazer apontamentos sobre os operários, que serão expostos ao longo do presente texto.

Na condição operária, segundo Castel (2009), tem-se o salário não mais como retribuição pontual de uma tarefa, na medida em que permite o acesso a subvenções, uma participação ampliada na vida social e a afirmação da consciência de classe, comandando, além da produção, o modo de consumo e de vida dos operários. O consumo permite ao operário o acesso a um novo registro de existência, bem como a bens coletivos como saúde, moradia, higiene, instrução, sendo também um indicador de identidade e do lugar do indivíduo na sociedade (CASTEL, 2009).

A condição de assalariado constituiu-se, de acordo com Castel (2009), como uma forma juridicamente consagrada das relações de trabalho e como o suporte de identidade social e de integração comunitária, tendo, também, sido permeada por situações de precariedade ao longo de sua constituição.

Conforme Castel (2009), a lógica acumulativa do mercado foi fazendo com que o trabalho do operário se limitasse ao necessário para a subsistência, gerando a instabilidade do trabalho, a ausência de qualificação, as alternâncias de emprego e de não emprego e os desempregos. Como características gerais do operariado fabril, têm-se a consciência de subordinação e a sua destinação ao trabalho braçal, sendo o trabalho operário reduzido somente às tarefas de execução – indispensáveis, mas sem dignidade social –, não havendo intimidade entre os operários e os locais e objetos aos quais dedicam suas vidas. Ainda para o autor, coexistem em sua condição uma afirmação da dignidade e uma experiência de privação de posse.

Segundo Antunes, “o ser social que trabalha deve somente ter o necessário para viver, mas deve ser constantemente induzido a querer viver para ter ou sonhar com novos produtos” (ANTUNES, 2008, p. 94). Há uma perversão e um empobrecimento do sentido do processo de trabalho, do que deveria ser a forma humana de realização do indivíduo para a única possibilidade de subsistência do despossuído. Tem-se o trabalho não como a satisfação de

uma necessidade, mas como um meio para satisfazer as necessidades fora dele (ANTUNES, 2008).

Vai-se observando, ao longo da constituição da sociedade salarial, de acordo com Castel (2009), a mudança do caráter das atividades desenvolvidas pelos operários para além da produção propriamente dita, no sentido de transformação e atuação direta nos materiais, passando pela embalagem, manutenção, carga e descarga, controle e operação das máquinas; no entanto, as novas formas de organização industrial não aboliram as obrigações e a penosidade de diversas tarefas, nem o particularismo de seus modos de vida, de sociabilidade e de consumo.

Segundo Antunes (2008), o fordismo foi a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho se consolidaram ao longo do século XX, sendo os seus elementos constitutivos a produção em massa através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; o controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; o trabalho parcelar e fragmentado; a separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; as unidades fabris concentradas e verticalizadas; além da consolidação do trabalhador coletivo fabril. Esse mesmo autor apresenta também alguns traços constitutivos da experiência do toyotismo – que propõe uma nova maneira de organização da produção e se originou no Japão a partir da Segunda Guerra – a saber: produção voltada e conduzida pela demanda e caracterizada por sua variedade, diversidade e prontidão para suprir o consumo; existência do estoque mínimo; desespecialização e polivalência dos operários.

De acordo com Antunes (2008), não se pode dizer que o toyotismo originou um novo modo de organização societária, não devendo nem mesmo ser concebido como um avanço em relação ao capitalismo da era fordista e taylorista, questionando se a produção do modelo capitalista toyotista – que se realiza no mesmo universo do sistema produtor de mercadorias e do processo de criação e valorização do capital – se diferencia, em sua essência, das diversas formas existentes de fordismo. A maior participação dos operários no processo de trabalho pregada pelo toyotismo é uma aparência, fazendo parte de uma lógica mais consensual e envolvente e, na verdade, manipulatória, visto que a decisão do que e de como se produz não pertence aos trabalhadores. Além disso, para que ocorra a flexibilização do aparato produtivo, também presente no modo de produção do toyotismo, é imprescindível a flexibilização dos trabalhadores e, consequentemente, de suas condições de trabalho, que passam a se relacionar diretamente às necessidades do mercado consumidor (ANTUNES, 2008).

Sobre essas medidas de flexibilização da organização do trabalho, Sennett (2010) assinala que não alteram fundamentalmente a natureza dos sistemas de produção nem ameaçam a organização básica das estruturas de poder das empresas. Esse autor aborda também a questão da ficção da cooperação entre os empregados no interior das empresas que adotaram a flexibilização produtiva, que serve à implacável campanha das mesmas por uma produtividade cada vez maior e atuam no sentido de desmobilizar seus funcionários na luta por melhores condições de trabalho, já que “o bom jogador da equipe não se queixa” (SENNETT, 2010, p. 138).

No mundo do trabalho contemporâneo observa-se, de acordo com Antunes (2008), uma múltipla processualidade: uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado, com diferentes repercussões em áreas industrializadas do Terceiro Mundo – ou seja, ocorreu uma diminuição da classe operária industrial tradicional, quer em decorrência do quadro econômico recessivo, quer em função da automação, da robótica e da microeletrônica. Paralelamente, houve, segundo o mesmo autor, uma enorme ampliação do trabalho assalariado, com a expansão do setor de serviços, verificando-se a heterogeneização do trabalho, a subproletarização presente no aumento do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado – tem-se, assim, um processo de maior fragmentação e complexificação da classe trabalhadora. Diante dessa expansão do trabalho em serviços, em esferas não diretamente produtivas, mas que realizam atividades muitas vezes imbricadas com o trabalho produtivo, é necessária uma noção ampliada de trabalho para compreendê-lo em seu significado no mundo contemporâneo (ANTUNES, 2008).

Diversas categorias de trabalhadores subproletarizados possuem como características comuns a precariedade do emprego e da remuneração, a desregulamentação das relações trabalhistas em relação às normas legais e a consequente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais, configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial, sendo o desemprego estrutural o resultado mais brutal das transformações do mundo do trabalho, atingindo o mundo em sua escala global. Ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a qualificação do trabalho, desenvolve- se um processo de desqualificação dos trabalhadores, configurando-se uma contradição que superqualifica em diversos ramos produtivos e desqualifica em outros (ANTUNES, 2008).

A industrialização e as novas formas de organização do trabalho tiveram como algumas de suas consequências, para Castel (2009), a instabilidade do emprego, o arbítrio dos

patrões, os baixos salários, a insegurança do trabalho e a miséria dos velhos trabalhadores. Segundo Castel (2009), a capacidade de adaptação às flutuações das demandas do mercado é cada vez mais colocada aos trabalhadores, seja com relação à subcontratação pelas empresas, seja pela exigência de polivalência aos funcionários; as empresas, ao mesmo tempo em que são tidas como modelos de eficácia e competitividade, são máquinas de vulnerabilização e exclusão.

Conforme Sennett (2010), as organizações que celebram a independência e a autonomia, defendendo a ideia de que se deve sentir vergonha de ser dependente ou de estar em necessidade, longe de inspirarem seus empregados, podem despertar-lhe o senso de vulnerabilidade.

Para Antunes (2008), a lógica do sistema produtor de mercadorias acentuou em tal intensidade a concorrência intercapitalista que converteu a busca da produtividade em um processo autodestrutivo que gerou a criação sem precedentes de uma sociedade de excluídos, não só nos países de Terceiro Mundo, mas também nos países avançados.

A presença do Terceiro Mundo no coração do Primeiro Mundo, através da exclusão social, do desemprego, da eliminação de inúmeras profissões dentro do mundo do trabalho em decorrência do incremento tecnológico são “apenas alguns dos exemplos mais gritantes e diretos das barreiras sociais que obstam, sob o capitalismo, a busca de uma vida cheia de sentido e dotada de dimensão emancipada para o ser social que trabalha” (ANTUNES, 2008, p. 94).

Partindo do pressuposto de que as relações estabelecidas pelos indivíduos no e com o seu trabalho são constitutivos fundamentais do seu caráter – compreendendo-o enquanto o aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional e que se expressa pela lealdade, pelo compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo e, ainda, pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro – Sennett (2010) nos coloca que o mundo do trabalho atual, com suas transformações organizacionais, relacionais e produtivas orientadas pela flexibilidade no sentido do aumento da produtividade, promove uma corrosão do senso de caráter dos indivíduos e ameaça a capacidade de criação de narrativas sustentadas de identidade e de histórias de vida, numa sociedade de episódios e fragmentos. Aos trabalhadores, pede-se que sejam ágeis, abertos a mudanças a curto prazo e a qualquer momento, assumam riscos e dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais; para esse autor, a maioria das pessoas não sente à vontade com o modo indiferente e negligente

dessas transformações:

Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas? (SENNET, 2010, p. 11).