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3.16 Considerações acerca da reabilitação profissional

3.16.10 O processo de reabilitação profissional

Nas entrevistas, foi trazida a importância de se levar em conta que o tempo para aceitação da nova condição de vida é diferente para cada segurado, bem como para a compreensão e a aceitação do Programa. Em seus relatos, percebe-se a importância atribuída ao vínculo construído com os segurados durante todo o processo, desde a avaliação inicial até o desligamento, possibilitando que as questões mais relevantes para eles sejam consideradas, mesmo dentro da rigidez de procedimentos existente.

O Programa tem um tempo de acontecer na vida dos segurados; a gente vê que para alguns esse tempo já passou e é super difícil da gente conseguir puxar eles para o Programa, e tem aquelas pessoas que chegam no momento exato, em uma situação de estar quase perdendo as esperanças e aí, de repente, elas percebem que tem alguém querendo encontrar possibilidades junto com elas. Claro que tem todo o nosso protocolo, tem que seguir o Manual, mandar todos os ofícios (...), controlar a frequência, fazer os contatos todos com a empresa; mas eu acho que a parte da orientação acontece, ela é muito mais ampla do que só o contato com o segurado (E6, p. 16).

Tem-se, também, falas no sentido de que a Reabilitação Profissional, apesar de suas restrições e das condições de vida muitas vezes difíceis em que os segurados se encontram, configura-se como uma oportunidade de escolha de um novo caminho profissional e até mesmo de criação de novas relações com o trabalho, pontuando-se, ainda, a dificuldade em se reabilitar para uma função que tende a gerar uma renda inferior à recebida anteriormente ao afastamento, bem como a necessidade de realização de um trabalho de conscientização dos segurados acerca das reais possibilidades oferecidas pelo Programa e dos desafios a serem enfrentados quando do retorno ao mundo do trabalho.

Enquanto servidor público, eu coloco a realidade a ele: “Olha, a lei me diz isso, eu consigo te oferecer isso. Dentro dessa realidade, como eu posso te ajudar. “Eu não posso te dar mais do que isso porque a lei vai até aqui, mas se você conseguir me mostrar outras formas de fazer porque eu não estou conseguindo enxergar, a gente pode tentar caminhar junto (E2, p. 37-38).

Essa é a parte mais dolorida do processo para a gente TO, porque a gente sabe o quanto de potencial que as pessoas têm, o quanto de potencial de recursos que existem a serem oferecidos aí nesse mundo (...) e o INSS não tem o acesso formalizado e estruturado para isso ser obtido facilmente. (...) uma pessoa que sempre fez a mesma coisa (...), que foi realmente pegando o que vinha, o que o mundo oferecia pra ela, e daí ela ter que sentar com a gente e construir uma linearidade nisso (...). Como que ela vai construir se ela nunca tinha parado para pensar antes? Construir dentro daquele mundo que o INSS tem para oferecer que é muito pequeno (E4, p. 5-6).

“Você é médico, amanhã ou depois você não pode mais ser médico e vai ser secretário de médico, tudo bem para você? Você vai deixar de ganhar seus 10, 15 mil por mês no seu consultório e vai ganhar 800 reais que é isso que você paga para o seu secretário, ok para você?” (...) e eu falo isso em reunião (...): “Viu, eu não estou querendo convencer vocês que a gente tem que dar benefício para todo mundo, mas vocês têm que entender que essas decisões são muito dolorosas! Ele vai ter que fazer isso, mas não é de uma hora para outra, não vai ser fácil!” (E2, p.26-27).

As terapeutas ocupacionais sabem da coexistência de múltiplos acontecimentos imbricados no processo de preparação para a volta dos segurados a atividades profissionais diversas das habituais e são capazes de identificar grande parte deles. Em certa medida, têm conseguido inserir outros elementos nas avaliações e decisões conjuntas sobre os projetos delineados junto aos segurados, porém, na maior parte das vezes, de forma limitada e por meio de um exercício de resistência frente aos procedimentos exigidos e à brevidade dos mesmos. No entanto, trata-se de uma conquista o fato de acontecimentos para além da incapacidade laborativa, focada nas limitações decorrentes do quadro clínico, estarem sendo identificados e, em alguns momentos, levados em conta na composição dos projetos de Reabilitação Profissional dos segurados.

Mais especificamente sobre o desligamento dos segurados do Programa e sobre o que as entrevistadas avaliam ser um indivíduo capacitado para o retorno ao mercado de trabalho:

Uma pessoa capacitada para o mercado de trabalho (...) depende do mercado de trabalho também, que mercado é esse de trabalho? (...) Depende se ela mora perto de uma região que tem trabalho, se ela mora em um lugar de periferia em que em qualquer lugar que ela for trabalhar ela demora 2 horas. Estar capacitado é ter todos os recursos que sejam necessários para desempenhar algum tipo de trabalho (...). Eu tento usar recursos (...) em relação a essa questão do segurado se fazer acreditar, de acreditar no potencial que ele tem, dele valorizar toda a trajetória profissional que ele já fez (...); aí eles começam a olhar de um outro jeito para a própria história e para a possibilidade de fazer de outro jeito uma outra história (E6, p. 38-39).

Precisaria de um trabalho bem mais amplo da gente não ficar limitado só à questão do curso profissionalizante (...). A pessoa realmente preparada, capacitada, não está só relacionada à questão das habilidades que a pessoa tem que ter para voltar ao trabalho, das habilidades técnicas, de profissionalização para exercer uma função, mas de como essa pessoa vive esse outro momento, essas outras relações de trabalho (E5, p. 33-34).

Os segurados não saem com uma profissão; a identidade profissional, para ser construída e mesmo reconstituída, leva um tempo muito maior do que aquele que a gente usa com eles na reabilitação. Eles saem com a possibilidade dos caminhos, de saber onde estão as portas (E6, p. 36).

Que ela consiga ganhar o dinheiro dela, essa é a pessoa capacitada para o mercado de trabalho. (...) quando ela tem esse perfil de retorno, do enfrentamento da realidade, enfrentamento de que eu vou ter que arrumar esse emprego, só que isso não se dá assim do além, a pessoa tem que estar sendo muito bem acompanhada para ter esse tipo de atitude (...). O que o INSS chama de capacitada para o mercado de trabalho é ter realizado um curso de capacitação profissional e ponto. (...) Então nós ficamos entre esses dois sujeitos, a instituição e o segurado, intermediando (...) a expectativa do segurado e o que é determinado (E2, p. 37).

Chamamos a atenção para o fato de que as terapeutas ocupacionais elencaram algumas das características que os indivíduos devem ter, ou a necessidade de preparação para aquisição delas para um efetivo retorno ao trabalho ou, até mesmo, do conhecimento do mercado para, a partir disto, instrumentalizá-los diante das reais demandas existentes. No entanto, não foi mencionada a questão de que esse tipo de ação se torna pouco efetiva diante de um mercado de trabalho precarizado e excludente e de uma legislação insuficiente de proteção social dos trabalhadores. Os relatos das entrevistadas vão mais no sentido da inserção, que pressupõe o desenvolvimento de características, pelos indivíduos, que lhes permitam adaptar-se a um determinado espaço e/ou situação, que da inclusão, na qual deve haver um processo de transformação tanto daquele que deseja pertencer a determinado lugar social quanto deste para o acolhimento dos indivíduos em suas diversas formas de existência. Coloca-se a necessária ampliação do conceito de capacitação para o mercado de trabalho, que não se deve resumir às características e habilidades dos segurados, à realização de cursos de qualificação profissional e ao conhecimento do mercado de trabalho, embora, no cotidiano do Programa, não venha ocorrendo a possibilidade de se considerar questões para além destas.

P30 aproximou-se dessa colocação ao responder ao questionário:

Os casos de sucesso são poucos e dependem muito do segurado já se apresentar com recursos de personalidade que lhe imprimem condições de superação. Acredito que se a inclusão fosse obrigatória isso mudaria

radicalmente, se todos que tivessem uma garantia no retorno. Quando RP for política de Estado, talvez aí possamos acreditar em uma efetiva RP (P30).

3.16.11 A crença na Reabilitação Profissional, considerações gerais sobre o